terça-feira, 30 de novembro de 2010

Sonhos sonhados e realizados




Ultimamente ando pensando em uma coisa, que posso dizer que rege a vida de todos nós: sonhos. Por que temos sonhos?Por que queremos realizar sonhos? Por que achamos que realizá-los é o significado de felicidade?
Sempre ouvi dizer que o segredo da felicidade é ser feliz com o que se tem como se é e diariamente com as pequenas coisas da vida. Mas se é tão simples assim, porque diacho as pessoas complicam a felicidade e colocam até essa palavra como uma meta de vida?Sim, a meta de todos parece que é ser feliz. O sonho de todos é ser feliz. Mas simplesmente a maioria não consegue ser.
Complicamos os sonhos e os colocamos num pedestal porque nunca estamos satisfeitos com aquilo que temos e somos. Mas tudo bem, isto vem de longa data, por que mudaríamos isso agora, né? Por que ser feliz hoje?Para que aceitar a aparência?Para que guardar dinheiro para aquela viagem, ela nunca vai acontecer né?E para que ir naquele restaurante tão bonito se eu posso fazer comida em casa?Ou porque então fazer aquele curso se é difícil mesmo entrar no ramo?Melhor assim, né?
É é e é. A vida simplesmente é e parece que a gente é assim, acostumado com o “é” e pronto. O “será” e o “deveria” são audaciosos demais. Mas a diferente dos felizes para aqueles que tentam ser está bem aí: os que tentam simplesmente se acostumam a ser assim, eternos buscadores de sonhos, mas os felizes, simplesmente SÃO e não importa qualquer outra palavra.

Bianca Nascimento

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Semana de Tema Livre


Fruto do meio





Karolyne nasceu numa típica realidade brasileira, a mãe viciada em drogas prostituía-se, e não para garantir o sustento dos filhos, mas seu vicio, o sustento era conseqüência. Irmã de mais cinco, cresceu vendo a mãe receber dois, três, quatro ou cinco homens por dia no único cômodo da casa, viu cenas mais do que inapropriadas para qualquer pessoa. Aos oito anos foi vendida para o dono da mercearia da esquina, sua virgindade por três maços de cigarro e alguns trocados, depois vieram os açougueiros, o feirante, o tio da pracinha e claro, os traficantes da vila, Karolyne jamais soube porque fazia aquilo, não era ela a drogada, não ela era quem recebia algum dinheiro, mas foi aos oito anos que descobriu que a vida não é tão legal quanto nas novelas da rede globo.
Quando ela tinha onze anos, seu corpo e alma já estavam, tal qual a mãe, consumidos pelo crack, as senhoras da assistência social resolveram mudar sua vida, chamaram pelo conselho tutelar, que tirou Karolyne daquela vida, e a menina-mulher de onze anos foi para uma casa lar, dessas que os menores ficam abrigados quando seus pais não possuem condições de criá-los. Na casa-lar, teve que retornar a escola, terceira série, conviver com meninas de nove ou dez anos que achavam que a barbie era a sensação do momento, enquanto Karolyne já conhecia as facetas do lobo-mau, freqüentara a missa aos sábados, bordava e lia contos infantis durante as tardes, tudo até a primeira crise de abstinência, onde Karolyne sem titubear tomou outro rumo na saída da escola, sabia bem como chegar até a praça da cidade sabia também como fazer para conseguir cinco ou dez reais por uma pedra, ela sabia ainda, que aqueles homens com cara de inocentes sentados nos bancos esperavam apenas um gesto daquela garotinha.
Quando foi capturada novamente pelo conselho, numa vala qualquer, em puro osso e corroída pelas drogas, karolyne foi novamente submetida a ressocialização, banho, higiene, escola, curso e literatura, também descobriram que já não estava sozinha, havia engravidado de alguém que jamais saberia quem, Karolyne foi encaminhada ao reformatório da capital, de onde fugiu tantas outras vezes, engravidou, abortou e retornou, até completar seus dezoito anos e definitivamente o estado deixar de ser o responsável por ela.
Talvez se Karolyne nascesse em outras circunstâncias, teria estudado filosofia, os grandes pensadores e até simpatizasse com Thomas More, e seus ideais de que o homem será bom quando submetidos à lei e costumes, mas mesmo sem nunca ouvir falar em filosofia, de uma maneira real e cruel, Karolyne acreditou no que disseram Maquiavel e Marx, o homem é mau por natureza e fruto do meio em que vive.



Fernanda Bugai

sexta-feira, 26 de novembro de 2010


Super poderes – um convite para a prática!


Estava “fazendo hora” na recepção do hotel, já havia feito o check out e esperava o traslado, aborrecida lamentando mentalmente que não poderia trazer uma lembrança daquele local, que embora simplório era simpático, pois era meu último dia ali, e na correria dos compromissos o lazer havia sido relegado a segundo plano, quando aquela pequena lojinha, do outro lado da rua, saltou-me literalmente aos olhos.

Digo literalmente, porque um brilho de cristal atravessou “marotamente” a recepção e começou a brincar no meu rosto incomodando-me. Uma hora fugia, outra brilhava intensamente cegando a visão. Incomodada, resolvi mudar de lugar, sentando-me em outro sofá, daqueles que você se deixa cair e não quer levantar. Mas o brilho achou-me novamente, e por simples pirraça, agora projetava pequenos desenhos, ora de flores, ora de estrelas, as vezes de luas.
Intrigada com aquela ofuscante demonstração, olhei a volta para ver se mais alguém havia notado ou sido agraciado com aquele “show de luzes”, e todos pareciam que nem sequer haviam percebido qualquer coisa. Olhei o recepcionista, sendo muito solícito com uma senhora idosa, a arrumadeira passando pela recepção atarefada com algum afazer, o porteiro dando boas vindas, alguns hospedes lendo o jornal, e nada.

E o brilho, que havia acompanhado o meu olhar de indagação, voltou intenso em minha direção, pois em nenhum minuto sequer havia se desviado, apenas aguardava a minha constatação de que eu era o seu alvo. Encareio. Nos olhamos intensamente, eu inebriada por suas cores e formas, ele parecendo fascinado pelo meu olhar. Levantei-me automaticamente, como quem é puxado por um imã. Atravessei a recepção, cruzei a rua, e parei diante da vitrine. Tudo sem perceber ou titubear. Ainda fascinada pelo brilho que me conduzia, abri a porta da lojinha, que emitiu um delicioso som anunciando a minha chegada e entrei.

