Festa do Fetiche. Era só o que dizia no convite. Além de data, hora e local, claro. Um amigo, que conseguiu botar meu nome na lista aos 48 do segundo tempo, explicou, meio que de má vontade, que era para se vestir de roupas que tivessem a ver com sexo (?!). “Dessas que compra em sex shop, saca? Cueca com gravata borboleta, uniforme de bombeiro, policial, te vira”. Desliguei o telefone ainda tentando organizar os pensamentos. Como já passava das onze, tive de improvisar: colei camisinhas coloridas pelo corpo (de um arsenal que consegui na última parada gay em São Paulo), calça jeans rasgada na bunda e deu. Opa, por sorte tinha também uma gravata com uma seta apontada para o pinto, que um amigo me deu de sacanagem. Pronto.
Encontro pouquíssima gente conhecida na festa, tudo para potencializar a sensação de ridículo. Caminho por entre diabinhas, freiras e lolitas, choferes, padres e entregadores de pizza. Pego um energético servido na barraquinha de um cara que tem um falo enorme no boné e quase derramo numa garota coberta por uma burca (embora pareça que ela não está sozinha por baixo da vestimenta). Flerto com uma dominatrix mas rola um medinho (procedente inclusive), quando então sinto o cano de um revólver em minhas costas, e assim surge saltitante meu amigo, vestido num smoking e com uma pistola em forma de pinto. Ele me abraça, rindo e cuspindo cerveja ao dizer que vai me levar pruma suruba-rave. Chegamos no meio da pista. Entra uma versão de Marilyn Manson vs White Zombie para “Like A Virgin” e me aparece de novo a dominatrix. Começamos a dançar e a beber. Duas horas depois, estamos relaxados no banco traseiro do carro dela. Por trás da máscara, aqueles olhos parecem querer dizer algo romântico...
- Você tem cigarro?
- Você fuma?
- Não, só queria fazer a cena clássica.
- E perguntar “foi bom pra você”?
- Não precisa. Pra você eu sei que foi ótimo.
- E pra você?
- Você não se saiu muito bem aqui na parte traseira.
- É que aqui é apertado.
- Não tô falando do carro.
Silêncio.
- Não vai tirar sua máscara?
- Eu não, você não tirou a sua.
- Mas eu vim sem máscara...
- Você é que pensa.
- Você parece ser muito sincera.
- Muito.
- Qual seu nome?
- Adivinha.
- Cleonice.
- O que?!
- Esquece, eu erraria de qualquer jeito. No que você trabalha?
- Adivinha.
- (suspiro) Trabalha na área de comunicação.
- Como todo mundo.
- Você é jornalista.
- Quem sabe, de repente vim fazer uma matéria sobre festas com sexo, álcool e artigos de sex shop.
- Você não é jornalista.
- Quero alguma coisa pra beber.
- A gente vai se ver de novo?
- Quero um Johnny Walker duplo, você tem?
- Amanhã eu consigo o que você quiser.
- Ô, tédio.
- Você é casada.
- E se for?
- A camisinha estourou...
- Camisinha de sex shop é uma merda. Só serve de enfeite e pra fazer cosquinha. Já ouviu falar de dil?
- É uma coisa proibida pelo Papa.
- Atentar contra os direitos humanos também é.
- E o que tem a ver?
- É direito humano meu não querer ter um rebento seu.
- Rebento?!
- Rebento.
- Pra você foi apenas sexo?
- Sexo nunca é “apenas”, meu querido.
Ela precipita o corpo entre os bancos da frente e liga o som.
- John Coltrane?
- Não gosta, problema seu.
- Por que não ligou o som antes pra gente transar com música?
- Porque preferi ouvir você falar sacanagem.
- Mas eu não falei sacanagem.
- Pois é... sacanagem.
Silêncio.
- A gente vai se ver amanhã?
- Você já perguntou.
- E você não respondeu.
- Amanhã é quarta, dia de sexo.
- Amanhã é domingo.
- É segunda, porque já passou da meia-noite.
- Mas continua não sendo quarta.
- Você me deixou confusa.
- Por que os outros dias da semana não são dias de sexo?
- Quem disse que não são?
- Olha, só me diz seu telefone então.
- 9119-9169.
- É seu mesmo?
- Não, é do meu ex-namorado?
- Ãhn!?
