terça-feira, 31 de agosto de 2010

Você está magnificamente linda


Desconfie de todos aqueles que te elogiam demais. Daqueles que te exaltam demasiadamente. Daqueles que ressaltam diversas vezes que é “muito seu amigo”. Daquele que te perdoa facilmente até quando tu faz uma puta de uma cagada. Daquele que muito te admira quando até mesmo você sabe que não deu o seu máximo. Daquele que dá muitas gargalhadas até da piada sem graça que você faz. Daquele que diz que põe mão no fogo por você na frente dos outros. Daquele que acredita que você é perfeito. Daquele que diz amar tudo o que você faz. Desconfie daqueles que se intitulam seu amigo conhecendo você a menos de um mês. Desconfie da boca de onde saem muitos elogios. Somente de uma coisa não desconfie: do seu potencial, do seu valor, da sua capacidade, do seu arrependimento, da sua fé. Confie mais em si mesmo!

“É na prática do elogio que residem às maiores falsidades, pois normalmente ele vem sempre acompanhado de interesses obscuros." (Ivan Teorilang)


Bianca Nascimento

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Tema da Semana: Parece Mas Não É

Isso e Aquilo


A gostosa do elevador
O casal perdido de amor
A grama verde da vizinha
Aquele barulho de campainha
A magreza da sua amiga
A namorada das antigas
O saudável do mc
O light do croquete
A bronca que leva do pai
O terror por levantar quando cai
O dinheiro todo daquele fulano
A miséria de beltrano
O bêbado com sua pinga
A velha desculpa curinga
A boa-fé do bicheiro
A ignorância do carpinteiro
A beata e sua ave-maria
A prostituta e sua regalia
O viciado e suas loucuras
O cientista e sua teoria pura
O ouro do tolo
O poder do patrono
O que se segue a risca
Aquilo que ninguém cobiça
O colesterol do ovo
A ingenuidade de um povo
O sarcasmo exacerbado
O autopiedoso idolatrado
Parece mas não é.


Fernanda Bugai

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Uma Vida Por Palavras



Quando nasceu, sua mãe lhe dera o nome de Paulina. Tinha um olho azulado, e outro esverdeado, que dependendo do dia, mudavam de cor até ficarem pretos feito breu, ou arroxeados como uma ameixa. Os cabelos começaram a crescer loiros, e, como acontece com toda criança, as madeixas foram aos poucos escurecendo até ficarem castanhas. Porém, a uma certa idade, já não se distinguia se ela era loira ou morena. A impressão que se tinha é que cada um dos fios era de tonalidade diferente, e que todos juntos, formavam uma nuance levemente acobreada.
Além de um olho de cada cor e um cabelo indefinido, apesar de que isso não fosse sua culpa, ela ainda tinha outra mania engraçada. Desde que tivera capacidade para ouvir a mãe a chamando pelo nome, e entender que aquele ruído emitido estava se referindo a ela, à sua pessoa, sua vida mudou. Na verdade, a vida de Paulina não mudou tanto, mas a das pessoas que conviviam ou passaram a conviver com ela sim.
De um dia para o outro, ela simplesmente, deixou de atender pelo seu nome. Isso não seria um problema tão grande, se ela pelo menos tivesse escolhido alguma maneira para que fosse chamada. Todos os dias, ela acordava, pensava por alguns minutos, e assim se levantava da cama e ia ter sua vida normal. Se por o acaso ninguém a chamasse pelo nome certo do dia, ela não abria a boca. Ficava muda, emburrada, estática, olhando para o chão ou até mesmo para os olhos de quem tentava manter alguma conversa. Mas nada adiantava. Poderiam sacudi-la, matá-la, esfaqueá-la, ela não esboçava nenhuma reação enquanto não a chamassem pelo nome secreto.
Depois de muitas tentativas, quando finalmente alguém acertava a senha que fazia “Paulina” acordar, ela voltava à normalidade. Era como se, a cada novo dia, seu corpo reprogramasse um novo nome, e ouvi-lo era o botão, o combustível, que a permitia viver normalmente.
Escolhia nome de todos os tipos, desde os mais comuns, como Maria, até os mais exóticos, como Jilovêvia. Não tinha preferência por iniciais, paroxítonas ou trissílabos, pois o que acontecia todo dia ao acordar, era algo que fugia ao seu controle. Nem ao menos conseguia dar dicas sobre o nome a ser dito, ou escrevê-lo antes de dormir, pois ela só o sabia no momento em que despertava, e então o feitiço já fora novamente lançado.
Sua mãe estava craque em nomes de meninas. A estante de livros era repleta de títulos ligados à nomenclatura das coisas, desde plantas, até animais. “Paulina” passou depois de certo tempo, a adotar também o nome de outros seres.
Chegou a ficar um mês sem se mexer ou abrir a boca, porque escolhera o nome “Metilcloroisotiazolinona”. Obviamente ninguém conseguiu acertar, mas a sorte foi que seu irmão mais novo estava vendo um canal de ciência na televisão que falava sobre a composição dos shampoos, e em dado momento, o apresentador falou o nome que desencantou “Paulina”.
Nas salas de aula, ela sempre ficava fora da chamada, e por isso, tinha de sentar-se bem à frente, em local de fácil visão.
Quando chegou aos seus vinte e poucos anos, deixou a mãe praticamente enlouquecida. Os nomes estavam cada vez mais e mais complicados. Chegaram a contratar botânicos, cientistas, biólogos, médicos e até artistas para auxiliarem com as palavras difíceis que Paulina parecia até inventar.
E ela notava o trabalho que estava dando a todos, mas não havia nada que pudesse fazer. Como queria poder simplesmente ir dormir na casa de suas amigas, sem ter que no outro dia ser praticamente carregada pra casa. Também sonhava com um namorado, mas não havia homem no mundo que aguentasse aquela sua doença.
Certo dia, sua mãe foi acordá-la e assustou-se ao ver a maneira como a filha dormia. Mais estática do que o normal, ela aparentava uma morbidez ao mesmo tempo em que parecia mais viva do que nunca. Nada a fazia acordar daquele sonho profundo e gostoso.
Passou horas e mais horas gritando ao seu ouvido, exclamando nomes, palavras e objetos da sua lista de “senhas” ainda não usadas, e nada... Ela não acordava, ou não queria acordar. Talvez estivesse escolhido o silêncio, ou o silêncio a tivesse escolhido.
Não haviam mais palavras que acordassem Paulina. Estavam todas esgotadas.