A senhora sentada a um canto, olhava-me com um sorriso nos lábios e um ar de sabedoria, apenas observava enquanto eu caminhava em direção ao brilho. Toquei a luz como quem toca algo muito frágil e delicado, senti um calor intenso tomar conta de mim, fechei os olhos e perdi-me. Dentro de mim havia um redemoinho de sentimentos, emoções, confusões, certezas, dúvidas, alegrias, prazeres e finalmente a paz. Quando finalmente abri os olhos, pude sentir que eu já não era mais a mesma que entrou por aquela porta, olhei ao redor e percebi novas cores, aspirei novo ar, senti calafrios e calor ao mesmo tempo, flutuei ao redor de mim e voltei ao chão.


Estendi meu olhar, agora sereno e senhor de si, em direção a velha senhora e ela apenas balançou a cabeça em sinal de “agora está feito”, “não existe garantia de sucesso”, “não há como se libertar”, os super poderes são seus para o bem ou para o mal.
E agora, com os olhos de nova sabedoria e surpresa constatação percebi que na realidade, eu tinha os super poderes o tempo todo.
Eu podia construir um castelo com um simples toque.
Eu podia confortar com uma doce palavra.
Eu podia retribuir um gesto de amor com outro.
Mas também podia destruir com um gesto imperdoável, uma ferina palavra, uma ação cruel.
E a velha senhora mais uma vez olhou-me, murmurando agora: - Todos nós temos super poderes para o bem ou para o mal, depende só de você.



Kate Jones

quinta-feira, 25 de novembro de 2010


Que super poder você gostaria de ter?





Não adianta! Desde os primórdios dos tempos, o que você gostaria mesmo era de ter um super poder naquela horinha básica em que, por exemplo, você tem que terminar as tarefas de casa, estudar pra prova, jogar videogame, ir pro teclado, pro inglês, pra natação e ainda comer tudo que ta no prato sem reclamar (inclusive os brócolis e o espinafre).

Você se multiplicaria em dez? Ficaria invisível (e essa seria uma boa alternativa pro brócolis)? Mentalmente moveria objetos, entraria na mente do seu professor pra descobrir as questões da prova? Ou, num ato impensado de desespero clonaria Silvio Santos e “mah, oi!” quebraria um banco e ainda faria piada com isso?

Enfim, super poderes são o sonho de dez entre dez estrelas que tentam sempre achar uma solução pro que, inevitavelmente, não tem solução senão o trabalho, ou a dedicação ou a árdua perseguição implacável por um sonho. Mas, falando em implacável, palavra esta que combina muito com heróis, pesquisando na bendita Internet (que é uma super poderosa fonte de saber e enlouquecer) achei uns super heróis, separados por classes, vejam que bom, que podem auxiliar na escolha do seu super poder favorito. Ei-las:

Para quem aprecia habilidades resultadas de Evolução Induzida ou seleção natural em humanos, como força, velocidade e cura acelerada, para poderes físicos fenomenais, como telepatia e telecinese, causados por um defeito genético de nascença, que aparece mais tarde na vida como poderes sobrenaturais, mais exposição a químicos ou radiação também foi conhecida por causar mutações sobre-humanas recomendamos O Coisa, Robocop, A Feiticeira Escarlate, Nathan Petrelli, Wolverine ou qualquer de seus amigos X-Men entre outors. Você também pode se instpirar na série Supernatural (que de natural não tem nada) ou Heroes.

Temos também a classe da Hereditariedade ou poderes de Magia, os mesmos se destacam como consequência de poderes ativados como algum encantamento ou experiência mítica ou fantástica. Estão lá o Harry Potter, Capitão Marvel, Shang Tsung ou a Dilma Roussef que fez um feitiço e virou Presidente do Brasil. Bom né? Na classe Infecção ou Contaminação, aparecem o Hulk, Monstro do Pântano, Nêmesis e por aí afora, que surgiram de uma fonte externa, às vezes contra a vontade do seu usuário, através da infecção por algum organismo alienígena ou não, contaminação radioativa, bacterológica, etc. Acho que o Senador Eduardo Suplicy está nesta, mas é só uma suspeita.

Enfim, muitos são os “superpoderosos” que podemos identificar, classificar, mentalizar e tentar entender. O lance que mais chama a atenção é mesmo o fato de que, SEMPRE, alguém no final morre, alguém fica curado ou alguém do “mal” renasce. Ah, para os mais antigos, que curtem uma “marreta biônica” nada melhor que Chapolin Colorado, aquele estranho besouro vermelho que não se identifica de onde vem e pra onde vai mas que aparece nas ocasiões mais variadas com um “Não contavam com minha astúcia”. Eu jogaria na classe dos invertebrados e apenas isso, mas há quem goste do bichinho.

E aí? Que super poder você gostaria de ter? Eu produzo leite, sangro e não morro, consigo fazer mais de três coisas ao mesmo tempo, ensino meus filhos, mantenho a casa, dirijo bem, escrevo, viajo, trabalho, faço as unhas sozinha, carrego compras pesadíssimas de mercado (a pé), corro na ciclovia, sei ser tempestiva, defendo as crias, tenho tempo pra amar, ser feliz, ajudar... Penso que ser a Chitara dos Thundercats com sua super velocidade muito me atrai.