- Só pra ele atender um monte de homens perguntando por mim.
- Você o ama?
- Como poderia? Você não disse que eu era casada?
- Eu perguntei.
- E eu não respondi.
Silêncio.
- Deixa pelo menos eu tirar uma foto contigo.
- Não, eu não sou fotogênica. Prefiro tirar a foto. Quer que tire uma sua?
- Sozinho? Não, obrigado. Pra isso eu tenho espelho.
Sem mais nem menos, ela então puxa a minha gravata e guarda no decote.
- Tá bom, eu troco minha gravata contigo.
- Isso não é uma troca, é um roubo, meu filho. Gostei da gravata, vai apontar pra minha xereca agora.
- Você é obsessiva ou compulsiva?
- Abrasiva.
- Que fantasia é essa sua?
- Quem disse que é fantasia?
- A minha é.
- Sério? Pensei que era um modelo da Hugo Boss.
Novo silêncio.
- Dá uma pista então.
- Minha mãe é esteticista, serve?
- Claro. Vou vasculhar a lista telefônica amanhã.
- Quem disse que ela mora aqui?
- Tá... outra pista então.
- Deus, a paixão e a morte. Tá bom assim?
- Hmmmm... qualquer pessoa que não tenha a ver com nenhum desses itens eu elimino?
- Isso mesmo.
- Você veio com alguma amiga pra festa?
- Eu trouxe a Hilda?
- Onde ela tá?
- No porta-luvas.
Olho para o porta-luvas, vou até ele e vasculho.
- Hilda é esse novo lubrificante íntimo aqui?
- Quem disse que eu vim nesse carro?
- Pensei que era seu.
- Não.
- É da Hilda?
- A Hilda morreu.
- Tá, você é espírita.
- Não. Hilda é Hilda Hilst, escritora.
- Olha, chega. Fala alguma coisa a sério. Qual seu hobby?
- Gosto de política.
- Dá pra falar sério, por favor.
- E de sabonetes também.
- Por favor...
- Pergunta o que eu não sou.
- Tá, o que você não é?
- Você.
- Chega.
- Eu falei sério.
- Quero algo mais sério.
- Olha: meus peitos não são de silicone.
- Eu percebi.
- Onde você vai?
- Vou embora, tá quase amanhecendo, vão ver a gente aqui.
- É domingo.
- Que é que tem?
- No domingo eu fico mais analítica.
- E...
- E o que?
- Você é psicóloga?
- E quem não é?
- Eu sou paciente.
- E quem não é?
- Por que você tem mania de responder uma pergunta com outra pergunta?
- Eu?
- Chega, deu.
- Desculpe, eu sou estabanada mesmo.
- Percebi.
Olho para fora e, mentalmente, fico fazendo contagem regressiva para abrir a porta.
- Tá, se você acertar meu nome, eu confesso tudo que você quiser.
- Maria.
- Muito simples.
- Verônica.
- Minto demais para ter esse nome
- Adriana.
- Que nem a cantora?
- Tem cantora com esse nome?
- Tem, dos anos 80.
- Ah, é.
- Também é muito simples.
- Josiany.
- Você só tem nomes simples na cabeça?
- Mas é Josiany com “y” no final.
- Oh, complicou um monte.
- Aletéia.
- Não precisa exagerar, né?!
- Mônica.
- Tá me achando dentuça?
- Tá, que seja... ei, mas você não disse nem que sim nem que não pra nenhum nome!
De repente, entra um Mutantes no som do carro.
- “Desculpe babyyyyyyy, não vou ficar com vocêêêêêêê...”.Era a deixa que faltava. Puxo a gravata do decote dela e guardo no bolso da minha calça. Saio, fecho a porta do carro e caminho esfregando os braços, já com o sol arranhando o verde úmido do jardim. Ando até meu carro, passando por entre fetiches de todas as variedades, estilos e tamanhos, esparramados por bancos e pufs. Não sei se pelo lirismo da alvorada, ou se pela embriaguez da conversa, mas chego à conclusão de que a noite pode não ter valido muito à pena, mas não deixou de ser divertido conhecer aquela desaforada.