Letícia Mueller

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Odisseia



Tudo o que vou relatar é a mais pura expressão da verdade. Sem acasos, sem descaso. A realidade das memórias de um capitão de embarcação. Meu navio, Esperança I. Meus tripulantes, Goya e Canii. Meu nome, Capitão Joshua, há 56 anos no comando.
No começo era tudo calmo. A maré lisa e límpida. Nesses tempos muitas pessoas passaram pelo convés e eu as carreguei de lá pra cá aos mais diversos destinos. A pouca experiência na função me dava a sensação de que nada ruim poderia acontecer, que sob meu comando este navio velejaria por uma centena de anos. As crianças foram as primeiras a marcar as cabines e as histórias com sua vivacidade e sua impiedosa vocação para a sinceridade. Ao longo dos anos, pude constatar a evolução do pensamento que partiu dos rabiscos e findou nos poemas. Lembro até hoje de um garoto chamado Antonio, que subiu no mastro principal, contra as recomendações do Imediato e quando descoberto despencou de lá quebrando uma perna. Ganhou, além das ataduras, uma bela lição de moral dos pais que não hesitaram em apurar os responsáveis pela imprudência do filho. Claro, eu me coloquei a disposição e ofereci minha cabine para cuidados médicos de primeira linha. Algo como um consolo ao garoto inquieto e uma tentativa de “acalmar” os pais. Aprendi a primeira lição sobre política e segui a linha já que deu certo.
As histórias naquela época eram mais ou menos assim, nada de diferente ou marcado por aventuras. Os passageiros pagavam por uma cabine, havia três refeições diárias em viagens que duravam apenas o tempo de cada destino e assim iam e vinham as histórias que se misturavam com a rotina do navio. Sim, tudo era rotina. E eu estava literalmente mareado. Na minha estante os velhos livros empoeirados de Julio Verne eram meu único desapego da realidade. Suas histórias de ficção bem poderiam tornar-se verdade, eu pensava, e todas as noites eu sonhava com lulas gigantes e embarcações misteriosas. Eu precisava de um sentido para minha vida, um porto seguro, caso contrário seria engolido pelos mares.
Até que certa noite, eu acendia meu cachimbo quando percebi uma intensa névoa aproximar-se do navio. Era como se estivéssemos entrando em uma densa nuvem, não conseguíamos enxergar um palmo diante do nariz. Rapidamente um forte vento começou a bater as velas do navio e o mar revoltou-se. Uma tempestade havia tomado a região e estávamos bem no centro dela. Todos ficaram assustados e me olhavam esperando um sinal de comando. O que eu faria? Nunca havia passado por situação semelhante. Travei a fala e quase desisti quando lembrei da voz do meu pai. Surgiu em minha memória a cena de meu pai em uma situação parecida, quando eu ainda era criança. Eu chorava de medo e ele, com muita segurança, me segurou e disse: - Um capitão de verdade é o único responsável por seu barco. Agora fique aqui e me ajude ou escolha seu destino.
O desafio me tirou do marasmo. O que parecia uma história herdada, se transformou na minha história. Hoje, eu não carrego mais ninguém comigo, pelo menos não a passeio. Viajo pelos lugares que desejo e só levo o que preciso. Fica para quem quiser acompanhar, a escolha de navegar ao meu lado. Mudei o nome do navio para Odisséia.





Angelica Carvalho

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Cabeça fria, corpo quente


Sinceramente, eu não sei o que as pessoas procuram ou querem exatamente. Quando se faz sexo, o que o ser humano busca?Nem todos buscam prazer somente. Muitos querem atingir um número de parceiros, buscar em cada relação o primeiro orgasmo, outros querem a beleza e a sensualidade em si. Mas acho que no fundo a maioria esta atrás de um parceiro com quem possa sempre sentir prazer e descobrir junto a ele tudo aquilo que uma relação pode oferecer.
Hoje em dia, vemos muitas capas de revistas achando que milagres acontecem (por exemplo, fique magra, linda e saudável em um mês, como ter orgasmos múltiplos em cada relação ou dicas de como ficar com a cara e o cabelo sempre em perfeição). Bom, se tudo isso fosse fácil assim, essas revistas ao menos existiriam. O que acontece é que todas as dicas são exatamente o que o nome delas diz: DICAS. Ou seja, formas de como se chegar ao resultado final. Mas você tem que analisar todo o contexto que vive, como é seu relacionamento, como é o sentimento que você e seu parceiro possuem para depois pensar em como chegar lá.
Uma dica então que acho infalível na hora de conseguir ter prazer com seu companheiro é simplesmente parar de pensar que quer ter prazer. Isso mesmo!Se você fizer algo pensando em como irá agradar, ficar bonita, sensual e ainda sentir orgasmos múltiplos, ESQUEÇA!Tudo acontece com o tempo, de vez em vez. Primeiramente, aceite-se como você é pois uma mulher feliz consigo mesma não vai ficar com “nóias” e permitirá que seu parceiro te ame como é. Valorize o que você tem de melhor. Sim, ressalte aquilo que você mais gosta em você, pois com certeza, toda mulher tem a parte do corpo que não gosta, mas também a que gosta. Mas porque só ressaltamos tanto somente aquela barriguinha?Perceba-se melhor. Entregue-se também por inteiro pois de nada adianta fazer isso se estiver bloqueada e com receio de si mesma ou do que irá acontecer e não acontecer. E o mais importante de tudo isso: relaxe. Procure nas dicas aprimorar aquilo que você tem de melhor. Esfrie sua cabeça e assim permitirá que outras partes esquentem melhor!


Bianca Nascimento

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Semana de Tema Livre

Diana


Diana era assim, buscava pelo prazer. Pelo perigo, audácia e adrenalina eram sinônimos para ela. Desde adolescente Diana descobriu que possuía um “sex a peel” diferente das colegas de escola, não se importava com amor, tampouco com quaisquer outros sentimentos humanos, o que Diana queria era prazer e a ela bastava o prazer. Prazer puro, sórdido, quente... prazer carnal.
Teve muitos homens em sua vida, não repetia parceiros, tampouco se importava com aparência física, corpos sarados ou idade jovem, Diana queria prazer absoluto, que ainda não encontrara e mesmo que houvesse encontrado não estaria satisfeita, sempre quis mais.
Jamais se importou em seduzir o namorado das amigas, o marido das tias, o chefe, o porteiro ou o professor, ela não queria status, queria aventuras, consciência para Diana sempre foi questão de opinião.
Ao passar deixava feromônio no ar, seus longos e naturais cabelos cor de cenoura, leves sardas e olhos verdes faziam os homens delirar em sonhos animais, sua boca carnuda e rosada, despertava desejos insanos e libidinosos. Alguns realizavam, aqueles que obtinham a sorte de por ela serem escolhidos, deliciavam-se em suas curvas exuberantes, seu jeito indomável e animalesco.
Diana sempre soube aproveitar os dotes naturais que possuía, fazia bom uso e obtinha satisfação, nunca permaneceu tempo em qualquer emprego, passou por muitos colégios e faculdades, as mulheres odiavam, os homens pareciam cordeiros aos seus pés. Foi de babá a executiva, dinheiro não importava, Diana queria prazer, queria aventuras, por uma noite, por um instante, na cama, na sala, na cozinha, no banheiro, no elevador ou na piscina, em público, Diana queria prazer e o perigo a atraía. Seu pecado capital? Certamente a luxúria.
Jamais namorou ou se casou, jamais estreitou laços, a vida não passava de um grande tabuleiro de xadrez em que os homens lhe eram peões por ela domados, o tabuleiro sua cama. Diana era assim: ardente, atraente e diabolicamente sexy.



Fernanda Bugai

domingo, 22 de agosto de 2010

Panela de Pressão



Aos poucos, você filtra e absorve o que realmente vale à pena
O que se deve manter pro resto da sua vida e o que jamais deveria ter entrado nela
Descobre que a corda, além de bamba, é de arame farpado
Percebe que não sabe o quanto é forte até precisar ser
Sente que, às vezes, um silêncio cura
Reflete que decepções não matam, te abrem mais os olhos, te preparam pra vida
Não se arrependa de nada que tenha feito
Como reflexo, isso tudo constrói a sua personalidade e o seu caráter
Define quem você é.