Angélica Carvalho

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Graciosa e Seus Superpoderes



Em 1963, nasceu em Curitiba num bairro de descendentes de italianos chamado Santa Felicidade, uma menina que foi batizada de Graciosa. A avó desta garota, dona Filipa, era de uma seita secreta chamada Stregaria. Já no primeiro dia do nascimento desta sua primeira neta, Filipa fez um ritual maravilhoso, na Lua Cheia, para garantir superpoderes à menina. No meio desta sessão, a idosa derramou pétalas de rosas brancas no corpo da criança. De repente, um raio de luar iluminou o corpo inteiro do bebê e a anciã exclamou:
- Que a natureza proteja o seu corpo e alma!
- Que você tenha poderes mágicos!
- Com certeza, você terá superpoderes !
Quando Graciosa completou três anos de idade, Filipa resolveu levar a pequena para os grupos de orações. Sempre quando uma pessoa ficava doente, esta garota rezava e a criatura melhorava. Desta maneira, muitas pessoas passaram a acreditar que Graciosa fazia milagres e começaram a freqüentar a casa, de sua família, para pedir orações. Porém quando Graciosa completou doze anos de idade, ela passou a ser hostilizada na escola, pois esta garota passou a ser chamada de santa do pau oco pelos seus colegas. Por causa disto a menina entrou em depressão e Filipa resolveu mandar a neta morar com sua tia Laura, no centro de Curitiba. Na nova escola ninguém sabia dos poderes mágicos da adolescente. Lá ela prometeu que nunca mais usaria seus supostos dons sobrenaturais e ela cresceu sem problemas, porém sempre estudando para ter boas notas. Até que chegaram as vésperas do vestibular. Então a jovem pensou:
- Estudei bastante, mas ainda continuo insegura.
- Será que ainda tenho os superpoderes de quando eu era criança?
- Prometi que nunca mais usaria estas mágicas sobrenaturais.
- Mas acho que posso usar por uma boa causa: o vestibular.
Então a adolescente foi até uma praça deserta, fez um círculo, desenhou uma estrela, colocou velas coloridas nas pontas e várias apostilas de cursinho pré-vestibular no meio disto tudo. Após isto, ela fez uma oração com muita fé.
Desta maneira, Graciosa passou no vestibular e na faculdade casou-se com um colega de turma. Depois foi morar num bairro chamado Boqueirão e abriu um escritório de Contabilidade.
Alguns anos mais tarde, chegou a hora dos seus filhos irem para a escola. Logo, Graciosa, pensou:
- Neste mundo violento, como mandar as crianças para a escola sem ter medo?
- Ah, se eu tivesse superpoderes...
- Mas pensando bem, um dia eu tive dons mágicos. Afinal, na minha primeira infância, um bairro inteiro achava que eu podia fazer milagres.
- Será que eu ainda tenho estas habilidades?
- Eu usei uma pitada de magia para passar no vestibular. Mas, a aprovação pode ter sido o resultado do estudo e não dos meus poderes sobrenaturais.
- Se ainda tiver esta magia, quero que os anjos me escutem e mostrem a solução para que meus filhos possam estudar com segurança!
De repente, o corpo de Graciosa estremeceu-se e ela exclamou:
- Eureka!
- Veio uma idéia em minha cabeça, neste instante:
- Matricularei meus filhos numa escola em que existam câmeras, nas salas de aula e dependências, vinte e quatro horas na Internet à disposição dos pais.
Assim a mulher pesquisou uma escola destas na Rede Mundial de Computadores e achou uma pertinho da sua casa.
No dia seguinte, esta moça descobriu que a sua secretária, que era casada com um homem bem mais velho, tinha fugido com o “office-boy” da firma e que por isto ela não tinha mais subordinados. Deste jeito ela exclamou:
- Estou sem os mais importantes empregados!
- Agora o trabalho vai se acumular. Pois terei que fazer o serviço externo também!
- Se eu ainda tiver superpoderes, que as forças do universo me ajudem com todo este trabalho!
Desta maneira Graciosa sentiu uma grande quantidade de energia e conseguiu fazer todo o serviço de uma forma rápida e bem feita.
Um certo dia dona Margareth, uma cliente, chegou no escritório de Graciosa com os cabelos todos desalinhados e ressecados. Desta forma a freguesa comentou:
- Meu sonho é ter um cabeleireiro com superpoderes!
Graciosa comentou:
- Eu sempre tive habilidades em lidar com as madeixas das minhas amigas. Tenho xampu, cremes e tesouras no meu toalete, se a senhora desejar, tentarei domar os seus cachos.
Margareth concordou e a contadora deixou os cabelos da freguesa brilhantes e ajeitados como um passe de mágica. Assim todas as mulheres do bairro passaram a contratar os serviços contábeis de Graciosa, pois sempre levavam um tratamento gratuito de cabelo de brinde.
Algum tempo se passou e chegou novembro. Assim, Graciosa abriu a janela de noite, viu uma estrela cadente e refletiu:
- Eu gostaria de ter superpoderes de verdade para me vestir de Mamãe-Noel , pegar uma carruagem com renas voadoras e distribuir brinquedos para as crianças carentes da cidade.
- Pelo menos a metade disto eu posso fazer: farei um uniforme de Mamãe-Noel e comprarei brinquedos numa loja popular para distribuir aos pobres no Natal.
Na tarde do dia 23 de dezembro um idoso, numa carroça, bateu palmas na frente da casa da contadora e disse:
- Boa-tarde!
- Sou o cigano Jámon, um pobre velho e doente. Por favor, gostaria que a senhora comprasse esta minha carroça, pois estou sem dinheiro para adquirir remédios.
A moça ficou com pena do idoso e comprou a carroça. Depois de algumas horas a mulher pensou:
- O que farei com uma carroça velha?!
- Ah, se eu realmente tivesse superpoderes...
Na noite do mesmo dia, Graciosa ligou o telejornal e o repórter disse:
- O zoológico do bairro Boqueirão pegou fogo. O incêndio começou na ala das renas, veados e corças. O fogo já foi controlado, mas estes animais fugiram e ainda não foram capturados.
Naquele instante a mulher ouviu um barulho estranho no seu quintal. Então quando ela foi olhar teve uma surpresa: os brinquedos, para doação, que estavam armazenados na garagem tinham se multiplicado, a velha carroça virou uma carruagem mais bonita da que a da Cinderella e o lugar estava repleto de: renas, veados e corças. Através de sua intuição, a contadora vestiu-se de Mamãe-Noel, colocou os brinquedos dentro da carruagem e botou os animais para guiarem este veículo. Quando Graciosa sentou naquela carroça transformada, os bichos voaram pelo céu e ela conseguiu distribuir presentes para todas as favelas da cidade. Deste jeito a mulher exclamou:
- Os superpoderes existem de verdade, pois estão dentro de nós. Eles são: a fé, a caridade, a esperança, a solidariedade e o amor!
- Feliz Natal!