Encontro pouquíssima gente conhecida na festa, tudo para potencializar a sensação de ridículo. Caminho por entre diabinhas, freiras e lolitas, choferes, padres e entregadores de pizza. Pego um energético servido na barraquinha de um cara que tem um falo enorme no boné e quase derramo numa garota coberta por uma burca (embora pareça que ela não está sozinha por baixo da vestimenta). Flerto com uma dominatrix mas rola um medinho (procedente inclusive), quando então sinto o cano de um revólver em minhas costas, e assim surge saltitante meu amigo, vestido num smoking e com uma pistola em forma de pinto. Ele me abraça, rindo e cuspindo cerveja ao dizer que vai me levar pruma suruba-rave. Chegamos no meio da pista. Entra uma versão de Marilyn Manson vs White Zombie para “Like A Virgin” e me aparece de novo a dominatrix. Começamos a dançar e a beber. Duas horas depois, estamos relaxados no banco traseiro do carro dela. Por trás da máscara, aqueles olhos parecem querer dizer algo romântico...
- Você tem cigarro?
- Você fuma?
- Não, só queria fazer a cena clássica.
- E perguntar “foi bom pra você”?
- Não precisa. Pra você eu sei que foi ótimo.
- E pra você?
- Você não se saiu muito bem aqui na parte traseira.
- É que aqui é apertado.
- Não tô falando do carro.
Silêncio.
- Não vai tirar sua máscara?
- Eu não, você não tirou a sua.
- Mas eu vim sem máscara...
- Você é que pensa.
- Você parece ser muito sincera.
- Muito.
- Qual seu nome?
- Adivinha.
- Cleonice.
- O que?!
- Esquece, eu erraria de qualquer jeito. No que você trabalha?
- Adivinha.
- (suspiro) Trabalha na área de comunicação.
- Como todo mundo.
- Você é jornalista.
- Quem sabe, de repente vim fazer uma matéria sobre festas com sexo, álcool e artigos de sex shop.
- Você não é jornalista.
- Quero alguma coisa pra beber.
- A gente vai se ver de novo?
- Quero um Johnny Walker duplo, você tem?
- Amanhã eu consigo o que você quiser.
- Ô, tédio.
- Você é casada.
- E se for?
- A camisinha estourou...
- Camisinha de sex shop é uma merda. Só serve de enfeite e pra fazer cosquinha. Já ouviu falar de dil?
- É uma coisa proibida pelo Papa.
- Atentar contra os direitos humanos também é.
- E o que tem a ver?
- É direito humano meu não querer ter um rebento seu.
- Rebento?!
- Rebento.
- Pra você foi apenas sexo?
- Sexo nunca é “apenas”, meu querido.
Ela precipita o corpo entre os bancos da frente e liga o som.
- John Coltrane?
- Não gosta, problema seu.
- Por que não ligou o som antes pra gente transar com música?
- Porque preferi ouvir você falar sacanagem.
- Mas eu não falei sacanagem.
- Pois é... sacanagem.
Silêncio.
- A gente vai se ver amanhã?
- Você já perguntou.
- E você não respondeu.
- Amanhã é quarta, dia de sexo.
- Amanhã é domingo.
- É segunda, porque já passou da meia-noite.
- Mas continua não sendo quarta.
- Você me deixou confusa.
- Por que os outros dias da semana não são dias de sexo?
- Quem disse que não são?
- Olha, só me diz seu telefone então.
- 9119-9169.
- É seu mesmo?
- Não, é do meu ex-namorado?
- Ãhn!?
- Só pra ele atender um monte de homens perguntando por mim.
- Você o ama?
- Como poderia? Você não disse que eu era casada?
- Eu perguntei.
- E eu não respondi.
Silêncio.
- Deixa pelo menos eu tirar uma foto contigo.
- Não, eu não sou fotogênica. Prefiro tirar a foto. Quer que tire uma sua?
- Sozinho? Não, obrigado. Pra isso eu tenho espelho.
Sem mais nem menos, ela então puxa a minha gravata e guarda no decote.
- Tá bom, eu troco minha gravata contigo.
- Isso não é uma troca, é um roubo, meu filho. Gostei da gravata, vai apontar pra minha xereca agora.
- Você é obsessiva ou compulsiva?
- Abrasiva.
- Que fantasia é essa sua?
- Quem disse que é fantasia?
- A minha é.
- Sério? Pensei que era um modelo da Hugo Boss.
Novo silêncio.
- Dá uma pista então.
- Minha mãe é esteticista, serve?
- Claro. Vou vasculhar a lista telefônica amanhã.