Bruna Roveda

sábado, 21 de agosto de 2010

Aquela Menina



Quem nunca teve um amigo interesseiro, que atire a primeira pedra. Fui rodeada por amigos interesseiros durante toda a minha infância, até que lá pelos meus 15, 16 anos, eu aprendi a selecionar minhas amizades, e passei a ter não mais amigos, e sim colegas interesseiros. Claro que não melhorou muito, mas quem sabe, daqui um tempo, eu já possa dizer que zerei minha lista de amigos e colegas desse tipo.
Mas também não posso deixar de contar o outro lado da história. Tenho que admitir que eu, não sei porque motivos, também fui uma menininha um pouco interesseira. Não que eu escolhesse minhas amigas de acordo com os brinquedos caros que elas tinham, ou a casa legal que elas moravam. Meus critérios de escolha sempre foram a lealdade, companheirismo e o entendimento. O que eu costumava fazer era, de vez em quando, escrever trabalhos escolares pra elas e cobrar uns troquinhos, até que juntasse dinheiro suficiente para comprar um tênis ou uma bolsa. Ou também, passava o fim de semana na casa delas só para ficar navegando pela Internet, já que meu pai não me deixava usar o computador, ou as convidava para ir ao shopping comigo para que eu pudesse encontrar meu namoradinho secreto. O fato é que, tanto eu quanto elas, sabemos que eu nunca fiz isso por mal e isso tanto é verdade, que continuamos amigas até hoje e damos risada dessas coisas.
O complicado é quando você sente o interesse, e não sente a amizade. Lembro-me de algo que me marcou tanto, que mesmo passados mais de 10 anos, eu não esqueci.
Eu deveria ter mais ou menos 5 anos quando aquilo aconteceu. Era um domingo, e minha família foi ao mercado fazer as compras do mês, e me levaram junto a contragosto. Quando chegamos lá, decidiram me deixar brincando no Playground e foram as compras. Logo nos primeiros cinco minutos, uma menina que aparentava ter a mesma idade que a minha, se aproximou de mim e perguntou:
-Oi, você quer ser minha amiga?
Contente por não ter que passar a tarde inteira sozinha, respondi que sim, e fomos juntas brincar. Enquanto subíamos a pequena escada para entrar no labirinto, ela perguntou meu nome, e assim que eu respondi, ela falou:
- Nossa, o meu nome também é Leticia.
Eu achei aquilo o máximo. Sempre desejei uma amiga xará, e eu a tinha achado naquele instante. Rimos juntas e voltamos a brincar.
Em um outro momento, ela me perguntou minha idade, e para nossa surpresa, também tínhamos nascido no mesmo ano.
Ela era realmente divertida e nós não parávamos de rir por um minuto sequer.
Quando deitamos na piscina de bolinhas para descansar, ela me perguntou quando era o meu aniversário. Eu respondi, e ela, espantada, disse:
- Nossa, o meu também é nesse dia e nesse mês.
Nos abraçamos emocionadas. Eu olhava para ela e desejava que aquele dia durasse para sempre, ou que pelo menos, nossa amizade durasse. Já imaginava a Leticia indo dormir em minha casa, viajando comigo para a praia, e nossas festas de aniversário com convidados em dobro.
Porém, cada vez que eu olhava pela janela, via que estava escurecendo e que dali a pouco, uma das duas iria embora. Tratei de tomar uma atitude, e assim que fui perguntar qual era o telefone de sua casa, a tia do parquinho veio vindo em nossa direção. Eu estava com medo, não queria ir embora e muito menos queria que a Leticia fosse. Então, a tia gritou:
- Vanessa, seus pais chegaram.
Eu mal tive tempo de respirar aliviada. Leticia saiu correndo, calçou seus sapatos, e de longe, me deu tchau e se foi.
Fiquei alguns segundos sem entender o que estava acontecendo, até que percebi. Leticia era a Vanessa, a menina que, assim como eu, queria uma amiga para passar a tarde brincando no parquinho.
Nunca me esqueci da Leticia e de nossa amizade eterna, mas da Vanessa, eu procuro nem lembrar.





Letícia Mueller

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Implícito


Me interessa saber o que importa
Mas o que me importa freqüentemente ainda me impressiona
Me impressiona esse impasse
Esse impalpável conjunto de razões
Que movimenta a mente humana nessa imigração
A esta incontestável preferência pelo imoral.
Tamanha impavidez
Me agride de forma importuna
Com sua imposição, sua impertinência,
Seu impolido meio de intrometer-se em vidas
Que não necessitam de sua impostura
Em almas que estavam até então imunes
Ao seu impudico comportamento
Não quero parecer inadvertida em minhas palavras
Mas se tem coisa que não sinto falta incontestavelmente
É da falsidade e mediocridade inerentes
A inúmeras pessoas que se dizem interessantes.
Porque esses interessantes na verdade não passam de interesseiros
Vez que trazem consigo a incessante capacidade
De incluir em seu rol de indigência
Seja por inércia, instigação ou inelutável inépcia,
Mais e mais infortunados
Que buscam em verdade nada mais que um ingresso
Uma inserção, uma inspiração.
Almas inócuas, ajam conforme seu instinto
E não deixem mais que se instale sobre suas aspirações
O insulto à sua inteligência
Interditem toda e qualquer interferência
Interceptem más intenções
Sejam os seus próprios intérpretes
E desmascarem o insulto.




Angelica Carvalho

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Amizade Por Interesse


Nesta terra e neste mundo traiçoeiros...
Há muitos amigos interesseiros!
Isto existe até na natureza...
Com toda a certeza!

A abelha finge ser amiga da flor...
Só para tirar o néctar com primor!
Há o amigo da onça pintada,
Que no fundo não vale nada!

Ele se veste de ovelha...
Com a mais pura centelha!
Mas no fundo é o caçador...
Disfarçado com terror!

Existe o amigo do mamute,
Que com péssima atitude...
E com atmosfera deselegante...
Dá maus conselhos a este elefante!

Personal Friend é o apelido...
De um falso e ganancioso amigo,
Que sai com alguém em troca de dinheiro...
Parecendo um gigolô traiçoeiro e interesseiro!

Nesta linda, mágica e vasta natureza...
Há amizade por interesse com certeza!





Luciana do Rocio Mallon

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Uma pessoa de poucos amigos não é para qualquer um


Cresci assim: vítima da soberba, da violência, da desigualdade, do capitalismo, da injustiça, da hipocrisia, da inveja e principalmente da falsidade. Lembro das vezes que ficava sozinha na sala de aula, quando nenhuma amiga queria brincar comigo. Percebia o quanto isso acontecia e geralmente porque não tinha as coisas que as meninas mais pomposas possuíam. A mesma coisa aconteceu na adolescência: sempre como se eu tivesse um imã sem magnetismo e, que de alguma forma, não atraísse a atenção e a amizade de ninguém. E agora, não é diferente: tantos que não quiseram minha companhia, seja por desacreditar do meu potencial para fazer um trabalho ou por não me ver como alguém para se contar uma fofoca.
Antigamente, eu era ingênua: eu sofria por isso. Hoje não: vejo o quanto ganhei por não ter sido esse imã que atrai as pessoas, mas que muitas vezes, atrai as erradas. Hoje vejo que aquela única menina que se aproximou de mim no colégio quando eu era pequena para brincar de boneca, a colega que me deu atenção no ônibus escolar quando voltávamos para casa, a pessoa que confiou em meu potencial na faculdade, foram poucas pessoas, mas as que fizeram diferença e que realmente gostaram de mim. Nunca tive dinheiro para chamar a atenção de ninguém, nem fui uma nerds para que alguém quisesse copiar a matéria do meu caderno. Porém, tive a oportunidade de ver pessoas como estas serem procuradas somente por isso: eu ao contrário, mesmo sem muito de interessante para oferecer, fui reconhecida por quem sou, desde pequena, para que alguém quisesse se aproximar de mim.
Por isso, agradeço por ter poucas pessoas ao meu lado, isso mostra o quanto sou amada por aquilo que realmente sou como ser humano, e não ter um legado de cem amigos, mas que na verdade, é um legado de amigos da onça.