Luciana do Rocio Mallon

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Pobres meninas



Desde pequena, Rita era motivo de chacota. Feia, desengonçada, com andar torto e dentes encavalados, não agüentava nem mais colocar os pés na escola. E no colegial, não foi diferente: De longe e de perto, ouvia e assistia sua difamação. Já sua irmã, Raira, era linda, amorosa e inteligente. Todos queriam seus conselhos, sua ajuda nas tarefas e a doçura dos seus lábios.
Os anos se passaram: Rita não ganhou festa de quinze anos, viagem, carro e nem atenção dos pais e da família, mesmo dois anos depois passando no curso de medicina. Nem um beijo tivera dado na vida. Já Raira ganhara uma linda festa branca e rosa de quinze anos e um carro aos dezoito por ter conseguido seu primeiro trabalho em uma novela na sua cidade. Além disso, viajava só com se lindo namorado, quando bem quisesse.
Mas um belo dia, Rita e Raira tiveram um único evento semelhante em suas vidas: a morte de seus pais que lhe deixaram uma gorda e pompuda herança que era guardada por gerações ao longo da família. A quantia era tanta que nem mesmo elas imaginavam, e daria para parar de trabalhar pela vida inteira, viajar, morar fora, comprar empresas ou investir em negócios. Agora, as duas tinham o mesmo poder, o mesmo valor em suas mãos.
Rita, ao invés de jogar tudo para alto e fazer tudo que não fez, poderia ter viajado, arrumado os dentes, “comprado” quantos homens que quisesse e até mesmo parado de estudar. Mas ao invés disso, investiu em obras sociais, em projetos odontológicos para crianças da periferia que nunca teriam acesso ao dentista, para pessoas com dificuldade de andar e se locomover, entre outros. Estudou o máximo que pôde e viajou por vários países para mostrar suas teses e pesquisas que fez. Com isso, conheceu um médico lindo e também rico, e juntos construíram impérios, que beneficiariam diversas pessoas. Já Raira, quis viajar mais, quis mais homens, quis aparecer em mais lugares, e assim, caiu no ridículo, ficou mais gorda, feia, sem homens e ainda por cima, pobre. Essa é a diferença do poder do dinheiro nas mãos daqueles que sabem ou não usá-lo.


Bianca Nascimento

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Tema da Semana: Superpoderes

Queria eu


Queria eu ter superpoderes
Para mudar o mundo
Por um instante profundo
Superar a dor


Queria eu ter superpoderes
Para sonhar mais alto
Realizar o sonho de um velho menino
Ver seu sorriso, como de quem ouve ressoar o sino

Queria eu ter superpoderes
Para realizar o impossível
Superar limites, impostos pela ciência
Ou por nossa consciência

Queria eu ter superpoderes
Para mudar conceitos, jeitos, formas
Plantar o bem, a alegria, o amor
Para cultivar a mais bela flor

Queria eu ter superpoderes
Nesse mundo imaturo
Para resgatar o homem do seu futuro


Fernanda Bugai

domingo, 21 de novembro de 2010

A Palavra Está Livre



Quando num debate, numa palestra,
Ou, numa alegre e bela festa...
O moderador fala , feliz, assim:
- A palavra está livre, enfim!

Sinto que as letras viram querubins,
Que estavam presos em celas ruins!
Então a palavra vira uma imensa luz,
Que até ao mais incrédulo seduz!

Quando numa discussão elegante...
O nobre e inteligente palestrante...
Exclama de um jeito radiante:

A palavra está livre neste momento...
As letras se transformam em sentimento...
E viram pássaros cintilantes...
Em mensagens brilhantes.


Luciana do Rocio Mallon

sábado, 20 de novembro de 2010

Muito Boa Nisso



Que existem pessoas e pessoas, é fato. Agora, dentro desse limiar de pessoas existem pessoas muito boas nisso e pessoas muito boas naquilo. É engraçado, porque na minha inexistente modéstia, sempre brinco com meus amigos quando recebo qualquer elogio, dizendo: pois é, sou muito boa nisso!
Ocorre que, eu sei que não sou muito boa em tudo, aliás eu nem sei se sou muito boa em alguma coisa, e acredito que eles saibam disso, então essa frase se tornou mais uma maneira de descontração nas reuniões e bate-papos.
O que eu queria mesmo é ser muito boa em tudo que falo que eu sou, não acho que isso seja pretensão exacerbada, porque encontro (e admiro) pessoas que são muito boas em tudo que fazem. Sabe aquelas gurias que sabem lavar, passar, cozinhar que é uma beleza? Na maioria das vezes moram sozinhas, ainda, estudam, tiram ótimas notas, trabalham e são promovidas ou elogiadas, fazem a unha por conta própria, cortam e pintam o próprio cabelo, tem um estilo muito descolado sem parecer over ou vulgar, tem muitos amigos, são simpáticas e de quebra tem namorados gatos? Essas pessoas existem sim, e eu acho isso um máximo!
Tem também aquelas pessoas, que são tão bem sucedidas em todos os empreendimentos ou em todas as aventuras a que se propõe, esses que a gente nunca encontra sem grana, abrem restaurantes, fazem artesanatos, fazem caridade, teatro, dança, arrumam carro, consertam fios elétricos, engraxam sapato, lavam roupa, costuram, pintam parede e conhecem inúmeros lugares falando diversas línguas, tudo isso numa perfeição que só vendo, sem esforço aparente.
Ah como eu admiro essas pessoas, tudo bem que são poucas, e vai saber né, se elas são tão perfeitas assim, pelo menos as que eu conheço também tem lá suas fossas... Mas que até hoje eu não entendo se é karma, se é colheita, se é jeito de lidar, dedicação, habilidade ou o quê, eu não entendo. No entanto, admiro e respeito tanto quando encontro com uma dessas, que elas se tornam quase ícones de referências, dessas que a gente quer ser quando crescer. Talvez por isso, quando alguma coisa dá certo, eu sempre repito: sou muito boa nisso. Vai ver esse pensamento positivo ajuda, né? E você é muito bom em que?