- Quem disse que ela mora aqui?
- Tá... outra pista então.
- Deus, a paixão e a morte. Tá bom assim?
- Hmmmm... qualquer pessoa que não tenha a ver com nenhum desses itens eu elimino?
- Isso mesmo.
- Você veio com alguma amiga pra festa?
- Eu trouxe a Hilda?
- Onde ela tá?
- No porta-luvas.
Olho para o porta-luvas, vou até ele e vasculho.
- Hilda é esse novo lubrificante íntimo aqui?
- Quem disse que eu vim nesse carro?
- Pensei que era seu.
- Não.
- É da Hilda?
- A Hilda morreu.
- Tá, você é espírita.
- Não. Hilda é Hilda Hilst, escritora.
- Olha, chega. Fala alguma coisa a sério. Qual seu hobby?
- Gosto de política.
- Dá pra falar sério, por favor.
- E de sabonetes também.
- Por favor...
- Pergunta o que eu não sou.
- Tá, o que você não é?
- Você.
- Chega.
- Eu falei sério.
- Quero algo mais sério.
- Olha: meus peitos não são de silicone.
- Eu percebi.
- Onde você vai?
- Vou embora, tá quase amanhecendo, vão ver a gente aqui.
- É domingo.
- Que é que tem?
- No domingo eu fico mais analítica.
- E...
- E o que?
- Você é psicóloga?
- E quem não é?
- Eu sou paciente.
- E quem não é?
- Por que você tem mania de responder uma pergunta com outra pergunta?
- Eu?
- Chega, deu.
- Desculpe, eu sou estabanada mesmo.
- Percebi.
Olho para fora e, mentalmente, fico fazendo contagem regressiva para abrir a porta.
- Tá, se você acertar meu nome, eu confesso tudo que você quiser.
- Maria.
- Muito simples.
- Verônica.
- Minto demais para ter esse nome
- Adriana.
- Que nem a cantora?
- Tem cantora com esse nome?
- Tem, dos anos 80.
- Ah, é.
- Também é muito simples.
- Josiany.
- Você só tem nomes simples na cabeça?
- Mas é Josiany com “y” no final.
- Oh, complicou um monte.
- Aletéia.
- Não precisa exagerar, né?!
- Mônica.
- Tá me achando dentuça?
- Tá, que seja... ei, mas você não disse nem que sim nem que não pra nenhum nome!
De repente, entra um Mutantes no som do carro.
- “Desculpe babyyyyyyy, não vou ficar com vocêêêêêêê...”.Era a deixa que faltava. Puxo a gravata do decote dela e guardo no bolso da minha calça. Saio, fecho a porta do carro e caminho esfregando os braços, já com o sol arranhando o verde úmido do jardim. Ando até meu carro, passando por entre fetiches de todas as variedades, estilos e tamanhos, esparramados por bancos e pufs. Não sei se pelo lirismo da alvorada, ou se pela embriaguez da conversa, mas chego à conclusão de que a noite pode não ter valido muito à pena, mas não deixou de ser divertido conhecer aquela desaforada.
Mario Lopes
10 comentários:
Me convida também?! rs
hehe Depende de qual seria sua fantasia. ;-)
Charlie
Não sei, mas estou aberta a sugestões...
O que me diz? hehehehe
Bom, se eu souber que você é, ficará mais fácil sugerir, concorda?
Charlie
Ué, use a imaginação, tchê! hehehe
Tchê?!
Sendo assim, sugiro que você venha apiunchada: vestido rendado de chita com lenço no pescoço e flor atrás da orelha. Pronto, só falta na festa encontrar um guasca de bombacha e espora pra ti, chinoca. hehe
Charlie
Que gaúcha o que...
Sou paulistana, meeeeeeuuuuu!!!
hehehehehe
Ah, é? Então, você deve achar que aqui no sul todo mundo fala "tchê", né? Fala não, é só lá nos pampas. Mas paulistana na festa do fetiche deve mais é vir vestida de Marta Suplicy, porque é sexóloga e todo mundo está mais é querendo que ela se foda. hehehe
Charlie
Boa pedida!
Agora só falta relaxar e gozar... rsrsrsrs
hahahahaha Perfeito. Depois dessa, até me arrisco a ir de Supla contigo (bem edipiano, dependendo de como você for hehe).
Charlie
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