Bianca Nascimento

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Tema da Semana: Amigos Interesseiros

Top 10 do Interesseiro

Amigos interesseiros? Tô fora!
Até parece propaganda governamental, mas não é, de fato estou fora dessas amizades, e você leitor? Está dentro ou está fora? Tomar partido é necessário, afinal, até quando vamos ficar em cima do muro, tolerando pessoas que se aproximam de você por nu e cru interesse? Não podemos passar nossas vidas nos enganado e sedo enganados, não há nada melhor que uma boa amizade, hoje em dia é difícil, mas não é impossível, tenhamos poucos, mas bons e que nos bastem.
Agora, o que não vale é viver torturado por pessoas que se dizem amigas e nos fazem motivo de chacota ou maldade. Para melhor elucidar essas pessoas, afinal às vezes é difícil enxergarmos e admitirmos, vou listar 10 tipo mais comuns:
Top 10 – O amigo da faculdade/cursinho/trabalho que mal te cumprimenta, mas quando chega semana de provas ou na época de cumprir metas vem todo cheio de simpatia para seu lado, até te chama para um barzinho qualquer dia desses logo em seguida vem a lástima: -Hey cara, você não tem a matéria de tal professor para me passar, ou, você manja bem em planilhas e cálculos planejados, ou ainda, você não poderia me dar uma força com os balanços e as cotas desse mês?
Visualizando um desses caia fora imediatamente, trata-se de um amigo interesseiro.
Top 09 – O amigo que só faz fofoca no trabalho, não existe coisa mais chata que aquela pessoa que sabe da vida de todo mundo, espalha para todo mundo, e quando todo mundo está p... da cara tira o corpo fora.
Saia dessa imediatamente, se você continuar nessa amizade, da próxima vez que ele sair fora é você quem vai entrar na fogueira, olha lá o que estou te dizendo.
Top 08 – Amigo vítima, é aquele carinha ou aquela guria que dá em cima até do poste da esquina, arrasta asa para todos os lados, nem lembra da sua existência, e é claro, brinca com alguns corações e leva alguns pés na bunda de outros, e quando isso acontece, vem correndo pro teu lado vitimizado, falando que foi vítima na situação e tentando reverter a história para ficar de coitado.
Se liga, esse amigo ai é desses que tem uma fama daquelas e ainda por cima te arrasta junto, sem contar que pode se envolver com demais amigos seus e te colocar em maus lençóis.
Top 07 – Aquele que não lembra nem da data do seu aniversário, mas que sempre que precisa de algum tostão emprestado está lá, te esperando na porta de casa, com cara de cachorro sem dono, e você acaba emprestando o dinheiro, para depois descobrir que o fulano ou a fulana usou do seu dinheiro para descer para praia com a galera enquanto você ficou em casa fazendo ajuste no seu salário desfalcado.
Pense bem, receber você sabe que não vai, agora se tua missão na terra é fazer caridade, que tal adotar uma comunidade carente?
Top 06 – Amigo fura olho, daqueles que na sua frente respeita mais que irmão o teu “peguete”, mas basta você virar as costas que já está de sorrisinhos e frases insinuantes, neste quesito, existem alguns que chegam ao grau máximo da sedução só para dar uns pegas e depois deixar o casal desfeito e logo partem para outra, e depois de tudo faz cara de bobo e ainda diz que foi o outro quem deu em cima.
Esse tipinho tem bastante, pode ser também que seja o teu “peguete” sem vergonha, mas se é tanta coincidência disso ocorrer com todos os seus pegas, ta na hora de abrir o olho.
Top 05 – Cyber amigo, se você é uma pessoa bonita, inteligente, badalada, feliz, ou qualquer coisa legal nesse sentido, possui sites de relacionamentos e sempre tem vários convites de pessoas que você nunca viu na vida, que depois de aceitas te mandam recados amistosos e cheios de frescuras, correntes do “eu te amo” e afins e você educadamente responde agradecendo.
Lamento informar, mas essas pessoas não são suas amigas, elas fazem isso por puro interesse de mostrar para o circulo em que elas vivem (que você nem faz idéia de onde fique) que são suas amigas, porque você é tudo de bom, e usam desses meios para comprovar a suposta amizade.
Top 04 – Amigo de balada, aquela pessoa que na maioria das vezes é sua vizinha, ou que viu você através de algum conhecido em comum, e que, quando não tem mais opções te convida para ir a alguma festa que fica lá do outro lado da cidade, porque você possui carro é claro, insiste para que você vá, leva mais dois ou três amigos juntos que você tem que apanhar em casa, e quando chegam na festa te deixa lá, encostado nalgum canto, não dá a menor atenção, você se obriga a conversar come estranhos, e no final da festa vem com a maior cara de pau pedindo para ir embora, no dia seguinte não olha na sua cara, e só te procura depois de três meses quando precisar de uma carona novamente.
Se tiver amigo assim, abrir um tele táxi é mais lucrativo.
Top 03 – Amigo mentiroso, é aquele figurão que vive em um universo próprio, aonde as coisas legais sempre acontecem com ele, os lugares bacanas ele já conheceu, pessoas importantes lhe são amigos, todos os gatos ou gatas são ou já foram por ele apaixonados, etc e tal. Diz isso para meio mundo e depois pede, quando pede, para você confirmar, isso quando não mente para o companheiro e diz ainda que estava na sua companhia quando na verdade você estava em casa de pijama assistindo tv.
Querido leitor, esses são muitos, aparentam ser descolados e amáveis, fazem tudo para conquistar sua confiança, afinal necessitam de um cúmplice, mas no fim das contas será você a se dar mal, porque mentira tem perna curta e a fama recai 50% pro seu lado.
Top 02 – Amigo da onça, aquele típico que espera você subir um degrau para te derrubar três. Está na sua cola, invejando sua vida, sua produtividade e tudo de bom que possa te acontecer, não se contenta com teu progresso, ao contrário, faz de tudo para atrapalhar e ainda fala mal de você pelas costas.
Essa figura, infelizmente, se leva um bom tempo para perceber e depois de muitos trágicos acontecimentos, emprego perdido, casamento desfeito ou amizades acabadas é que vamos perceber a cobra que foi criada.
Amigo assim, melhor ter inimigos declarados.
Top 01 – O “gran finale” é aquele amigo invejoso pacas, aquele que pede até suas calcinhas e cuecas emprestadas, que se você compra uma camiseta azul marinho corre na loja e compra uma azul turquesa. Quer ser como você custe o que custar, usa as mesmas roupas, os mesmos sapatos, compra o mesmo carro, consegue do mesmo cachorro, corta, pinta e repinta o cabelo como o seu, imita teu jeito de falar e andar, quer pensar como você! E ainda vem com aquela desculpa esfarrapada que não percebeu que comprou igual, que não sabia que você gostava daquilo desde a sua infância. Quer ser sempre igual e mostrar que é melhor, se puder tenta fazer tua mãe gostar mais dele e ainda fala isso na sua cara. Não existe amigo pior e mais interesseiro, não mesmo, é como se você andasse com um clone, um irmão gêmeo ou coisa parecida.
Nesse quesito, existem desde aqueles que imitam por admirar erroneamente até aqueles que se convertem no top 02 acima elencado, mas isso não vem a o caso, inveja não mata, mas destrói, não tem nada pior que alguém te puxando o saco, usando tudo que é seu e parecendo uma cópia fajuta da sua pessoa.
Bem quanto a este, prefiro me ater apenas às descrições e desejar uma boa sorte para tirar o grude.



Fernanda Bugai

sábado, 14 de agosto de 2010

Descobrindo no caminho


Ninguém tem o mapa da mina. Acho que a grande graça das coisa, taí.
O percurso que nos leva até o objetivo, por si só, já nos mostra um bocado de visões.
É interessante que deixemos os olhos bem abertos, os ouvidos, idem.
É por isso que temos dois ouvidos e apenas uma boca. Ouvir mais, aprender e absorver mais.
Observar também é importante. A oportunidade de conhecimento, às vezes, pode se apresentar assim, simples.Numa imagem, numa cena... bem percebido, nada mais é necessário.
O ser humano tem uma capacidade enorme de adquirir experiências, guardá-las na memória,ter em arquivo informações que jamais se perderão. Pois então, interessante é enxergar e não só ver.Escutar, não só ouvir. Deixar entrar na sua ideia, incorporar no dia a dia, modificar um hábito.Se abrir. Do que nunca provamos, não podemos falar. Estamos aptos a discursos no momento em quevivenciamos a história. Notamos o visual. Sentimos o som. Sabemos. Entendemos.
Com o tempo vamos formando opiniões sobre assuntos variados.
Todos os dias recebemosuma enxurrada de notícias, especulações, novidades, surpresas, por vezes boas, mas nem sempre.
Preparar a cuca pra receber tudo isso e conseguir diferenciar o que queremos pra nós ou nao, é válido.
Qualquer forma de aprendizado é bem-vinda. Pode ser que lá dentro de nós exista um preconceitoque não sabemos de onde veio, mas que também nunca questionamos. E assim não vale.Temos que ir mais longe. Tentar chegar mais perto das diversidades e adversidades. Sentir o gosto,o perfume, se é, se não é. O que é? Como é? Quero, não quero?
É quase garantido que vá sair uma lição da vivência, seja ela qual for, onde for... como tem que ser, é, e será.Acima de tudo se permitir tentar, experimentar, curtir o caminho, andar por vários, e devagar nessa vida,descobrir, construir, modelar, adaptar, viver e acontecer.