Fernanda Bugai

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A História de uma Apadrinhada


Durante o feriado passado, eu ganhei uma máquina de lavar-louças do meu sogro. Ninguém pode imaginar o que isso significou pra mim, menina de 19 anos ex-mimada e agora casada. Na mesma hora, bolei mentalmente um texto sobre minhas aflições como “dona-de-casa” – e principalmente minha cisma com louças para lavar – e hoje, quinta-feira, às 10h00 da manhã, quando ia começar a transcrever meu conto, mudei de idéia. A máquina de lavar-louças fica pra semana que vem, porque hoje é dia de falar sobre o Desaforadas.
Eu sempre soube que queria ser escritora, porque sempre gostei muito de ler. Toda criança aficionada por alguma coisa, seja um cantor, um filme, ou um livro, sonha em um dia, poder fazer algo parecido e encantar outras pessoas. Comigo não foi diferente.
Duas vezes por semana, podia-se ver uma menina de menos de um metro e meio entrando pela porta da biblioteca do Colégio Dom Bosco, equilibrando entre os braços as obras lidas nos últimos dias. Nunca vou me esquecer do dia em que eu estava escolhendo outro livro para ler, e nenhum daquele lado da biblioteca me pareceu bom o bastante para satisfazer minha ânsia por bons enredos. Eram todos livros juvenis, para crianças e adolescentes que ainda tinham que pegar gosto pela leitura. Lembro-me como se fosse ontem. Indecisa, sem saber o que fazer e que livro pegar, eu olhei para o outro lado da sala, e vi uma enorme prateleira que cobria toda a parede repleta de livros grossos, antigos e recheados de conteúdo adulto. Eu tinha 13 anos.
Fui até lá, olhei vários títulos, e decidida, escolhi três. Eu havia, oficialmente mudado de estante.
Minha mãe ficou louca, e passou a revistar minha mochila pra ver se os livros eram inapropriados para mim. Mas, como qualquer pré-adolescente teimosa, eu não a escutava e pegava livros cada vez mais complexos. Quando me proibiam de ler algo, eu pegava escondido na biblioteca e lia de madrugada em meu quarto. Ninguém notava, e eu me achava a maior arteira do universo. Acho que essa foi uma das maiores traquinagens da minha infância.
Quando criança, eu gostava de escrever poesias, e confesso que elas eram daquele tipo de “rima pobre”. Verbo rimando com verbo, adjetivo com adjetivo. Em datas especiais, como aniversário, Natal, dia das mães e dos pais eu presenteava meus familiares com poemas feitos baseados em seus nomes, os famosos acrósticos. Para cada letra, uma estrofe.
O último que fiz para a minha mãe deixou-a chorando por cinco minutos. Até hoje, quando ela lê aquele poema, chora emocionada.
Já naquela época eu dizia que era escritora, e que meu maior sonho, era ser cronista. O tempo foi passando, e eu lia cada vez mais e mais. Como meu pai não me deixava sair, eu passava o fim de semana inteiro, deitada em minha cama, lendo fervorosamente o que aparecesse pela frente.
Com 15 anos, eu lia Doistoiévski, Platão, Saramago, Cammus... Todo livro lido era anotado em uma lista, e aquele ano, acho que 2006, terminou com um saldo de 70 obras. Ainda mantenho o costume de registrar o que leio, e já nem sei a quantas anda essa contagem.
Pode parecer clichê, mas os livros sempre foram os meus melhores amigos, e a minha ponte para uma boa escrita. Eu sempre tirei as melhores notas em redação e português, e tinha tanto orgulho de minhas criações em sala, que por mais banais que parecessem, como uma dissertação sobre a questão do aborto, por exemplo, foram guardadas e até hoje eu as conservo em uma caixa.
Aliás, tenho que confessar um segredo. Já postei aqui no blog um texto meu feito durante as aulas de redação na 8º série. Acho que ninguém notou nada, né?
Aos 17 anos, eu havia escrito poucas histórias, todas para propostas de redação da escola. Naquela época, apesar de eu adorar escrever, ainda sentia uma dificuldade e uma insegurança imensa com o papel e o lápis. O meu maior medo era descobrir que, na verdade, eu não tinha dom nenhum para a escrita. Eu conhecia o poder da borracha, mas não acreditava nela. Palavra escrita era palavra escrita, e não tinha volta.
Lembro bem do meu primeiro texto literário oficial (desvinculado da escola) e de como foi escrevê-lo. No trabalho da minha mãe, já no finzinho da tarde, tive um insight que me fez imediatamente pegar a primeira folha que eu visse e começar a escrever. Demorei uma hora para acabar o “Prazer, Letícia”, minha primeira crônica de apenas uma página e também, já postada aqui no Desaforadas.
Meu primeiro conto foi escrito alguns meses depois, e o processo de criação foi muito semelhante. No trabalho da minha mãe, eu fui fumar um cigarro na escada de incêndio, e olhando para os 13 andares abaixo de mim, tive outro insight e criei “O Recado”. Sabe aquela coisa de sorte de principiante? De que o universo conspira ao seu favor? Foi o que aconteceu comigo. A experiência mágica de sentir que minhas mãos eram guiadas por meus pensamentos, de cada linha escrita, das palavras fluírem como vento... Foi maravilhoso e inesquecível.
Roteirizei o “O Recado” como exercício para as aulas de roteiro do Centro Europeu e foi assim que entrei pro Desaforadas. Ao mostrar minha idéia para o professor e lhe explicar que a história era a adaptação de um conto, fui convidada para escrever no blog. Isso já faz mais de dois anos.
O Mario nem imagina, mas ele foi um anjo em minha vida. Naquele dia, ele realizou um sonho e me empurrou para o primeiro passo que me livraria dos demônios da insegurança. Eu tinha um sonho de ser escritora, mas tinha medo de me frustrar descobrindo que talvez não levasse jeito para a coisa, e então, evitava escrever.
Com o blog, fui “obrigada” a, semanalmente, criar um novo conto e afiar os meus dons com a escrita. Antes, eu tinha de reservar a semana para escrever algo, hoje, separo apenas uma manhã. Antes, eu achava que ter um livro escrito por mim era só pra depois dos 30 anos. Hoje, mais de 50 pessoas têm meu livro “Pura Artista, Mal lhe Pintei, Encantei-me com Outra Obra”em suas prateleiras, ao lado de outros já autores consagrados.
O Desaforadas significa pra mim, atualmente, o caminho para escrever um romance, meu próximo objetivo. E como o blog nunca me desapontou, sei que vou conseguir.
Não é a toa que convidei o Mário para ser meu padrinho de casamento, e ele aceitou.
Um sincero obrigado e um grande beijo no coração do Mario Lopes.