Liliana Darolt

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Loucura sem Cura


Às vezes sentia o cheiro amargo do estrume de boi pairando sobre o ar, e de repente, ficava feliz. Assistia a desenhos animados, só para caçar o tão delicioso cocorocó das galinhas, e lhe dava uma vontade imensa de correr atrás delas de braços abertos, e vê-las em desespero, sem saber em que canto se esconder.
Já estava até crescida, mas não conseguia nem queria se desprender dos antigos prazeres que a vida outrora lhe havia dado.
Hoje, o que lhe agradava, a olhos alheios, não passava de baboseira sem sentido, e até um pouco repugnante.
Mas do que isso importava, se gosto não se discute e maluquice muito menos?
Muito podem rir ou duvidar, mas a verdade não muda, e o fato é que, vez ou outra, ela se agaichava em frente ao vaso quando tinha certeza de que não seria perturbada, e aproximava seu rosto daquilo que acabara de produzir, sem tocar, é claro. E passava alguns minutos ali, cara a cara com sua merda, apreciando o que à ela lembrava a casa do interior.
Hoje morava em uma casinha mais ou menos, feita de barro, na periferia da cidade. Podia até não ter nada, mas pra ela, tinha tudo e mais um pouco, porque tinha quintal. Nada muito extravagante, coisa simples. Uns 5 m² de pura grama bicolor, horas verde como uma grama deveria ser, horas amarelada feito um moribundo febril.
E com isso, ela também não se importava. Bastava que a terra se mantivesse fértil o suficiente para abrigar alguns seres vivos que faziam parte de sua vida, que ela já estava totalmente satisfeita com seu quintal.
O procedimento era simples. Quando era tomada por uma depressão arrebatadora, ou simplesmente sentia-se entediada, sem muito o que fazer, ia direto para seu quintal, e tirava os chinelos de dedo. Esticava as pernas e os braços, alongando todo seu corpo e respirando profundamente, para ficar relaxada.
Quando sentia-se preparada, ia em direção a grama e ali caminhava descalça até cansar. Minhocas, formigas, pequenas aranhas, e milhares de outros bichinhos divertiam-se com seu pé, e ela com eles.
Passava horas caminhando de um lado para ao outro, sentindo o gelado da grama, o úmido das minhocas e a coceirinha da areia que entrava por entre os seus dedos. Quando anoitecia e o sono já incomodava, ela ia para um banho rápido e leve, mais para tirar o grosso do que fazer uma limpeza propriamente dita. Ia se deitar com os pés ainda marrons, cheios de sujeirinhas que entravam pelas cutículas e pelos machucadinhos em carne viva.
Acordava de manhã um pouco apreensiva, mas ansiosa como era, pegava um dos pés com as duas mãos, e com uma força fenomenal, trazia-o para perto de seus olhos. Concentradíssima, ela examinava cada pedaço de pele com atenção, e se não via nada, desanimava.
Ia se lavar e ficava com os pés rosados novamente, como novos.
Mas não desistia assim tão fácil. Todos os dias, ia descalça até o quintal e por lá passeava, pressionando a grama com força até que anoitecesse.
De tanto puxar seus pés em direção ao rosto para conseguir enxergá-los, acabou ficando com uma dor nas costas terrível, mas que ainda não era o bastante para fazê-la parar de ir ao quintal.
Um dia, acordou e sentiu algo diferente. Pensou que nem precisaria olhar para seus pés e procurar o que queria.
Estava ali, ela tinha certeza. Finalmente tinha conseguido. Quase podia sentir ele se movendo.
Ah, que sensação maravilhosa. Nada na vida podia ser melhor do que aquilo. Como era bom! Como as pessoas podiam ignorar tal prazer?
Ela não tinha dúvidas que nenhum esforço era em vão se conseguisse o que sempre procurava: a coceirinha.
Passava dias e mais dias a se deliciar com a presença do bichinho de pé, sonhando com a possibilidade de poder viver com ele alojado em sua pele, lhe dando aquela sensação gostosa.
Mas sabia que uma hora, teria de se despedir.
E num gesto trágico, e triste, e de sofrimento, ela esquentava uma agulha e de olhos fechados, punha-se a caçar seu amigo.
Já estava mais do que na hora.
Voltava para sua vida normal, livre de bichos, e acabava o dia sonhando com os pés sujos e apenas uma idéia em seus pensamentos.
E se um dia existisse um remédio que...




Letícia Mueller

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Tráfico S/A

O último som que ouviu foi o do tiro. A bala atravessou a rua na noite de chuva forte em trajeto retilíneo, acertando o pescoço do jovem que abria o portão de casa. Sirenes gritam ensurdecendo e cegando enquanto a família atônita, não acredita na cena que acontece ali, em frente de casa. O pai sai correndo em direção ao filho que sangra caído e imóvel. A mãe, na porta, cai aos prantos tentando encontrar uma saída para o pesadelo.
A perseguição continua nas ruas da cidade das luzes. O fugitivo ainda troca tiros com os policiais que insistentemente tentam alcançá-lo. Mas foi dobrar uma esquina e um labirinto de barracos tomou forma, como se tivesse sido montado um cenário instantaneamente. Ruelas escuras, bêbados, transeuntes miseráveis e o comando armado do tráfico se confundem. Pra onde correr? Ir atrás de quem, em quem atirar? Na dúvida, todo mundo pra dentro de casa, quem estiver na rua morre. ‘Bora’ bater em velho, criança e trabalhador, é tudo bandido, tá tudo na reta. Corre atrás do vagabundo, acha o desgraçado, vai ter que pagar. Não hoje? Amanhã então, depois, uma hora vai ter que sair.
As noites são iguais. Toda noite tiro, toda noite violência, esse bandidinho tem que pagar. Ele se esgueira pelos becos, rasteja como serpente, vezes dopando, vezes dopado. Com sua onipotência, ninguém mexe. Só que nem sempre é dia de caça e então depois de invadir uma, duas bocas, ataca e desacata, encontra mais um ponto de venda, dessa vez com ‘cliente’. Gente chique, da zona sul, tomada pela onda da viagem que só custa um salário mínimo por mês. Som alto, todo mundo no chão, prende um por um, pra delegacia. O fugitivo, bandidinho, tava ali, que agridoce a realidade.
Levados quatro suspeitos à presença da autoridade. Todos bem vestidos, todos bem ricos e todos bem loucos. Todo mundo de costas que um a um vai se explicar. Levanta-se da cadeira o Delegado, pai do jovem morto naquela noite chuvosa. Tenso, o bandidinho estava ali, entre eles.
O ‘doutor’ movimenta-se lentamente em direção da primeira. Pede que se vire. Loirinha, rosto de anjo, entorpecida e cheirando a fumo, a doce namorada do filho. Claramente fora de si, mal conseguia olhar para o “tio”. A maquiagem borrada, a palidez infantil, a roupa igual a da última vez em que saiu com seu filho. Mal acredita no que vê.
Depois, viram-se o segundo e o terceiro, dois amigos da balada, conhecidos que certamente dividiam o paranóico mundo paralelo da mocinha. Nada mais do que retratos de uma infância perdida em futilidade, super proteção e alienação paternal. Os donos do mundo.
E o quarto, o bandidinho. O fugitivo, o algoz do seu filho, o traficante, viciado, maldito... esse iria pagar por todos. Matou seu filho, viciou a namorada. Não merece piedade. Padecerá sob a justiça dos homens, vingado estará o filho. Vire-se escória da sociedade. Saiam todos vocês do anonimato das estatísticas e mostrem suas caras, tornem-se responsáveis pelas suas vidas, assumam os riscos das suas escolhas, parem de se esconder nas frestas da impunidade dessa sociedade medíocre. Virou em um movimento brusco este último, o assassino, também, seu filho...
Na noite em que foi morto, Matheus chegava de uma festa que durou um dia e uma madrugada inteiros. Acabara de deixar a namorada Marina em casa, depois de terem se divertido ao som da batida ácida do eletrônico, embalados por Tito e Pedro, amigos de Edu. Edu, irmão de Matheus, tinha saído pra buscar mais loucura quando a polícia o perseguiu. Na fuga, não deu tempo de carregar nada a não ser a bala alojada no pescoço do irmão.


Angelica Carvalho

terça-feira, 10 de agosto de 2010

A Vida Rimada



Aquela menina andava descompassada,

sempre perdida, na mesma estrada.

Aquela menina não era humorada,

sempre irritada, de beleza aguada, sorria travada.

Menina desleixada, avessada, acabada.

Pelos pais foi achada, pelo país, foi apartada.

Não amava ninguém, também mal amada.

Aquela menina, vivia atada, pra todos fechada,

pra vida, trancada.

Viviam assim: amedrontada, rebocada, quebrantada,

devastada, trapalhada, pisoteada, satirizada, privada.

Temia tudo, temia o nada,

e seu medo era o que mais a deixava preocupada:

acabar a vida sem encontrar a rima adequada.






Bianca Nascimento

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Semana de Tema Livre

Pai


Parabéns (atrasado) à todos os pais do mundo, da galáxia e do universo!
Parabéns aos nossos heróis infantis que se prolongam por toda a nossa vida, nosso porto seguro e nosso ícone de referência!
Seu pai é teu herói? Pois o meu também é, e assim como o seu o meu também é o melhor pai do mundo! Então brindemos esse dia, mas brindemos todos os dias e vamos agradecer a existência deles, porque somente eles são os heróis de todos os capítulos de nossas vidas.
Pais ausentes e pais presentes são pais, jamais deixarão de ser, e principalmente, quando deixarem de aqui estar em matéria é que vamos notar a diferença, porque o ausente se faz presente, pai é pai, apenas eles nos bronqueiam com amor, proíbem com amor, só eles ensinam o bem, por mais que as vezes não pratiquem, mas pai é aquele que te fala: você vai fazer isso porque sou teu pai e estou mandando, não me contrarie!
E chega um tempo que vai se sentir a falta das broncas e proibições, a falta de colo, de ombro e de apoio, os pais também podem ser postiços, pai é quem cria, o amor é imenso, infinito...
O destino por vezes pode ter pregado peças em alguns, e tirado essa figura basilar precocemente, mas o que se foi era apenas a matéria, porque pai é pai, e estão presentes eternamente em nossas vidas, em matéria ou não, sempre velam e zelam por seus filhos, é também um amor incondicional. Já se foi o tempo em se dizer que apenas a mãe tem o maior amor e apego, que bom que hoje já podemos entender que entre pai e mãe não há distinção, são eles os elos necessários à nossa existência e sobrevivência. Ah se não fosse por eles, eu não estaria aqui escrevendo, e você não estaria em frente a esta tela lendo este emaranhado de palavras.
É o nosso pai que nos proporciona as coisas mais simples e mais importantes que vamos levar para toda a vida: o respeito aos mais velhos, o acato dos superiores, aprender a pedir, a dividir, a respeitar, aprender a amar! Tudo isso é do pai, sem deixar as mães de lado que sempre compartilham e presenciam a nossa formação. É o pai quem nos ensina a trabalhar para crescer, a batalhar, a freqüentar a escola e principalmente nos esforçar a tirar boas notas, depois procurar boas oportunidades, aproveitar o lado bom da vida, os pais nos ensinam a ser pais até que chega um momento, cedo ou tarde, que os papéis se invertem, e por vezes parece ser eles os nossos filhos, mas que orgulho podemos ter disso, termos uma estrela tão brilhante da nossa vida sob nosso cuidado, e poder retribuir todo o amor e dedicação de uma vida inteira! Cuidar dele ou orar por ele, não importa, o que vale é saber que ele existe e sempre estará conosco independente da distância e da matéria.
Obrigada ao meu pai que está aqui comigo e me permite desfrutar da sua vida, obrigada ao meu pseudopai que já me deixou, mas deixou-me também parte do seu legado e principalmente obrigada ao seu pai, a todos os pais do mundo por existirem e nos permitirem existir!


Fernanda Bugai

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Direção Certa


Ainda lembrava-se de sua infância, quando era acordada pela respiração de seu pai, bem de fronte ao seu rosto, sussurrando baixinho que já era hora de despertar. Da janela, a escuridão ocultava a bela paisagem litorânea, mas não conseguia fazer calar os gemidos de um vento inquieto.
Ela mexia seu corpo para certificar-se de que não estava sonhando, e também para mantê-lo aquecido para mais um longo dia que estava por vir. Quando se levantava, o breu da imensidão já tinha acalmado um pouco de sua ira, e era possível vislumbrar, mesmo que por um segundo, uns feixes de espuma prateados indo e vindo.
O ruído do vento misturava-se, primeiro, ao da água sendo aquecida, e depois, ao da chaleira ensandecida.
Dentro da minúscula casinha de madeira, ouvia os passos do pai se arrastando sobre o assoalho, e de repente, a chaleira silenciava.
Lá fora, a escuridão abrira suas cortinas e dera início a mais um espetáculo. O sol iluminava quilômetros e mais quilômetros de água, e fazia da areia branca, uma cobertura que de tão dourada, ardia os olhos com ternura.
O cheirinho do café enquanto apreciava, por mais uma de outras incontáveis vezes, o quadro contrastante da janela, era simplesmente inesquecível. Vivia a combinação perfeita: pai, café, natureza.
Quando menina, obviamente não tinha consciência disso, mas como que por intuição, guardava diariamente lembranças e mais lembranças de todos esses momentos, para que um dia, pudesse sem dificuldades, remontar e guardar esse quebra cabeças em sua mente para sempre.
Na mesa, pão com margarina e, de vez em quando, mortadela. O café sem leite abria o apetite e enfeitiçava, levando pai e filha a conversas ingênuas que, se não fosse o mar os despertar, ficariam a papear até o anoitecer.
Assim que o relógio marcava 6 e 30, ela já estava sentada a porta de casa, esperando o pai para irem trabalhar. Quando ele aparecia, ela saía correndo a frente, para garantir que iria de mãos abanando. No fundo, ela sabia que seu pai, mesmo que se um dia tivesse que carregar 100 quilos, não a deixaria levar um grama sequer.
Como ela amava correr sobre a areia, e molhar os pés na água gelada e escura do mar que os cercava. Melhor ainda era o pai pegando-a no colo e colocando-a dentro da canoa humilde, que de tão cheia de aparatos pesqueiros, deixava apenas o espaço necessário para os dois.
Enquanto ele remava, a filha observava, de olhos bem abertos e encantados, o movimento sedutor das ondas e da canoa mar a dentro. Quando chegavam ao local apropriado e paravam para começar o trabalho, ela aproveitava a calmaria para sentir o vento frio tocando o seu rosto, enquanto seu corpo era embalado pela épica e inevitável dança marítima.
Nunca vomitou, ou nem mesmo ficou enjoada com o balanço, muitas vezes drástico, que levava a balsa.
Depois que preparava as iscas e as varinhas, esticava as pernas sobre a caixa com iscas e punha-se a imaginar em uma grande embarcação, repleta de marinheiros tatuados e briguentos e um capitão caolho com um gancho no lugar de uma mão.
Às vezes, era acordada repentinamente pelo pai, sacudindo-a com delicadeza para mostrar em suas mãos sua vara de pescaria com um grande peixe abocanhando o anzol e se contorcendo freneticamente. Teoricamente, ela sempre pegava os maiores peixes.
Após um dia de trabalho, cansados e famintos, pai e filha voltavam para casa, e iam direto para o fogão preparar a janta. Na mesa, o mesmo de sempre: o peixe do dia, e muito arroz. Às vezes, uma goiabada cascão adoçava a noite, e dava mais energia para passar no cliente e entregar a mercadoria.
Cada um tomava seu banho, se despediam com um beijo, e iam se deitar.
Era impossível esquecer-se até mesmo de um pequeno detalhe. Tudo continuava vivo em sua mente, como se de repente, se abrisse os olhos, visse novamente seu pai segurando um grande peixe nas mãos, e como num quadro, uma belíssima pintura de pôr-do-sol ao fundo, embelezando a cena.
Desde que tudo acontecera, ela saía de casa todos os dias, às 6 e 30 da manhã, e pegava o barco para ir a alto mar. Esticava os pés sobre a caixa, esperando pegar no sono e ser surpreendida pelo toque da mão de seu pai, despertando-a. Mas nada nunca acontecera.
Um dia, enquanto estava de olhos fechados, sentindo o vento e o balanço do mar, ouviu a voz do pai bem próxima ao seu rosto, mas não conseguiu identificar o que dizia.
Com medo de abrir os olhos e ver nada mais do que o mar de cada dia, manteve-se concentrada em entender o que falava a voz.
E de repente, como que tomada por algo divino, ela sentiu um empurrão delicado sobre suas costas, e cansada de procurá-lo em terra, atirou-se ao mar, certa de finalmente estar indo na direção certa, e com essa certeza, viveu feliz para sempre, mergulhada em lembranças de uma vida que já não era mais.