De sua sempre agradecida afilhada,

Leticia Mueller

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

1004




Eu até ia deixar passar, mas de que jeito? Na semana do post número 1000, o texto merece uma pequena reflexão. Porque penso que gostar de escrever não é só dom. É um tipo de filosofia de vida, daquelas que você carrega desde pequenininha mesmo, quando contava histórias pras suas bonecas dormirem.
Quando descobri que tinha vontade pra coisa eu tava na faculdade e a fundsamentação teórica ficou a meu cargo. Pois escrevi, tivemos uma nota satisfatória e pensei que deveria continuar naquela função de redatora, escritora, contadora de fatos e enfim. Em outro momento ajudei meus primos com o TCC da pós, eles se deram bem e pensei: É, eu tenho facilidade pra coisa.
Muitos anos passaram e muitas coisas aconteceram e meus textos ficavam guardados em uma gaveta na memória. Não, eu não os postava, não tinha o meio, não tinha a satisfação, não tinha a inspiração necessária e muitas idéias ficaram perdidas em algum lugar da minha mente criativa e meio louca. Eu pensava, escrevia, amassava e jogava fora e assim foi por anos.
Casualmente, estava em casa, nem lembro em qual circunstância, quando minha irmã me passou o MSN de um cara chamado Mário que precisava de um texto pro mesmo dia pra um blog. Ele explicou o que era o blog, como eram as idéias, me passou textos e perguntou : Você escreve um texto pra amanhã? Bah, pensei 10 segundos e respondi: Deixa comigo.
Escrevi um texto em meia hora pro Desaforadas, e não é que gostaram? Eu ia ser Desaforada X, mas a quinta-feira estava prestes a ficar vaga e então não parei mais.
Creio que as coisas não acontecem por acaso, apesar de haver mil acasos. Que tudo acontece num momento certo e que, eu estava no computador certo, na hora certa, com a história certa, esperando por um empurrão. Desde que entrei pro Desaforadas tive o prazer de escrever sobre histórias reais, imaginárias, relatar fatos, expressar minha opinião, fazer as pessoas pensarem, fazer as pessoas rirem, chorarem, se indignarem e mais e mais expressões se propagarem. Tem quem não perde um texto, tem quem gosta, tem quem odeia, tem quem só lê pra ser simpático ou antipático. Tudo isso importa. O fato de uma pessoa escolher um tempo do seu dia pra ler uma opinião, ou uma história alheia faz com que o ser humano pense um pouco mais sobre sua própria vida. Não preciosa discordar, nem concordar, uma idéia é eficiente a partir do momento em que é vista e refletida. Se de alguma forma mudar o caminho de alguém ou não, é válida.
Portanto, nesta semana, gostaria somente de agradecer pela oportunidade de poder me expressar. Pela satisfação em escrever para um blog idealizado por um homem sensível e extremamente inteligente que nos inspirou por muito tempo e que, com certeza continuará inspirando em outros momentos. Escrevo hoje sem felicidade contida, escrevo com prazer exacerbado e vou continuar a escrever, graças a um acaso planejado, se me permitem o paradoxo.
Escolhi meu prazer e realizo meu desejo. Isso é escrever aqui. Já indiquei e tivemos vários textos publicados de algumas pessoas que se encantaram pelo blog. Fica o convite para quem quiser participar, o carinho para quem já foi e as portas abertas para quem quiser voltar. Ser Desaforada não é só escrever. É ter paixão pelo prazer de escrever. Enfim, escrever é uma paixão... e daquelas eternas.

Beijos com carinho, Mário, e obrigada! Bi, benvinda, “chefe”. Arrebenta, gata garota!

Angelica Carvalho

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Semana de Tema Livre

Sonhos de vida


Eu tinha um sonho, em algum lugar do universo, de nascer. Conhecer como era o mundo, os amores e até mesmo o gosto e temperatura das lágrimas. Então eu nasci. Tive sonhos então de ter aquela boneca que tanto almejava na vitrine e que fazia de tudo um pouco, até falava (porque até então eu não entendia nada do que as pessoas diziam). Então eu ganhei a boneca. Sonhei em brincar com os amigos mais velhos da minha irmã, então eu brinquei, de conversar na hora do intervalo com o pessoal do ensino médio, então eu conversei. Sonhei em fazer um curso de pintura, então eu fiz. De fazer um curso de modelo, de ser vista em alguma revista. Então apareci. Tive sonhos de mudar o mundo, de ajudar os animais, de não me deliciar mais do sofrimento deles. Virei vegetariana. Sonhei então fazer publicidade ou moda, mas o sonho pela profissão de contar história, verdadeiras, me chamou muito mais atenção. Então eu fiz jornalismo. Tive sonho de aparecer na televisão, e então apareci. Tive sonho de ser dona de revista e uma revista eu realizei. Tive sonhos de viajar, então eu viajei. Sonhos de conhecer um amor de verdade, que me fizesse mudar os pensamentos e amar loucamente. Então encontrei. Tive sonho até meus 20 anos. A maioria deles realizei e outras, graças a Deus não, se não nem mais aqui estaria. Continuarei tendo sonhos por mais vinte, trinta ou mais anos, até quando Deus me permitir sonhar. Sei que em um dia de dor, de sofrimento, quando estiver velhinha ou até quem sabe antes, vou sonhar em querer deixar tudo isso aqui. Mas vou lembrar da importância de todos os sonhos que tive, mesmo que nem todos realizados pois foram todos eles, pequenos ou grandes, que me fizeram ser feliz aqui.





“Licença. Hoje, com muito carinho e entusiasmo, assumo a gerência do blog Desaforadas. Lembro-me que minha prima e ex-Desaforada, Luciana Oliveira, me falou com perfeição do blog há dois anos atrás. Sua dedicação e felicidade por ser uma Desaforada era tanta, que o jeito que ela falou me deixou com vontade de sentir um pouquinho do que ela sentia quando escrevia aqui. Por causa do vegetarianismo, conheci o Mário, fundador do blog, e em uma conversa inicial sobre profissão, me mostrou o blog. Perguntou se eu queria escrever como colaboradora. Lembro-me também que eu era muito insegura e comecei já com medo do que todos iram pensar de meus pensamentos. Sei que nem todos meus textos foram os melhores, alguns podem ter sido escritos de última hora, outros poderia ter me dedicado mais. Mas uma coisa tenho certeza: escrevi todos com sentimento e emoção. O blog ajudou a crescer minha mente, alma e inspiração. Confesso que ainda assim, como todos nós, temos certo receio de não atender as expectativas das pessoas. O que acontece é que agora não tenho mais medo de tentar, e se não corresponder a todos aqui, dei meu melhor e sei que não sirvo pra isso então. Mas de outra coisa tenha certa: sou uma desaforada, não somente aqui, e sim na vida e é isso que trouxe todas que escrevem hoje para o blog. O meu sonho?É continuar sendo uma eterna Desaforada. O meu sonho começa hoje aqui”.



Bianca Nascimento, eterna sonhadora e Desaforada.

domingo, 14 de novembro de 2010

Post Número Mil



Este não é um post de despedida do blog, mas é, certamente, meu último post como gerenciador em 2010. Nos últimos tempos, o excesso de trabalho tem me feito administrá-lo de forma bastante sofrível, o que me fez passar a incumbência para a Bia (nossa blogueira das terças-feiras), que é a mais veterana Desaforada e certamente fará um trabalho muito melhor que o meu. O afastamento, no entanto, não me torna menos entusiasta ou cúmplice do blog. Hoje, quando efetivamente passo o bastão à Bia, estamos chegando a 1.000 posts. Não é pouca coisa, e a marca certamente coloca o Desaforadas num staff respeitável entre os mais tradicionais blogs femininos. Portanto, resolvi escrever um post para fechar esta etapa da minha, digamos, gestão. Em todos os meus textos publicados aqui (e foram mais de 100) nunca os conjuguei na primeira pessoa. Só o estou fazendo agora por ser uma mensagem bastante pessoal. Não queria que fosse um post amargo, mas acabou tendo este viés devido a um "trauma" recente. Além do mais, vou me aproveitar de o tema da semana ser "perdendo a linha" e fazer uma catarse em público. Só peço paciência na leitura, prometendo que procurarei deixar uma mensagem de amor e de redenção no decorrer do texto (sem qualquer medo de parecer piegas).

Sempre me julguei um feminista. Não sei se existe a categoria de “homem feminista”, mas sou um. Mulheres, com toda certeza, são a salvação do planeta. São muito mais sensíveis, e sensibilidade é a maior de todas as inteligências. Só que eu também sempre tive ranzinzices por conta de acreditar que as mulheres se atrapalham no jogo do poder ao perpetuarem certos modelos de feminilidade prejudiciais, os quais muitas vezes são revelados por top hits da cultura popular que apontam para traços profundos de fragilidade, vulnerabilidade e ingenuidade que parecem incorrigíveis. O mais flagrante destes fenômenos de massa delatores é a comédia romântica. Ela denota o fato de que a mulher moderna, mesmo muito mais independente e dotada de capacidade inquestionável de liderar, seja a família, a empresa ou a própria vida, ainda é dependente do sonho da “cara-metade”, da tampa da panela. Mas, no final de semana passado, eu me pus a refletir e a admirar esse gênero cinematográfico que repudiava pelo comodismo narrativo e pela intenção que sempre considerei medíocre e mercenária. Fui ao cinema assistir a “Jogos Mortais VI”, que leva o subtítulo de “O Jogo Completa Seu Ciclo” (em outras palavras, o “Episódio Final”). A princípio, acreditei que a sala teria muito mais homens que mulheres, mas não. E é isso que mais me surpreendeu/assustou. O contrário da feminilidade açucarada é a masculinização azeda e troglodita (típica do bordão "macho encara qualquer parada"). Sendo assim, o oposto da comédia romântica é o filme de ação brutal, daqueles que antigamente eram protagonizados por Charles Bronson e Clint Eastwood (antes de virar gênio). Para se mostrarem companheiros, homens passaram a acompanhar esposas e namoradas a filmes água-com-açúcar, e vice-versa: elas fizeram a via contrária, mostrando-se também democráticas e dividindo o saco de pipoca para apreciar socos, chutes, tiros, Pow! Soc! Cruch! Argh! Etc! Sem entrar nos méritos quanto ao gosto cinematográfico, mas o fato é que nesse compartilhamento "estético" nenhum dos dois lados sai lucrando muito. E talvez quem leve mais prejuízo é o lado feminino, que, com o passar do tempo, passou a acreditar que para competir com o sexo masculino precisa elevar sua testosterona. Só que mulher não precisa ser macho, aliás, não deve, de jeito nenhum. Costumo dizer que é o mesmo que alguém achar que deve rastejar para conseguir matar baratas.

Pois bem, depois de duas horas de absoluta grosseria e sadismo em doses cavalares e desnecessárias na tela, constatei que realmente sou muito mais feminino que muita mulher por aí. E com todo o orgulho. Não sou gay, mas sou, sim, muito sensível. Ainda bem. Eu me comovo, sim. Eu choro em filmes, sim. E eu sinto a dor alheia, sim. E fiquei chocado ao perceber que quem deveria virar o rosto para não ver as cenas de horror era eu. O irônico é que tinha tudo para o momento ser um clássico: o namorado leva a namorada no filme de terror para ela pegar sua mão e esconder a face em seu ombro quando o vilão se aproxima da vítima, dando ao moço a sensação de força e à moça a percepção de segurança. Que inversão de papéis é essa?! “A violência é tão fascinante e nossas vidas são tão normais”, cantava Renato Russo, “afinal amar ao próximo é tão démodé”, completava, mas será que empatia virou defeito? Que fomos tão abrutalhados ao ponto de nem mesmo as mulheres poderem se dar ao luxo de sentir compaixão? Que se compadecer da angústia e se revoltar com a crueldade viraram sinônimos de fragilidade e vulnerabilidade?