Letícia Mueller

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Cubo Mágico


Perguntas que temos que fazer a nós mesmos todos os dias, nos levam a sensação de que o dia já começa devendo. Não deu tempo de fazer alguma coisa no dia anterior, e ficou para esse dia que já começa mais frio do que deveria. A noite foi mal dormida, envolta pelos pensamentos de que não fizemos o suficiente por algo, por alguém ou por nós mesmos; a eterna dúvida.
O que eu tinha que pensar mesmo? Ah sim, no que eu tinha que fazer. Fazer o que? Eu tenho o que? Tenho que... nada. Não tenho que nada. Não sou escrava, nem serei de algo que nem sei o que é. Horário para entrar, para sair, que roupa vestir, como falar, pra quem falar... porra, e o rock’n roll? Tempo? Que tempo? Não tenho tempo agora, preciso trabalhar, preciso estudar, mas e sobre as perguntas e os desejos das filiais dos meus pensamentos?
Escrevo meus desejos de uma vida plena e corro porque uma pedra enorme está vindo atrás de mim. O chão quebrou e eu caí num buraco, mas... a pedra passou por cima e ali embaixo eu estava segura. Subo e novamente no caminho, é o chão que desaba e eu vou mais ao fundo, mas descubro que esse lugar é mais iluminado que eu imaginava. Na verdade não caí, elevei.
Descubro que as repostas vem das perguntas que faço e que o que busquei, por uma vida toda, não era nada mais do que estava tão próximo de mim.. tão dentro de mim... tão eu. E tão, tão distante está a humanidade, na sua massa irreal e nos seus pensamentos materialistas, individualistas, sociopatas e medíocres. Ser bom é ter? É ter? Ter o que?
Não tenho, não possuo, não quero isso. O que quero é dançar, me envolver, me concentrar no lugar místico onde só eu entendo o que é importante realmente para minha vida. Saio para o mundo novamente, encosto na parede e penso em tudo o que poderia ter feito e não fiz... em tudo o que eu poderia ter mas não tive... e de repente me surpreendo com a força de algo que sobrepõe a realidade que querem me impor. Descubro que o que eu quiser fazer depende somente de mim.
Andando novamente, já sei que o que desejo é meu. O cubo depende da forma como o vejo.


Angelica Carvalho e Gabriel Thieme, meu filho e minha inspiração

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Maria Cisco e o Pó


Era uma vez uma menina chamada Maria Cisco que morava com a sua avó Matilde Cisco, uma ex-empresária aposentada e muito religiosa. Esta senhora gostava ler os trechos da Bíblia para sua neta e a parte de que ela mais gostava era este que há em Eclesiastes 12.7:
“Então o nosso corpo voltará para o pó, de onde veio, e o nosso espírito voltará para Deus, que o deu”.
Ela, também, gostava de recitar este outro trecho que está em Gênesis:
“Do suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, porque dela foste tomado; porquanto és pó, e ao pó tornarás.”
Na primeira vez que Matilde leu este texto para Maria Cisco, ela perguntou:
- Quando uma pessoa morre o corpo dela vira pó?
Então a idosa respondeu:
- Sim, os corpos ,de todos os mortos, sempre viram pó. Mas o espírito é eterno.
- Também devemos lembrar que o homem veio deste mesmo pó. Pois Deus soprou a poeira divina e criou Adão do pó da Terra.
Dona Matilde criticava as pessoas vaidosas e soberbas. Por isto vivia falando para os seus parentes:
- Não devemos ser vaidosos e nem orgulhosos porque os nossos corpos se transformarão em poeira debaixo da terra.
- Por isto não tenho vaidade e a única maquiagem que passo é o pó-de-arroz. Sem falar que após a minha morte eu quero ser cremada. Pois não quero o luxo de ter um túmulo no cemitério.
Quando Maria Cisco completou cinco anos ela foi para o Jardim da Infância. Então no primeiro dia de aula, a professora fez a chamada de todos pelo nome junto com o sobrenome e na vez, da neta de Matilde, a mestra exclamou:
- Maria Cisco!
A garota respondeu:
- Presente!
Mas, naquele instante as crianças deram risadas e Márcia gritou:
- Vejam:
- O nome dela é Maria Cisco, ou seja, Maria Pó!
- Então ela não é nada, pois todos sabemos que pó significa nada!
Deste jeito Maria disse:
- Você está enganada, pois pó é tudo. Afinal, Deus criou o homem do pó da Terra e todos nós viraremos poeira após a morte.
Quando completou sete anos de idade Maria entrou para a primeira série, então no meio da aula de Ciências, a professora disse:
- O homem veio do macaco e foi se aperfeiçoando com o tempo...
De repente, Maria Cisco interrompeu a aula dizendo:
- O ser humano surgiu do macaco?!
- Porém na Bíblia está escrito que Deus criou o homem a partir o pó da Terra!
Assim a mestra deu a seguinte explicação:
- O livro sagrado foi escrito há muitos anos atrás em linguagem figurada porque as pessoas daquela época eram muito ignorantes. A parte do Gênesis quis dizer que o ser humano foi feito da poeira da Terra, ou seja, de algo que já existia, neste caso o macaco.
Deste jeito, Maria Cisco interrompeu a aula, novamente, com uma pergunta:
- Professora, se o homem veio do macaco...
- Então, por que o macaco não evoluiu até hoje:
- Por que o macaco continua macaco?
A mestra fez uma careta e respondeu:
- Na verdade, o ser humano não é descendente dos macacos que vemos na natureza atualmente. Porém, ele veio de um bicho muito parecido com o macaco. Por isto, a tia aqui pesquisará melhor o assunto e debaterá melhor o tema amanhã.
Só que no dia seguinte a professora não comentou nada, de diferente, sobre a evolução do homem e aquelas mesmas dúvidas continuaram a pairar na cabeça de Maria Cisco.
Quando esta garota completou vinte e um anos, de idade, sua avó faleceu de problemas cardíacos. Desta maneira Maria Poeira fez a vontade de Matilde: mandou cremar o corpo da idosa e colocou suas cinzas num porta-jóias dourado. Porém o mais importante é que esta jovem herdou uma herança milionária que ela nem sequer sabia que existia. Então esta donzela passou a comprar objetos caros, viajar pelo mundo e até abriu uma danceteria de luxo num bairro de classe nobre. Em todas as suas atividades Maria Poeira levava a caixa com as cinzas de sua vovó. Uma noite, no meio de um evento em sua boate, um playboy esbarrou no porta-jóias com as cinzas da velhinha. Desta maneira a moça recolheu, rapidamente, os pós de Matilde, foi à cozinha e colocou as cinzas no primeiro recipiente que viu: um pote onde estava escrito a palavra pimenta. Porém, como a donzela foi chamada na porta pelo segurança, deixou recipiente ali mesmo, e foi atender ao guarda. Quando ela voltou, para dentro da danceteria, viu o garçom colocando o pó, que estava no “porta-pimentas”, dentro da comida de um cliente. Assim Maria desesperou-se e a partir daquele dia entrou em depressão profunda. Por causa desta doença a jovem se viciou em pó. Desta maneira a pobre perdeu toda a sua fortuna, colocou a danceteria a venda e ficou devendo muito dinheiro aos bandidos.
Um certo dia, os traficantes colocaram fogo na sua casa. Os vizinhos chamaram o Corpo de Bombeiros e um dos soldados resgatou Maria, que apresentava queimaduras fortes e estava carbonizada. Mesmo assim, ela disse as seguintes palavras:
- O ser humano surgiu do pó da Terra e dele voltará...
- Viemos do pó e acabaremos do pó porque o resto é tudo vaidade...
- O pó mais perigoso é o branco, pois vicia e mata de alguma maneira.
Após estas palavras a moça faleceu.





Luciana do Rocio Mallon

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Fênix Colorida


Um dia, desistiu. Não agüentou o tranco. Bastava de tentar, de bater a cabeça, de acreditar que daria certo. Não ia dar, não deu, e por isso, tudo acabou. Não importava mais as coisas boas que sentira, os momentos alegres que passara, as canções bonitas, os mantras de esperança. Não compensava mais dedicar-se e não obter retorno, a ficar esperando uma recompensa, a viver aquela rotina sem nada mudar, a ver as mesmas paisagens nos caminhos repetidos diariamente. Já não bastavam as palavras que tentavam motivar, as sessões em psicólogos, as aulas de yoga, os cursos de artesanato. Não, apenas não. Não adiantava, e mesmo que quisesse, já não conseguia respirar sem doer, sem temer, sem lembrar, sem sofrer. Aos poucos, ia entregando-se as razões da tristeza e da dor. Sabia que era assim, simplesmente assim que acabavam as coisas e apenas estava acelerando o óbvio, o destino. De repente, eis que de repente, uma voz soa em seu pensamento. Já tivera ouvido aquela voz antes, em algumas vezes na sua vida, mas não tão forte e claramente, como se estivessem tocando uma perfeita sinfonia. A voz cantava, como se regesse todas as notas que um corpo poderia emitir, movendo os pensamentos e convocando-os a fazer parte daquela orquestra. Uma voz que aos poucos a mexiam e faziam-na dançar. Daquele cenário cinza, aos poucos uma claridade emanava. Mesmo que o destino de todos fosse retornar ao pó, ainda não era a hora dela de incorporar no mundo cinzento. Ainda tinha que pintar algumas cores aqui na Terra, mesmo que ainda não soubesse quais. Talvez tivesse usado o rosa e o roxo demais. Estava na hora de usar o amarelo e o vermelho também. Aos poucos, voltou para o cenário da vida, agora, em tons claros e limpos. A voz adormecera, a canção ficara gravada na mente: pela primeira ouvira a voz do amor próprio. E assim, como Fênix, retornou das cinzas mais colorida do que nunca.


Bianca Nascimento

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Tema da Semana: Das Cinzas Às Cinzas, Do Pó Ao Pó

Rituais


Clara acordou naquela manhã nebulosa, eram seis horas, os pássaros começavam a cantar, ainda estava escuro lá fora. Deu um beijo em seu companheiro como de costume, levantou silenciosamente, colocou seus chinelos de veludo que ganhara de sua avó, vestiu o roupão florido, foi até o banheiro lavou seu rosto, saiu do quarto e foi até a varanda, ver o sol nascer naquela cidade imensa, onde já não sabia se o que via era o sol nascer ou algum tipo de reação química daquela atmosfera.
Clara repetiu seu ritual de muitos anos, desde que mudara do interior para a cidade grande para estudar e por ali ficou, casou, constitui família, ou melhor, passou a constituir a família de seu companheiro. Após alguns minutos, Clara entrou, foi para a cozinha, preparou o café da manhã, serviu a mesa, ainda enquanto seu companheiro dormia, tomou banho, secou seus longos cabelos platinados, colocou seu terno cinza grafite, seus scarpins de bico arredondado, quando desceu para juntos tomarem o café da manhã, como o costume, desde os tempos de namoro. Namoraram por seis anos, se casaram há quatro, são um casal feliz, pensam em filhos, mas pensam primeiro em estabilidade financeira, proporcionar ao rebento conforto e qualidade, coisas difíceis em uma grande metrópole.
Após o café, cada um seguiu para seu trabalho no seu próprio carro, trabalhavam em zonas distintas da cidade, após uma hora de trânsito e congestionamento Clara chegou no escritório, cumprimento a secretária, a moça do café, sempre com aquele sorriso doce de lábios finos e bem delineados com seu batom de cor nude, subiu para sua sala, ligou seu notebook, pegou os recados do chefe em sua gôndola de entrada, se sentiu satisfeita ao ver a gôndola de saída vazia, parou e refletiu, mais uma vez, como sempre ocorreu naquele escritório onde trabalhou desde que entrou na faculdade há tantos anos, começou então seu dia de trabalho, muita leitura, resolver problemas alheios, metas a cumprir e garantir seu pão.
Era quinta-feira, dia de happy hour com as amigas das antigas, saíram do trabalho e foram para o boteco, como de costume pediram uma rodada de chopp ao se assentarem na mesa da calçada, algumas cansadas, outras frustradas, outras apaixonadas, em crise, bem resolvidas, e assim o papo rolou até por volta das dez da noite, quando Clara se despediu e retornou à sua casa após uns quarenta minutos de trânsito, o companheiro acabara de chegar do poker com os colegas, as quintas-feiras sempre foram reservadas aos amigos, foi o cano de escape que encontraram para o relacionamento ficar equilibrado, era quinta-feira dos amigos, domingo almoço com a família, dele, afinal Clara infelizmente já perdera seus entes queridos há muitos anos.
Depois de um beijo e um abraço terno, um banho demorado, o casal se confortou o sofá verde musgo da sala, assistindo o noticiário da tv a cabo em sua tv de plasma 42”, namoraram, conversaram sobre o trabalho, os amigos, alguns planos futuros, os mesmos que eles nunca colocaram em prática, foram para a cama confortável e aconchegante king size, tantas coisas bacanas, compradas com esforço, mas Clara sentia-se bem, tinha uma vida cômoda apesar de todo aquele caos.
Clara sempre adormecia mais tarde, ficava pensando na vida, enquanto ensaiava ler algum best seller da literatura inglesa, algumas vezes sentia falta da vida interiorana, da vida pacata, dos tempos doces e graciosos na infância ao lado de pais e avós, o agito da cidade que ela hoje vivia, comprimir metas e horários, enfrentar trânsito, não eram seu sonho de vida, muitas vezes sentiu-se desgastada, um robô ou coisa parecida, queria voltar. Mas Clara cumpriu seus rituais por muitos anos, cresceu, aprendeu e viveu, sempre pensando na cidade de interior, na imagem congelada de domingos de sol na praça com seus pais, quando tinha seus oito anos.
A vontade de voltar sempre a acompanhou, fazia parte de seus rituais, mas Clara era reconhecida em sua profissão, teve um bom companheiro, estabilidade, deixar todos aqueles rituais desgastantes e por vezes deprimentes, até parecia interessante, mas retornar ao interior, que já não é mais o mesmo de tantos anos atrás, de onde seus pais partiram há tanto tempo, os amigos e vizinhos também, nada mais era igual, deixar para trás tudo que conquistou, Clara se convenceu que seria como retornar das cinzas inaladas na grande metrópole para o pó em que nada para ela restara do interior.


Fernanda Bugai