Antes que pareça que o filme virou bode expiatório de alguma picuinha pessoal, e para explicar melhor a quem não assistiu a nenhum dos episódios da mais bem sucedida franquia de terror de todos os tempos, logo abaixo discorro algumas justificativas de inquietação quanto à dose exacerbada de truculência e, em especial, quanto à bizarra sedução sentida pelo público feminino – ao menos na sessão em que compareci, a presença de mulheres era bastante considerável. Com tudo o que será colocado a seguir, quero deixar bem claro que o que assusta mais não é o que se passa do lado de lá (na tela) mas sim do lado de cá (na plateia).

Os dois roteiristas da série podem ser classificados como “gênios”: inventaram a lobotomia sem cirurgia. As sandices se passam na tela, mas a principal vítima é o público. Sofre amputação cerebral sem corte. Fala-se de forma desfavorável quanto à violência gratuita, mas muito pior que ela é a violência com falsa justificação, e é o que o filme faz o tempo todo. São racistas? Ah, então merecem se foder, deixa eu atropelar, arrancar a mandíbula, os braços e a pele. Ah, ela é piranha? Vamos serrá-la ao meio. Ah, o cara é mentiroso? Merece ver todos os amigos e esposa torturados até a morte. Além disso, as vítimas sobreviventes do vilão Gigsaw (que, pasme, para muitos é uma espécie de justiceiro) chegam a se manifestar como gratas por aprenderem a viver a vida depois de terem passado por momentos de horror absoluto. Alguém consegue engolir? Realmente, é preciso ter estômago para suportar tanto os esquartejamentos físicos quanto os de raciocínio lógico. E, para ilustrar tantas boas intenções, você “aprecia” de tudo: olhos sendo furados, anzol arrancado do estômago por um barbante que escapa pela boca, serra elétrica rasgando um abdômen até fazer cair o intestino, cremação de gente viva, e por aí afora, tudo em big close e com berros ecoando em dolby surround. Um show de vísceras voando na tela e de neurônios despencando nas poltronas. Como na Roma antiga, a plateia deliberadamente testemunha a tudo sem qualquer constrangimento, se entusiasmando e delirando a cada nova esquete de carnificina. Paga-se para engolir tripas com pipoca e Coca-Cola. Um show de iguarias visuais indigestas que até de graça seria caro. A propósito, converta o valor pago na bilheteria em coisas úteis que você poderia adquirir pelo mesmo preço e você terá vontade de torturar o diretor da série: eu, por exemplo, comprei um livrinho em formato HQ da Disney com três obras de Shakespeare por 1/4 do valor. Daí sim, dá vontade de cortar fora a mão que sacou a carteira.

Alguns alegam assistir devido à inteligência da trama, como se isso pudesse de algum modo atenuar ou justificar uma visita a um açougue humano. Aliás, convenhamos, se a história fosse realmente inteligente não precisaria apelar para a barbárie, vide “Seven” que não exibe os crimes sendo executados mas é recheado de suspense e encadeamentos estratégicos instigantes. A propósito, um bom conselho a quem acha Jogos Mortais inteligente é que fosse trocar idéias com o ex-deputado federal Hildebrando Pascoal, aquele que amputou braços, pernas e pênis de um mecânico, furando-lhe depois os olhos com pregos na frente do filho adolescente, o qual foi queimado vivo logo em seguida. Certamente seria uma conversa repleta de propostas para o próximo filme da série (ou vai dizer que você caiu no conto do “Episódio Final”?!). Aliás, aqui vai uma sugestão para o próximo petardo da franquia: "Jogos Mortais VII - O Jogo Nunca Termina". Original, criativo e... honesto como a própria série.

O mais grotesco: neste sexto episódio você vê tudo em 3D. Alguém é capaz de explicar o que uma pessoa, que não seja médico legista ou psicopata, pode achar de estimulante em se ver um pedaço ensanguentado de intestino humano em três dimensões ao invés de duas? Ao final da sessão, quando jogar seus óculos no cesto em frente à sala de exibição, você (se for mais sensível) achará que deveria deixar ali também seus olhos. Você sai do cinema um pouco parecido com os personagens do filme: se sentindo mutilado. Aleijado em seu lado humano.

O ponto irônico do filme é que, mais do que mostrar sofrimento, ele é altamente sofrível. Principalmente nas interpretações. Basta dizer que a performance mais aguardada foi a de uma personalidade que nem é do meio cinematográfico: Chester Bennington, vocalista do Linkin Park, cuja atuação é brevíssima e, como 90% dos demais personagens, fica apenas berrando "heeeeelllp!" e fazendo caras e bocas de pavor. Quer mais ironia? Na vida real, Bennington já tentou suicídio, o que o torna, segundo as regras sádicas de Jigsaw, alguém merecedor de ser vítima a seus jogos. Os iguais se atraem, não?

Já que estamos falando das regras do jogo, fica aqui o lado de humor do filme para aqueles que acreditam que ele só trata de tragédias perversas. Ele começa com dois rapazes traídos que têm de se decidir entre se matar ou matar a mulher que os traiu. Eles optam por dividir a moçoila ao meio, numa versão punk de justiça salomônica. Mas quem disse que a audiência do filme quer saber de justiça? Quanto mais salomônica. Para começo de conversa, nem sabe quem foi Salomão. E o senso de humor de Jigsaw é mesmo impagável: em outra situação, para castigar um escritor que mentiu já ter sobrevivido em seus jogos, ele mata... a esposa do sujeito, que nem ao menos sabia da safadeza do marido. É mais ou menos o mesmo que alguém ter uma intoxicação alimentar e se vingar em cima da mãe do peixe podre.

Impressiona o fato de que todos que assistem ao filme se sentem seguros, pois não estão no lugar das vítimas, sem se dar conta de que, no decorrer de suas vidas, também vivenciarão Jogos Mortais: passarão por um sequestro relâmpago, correrão um risco de estupro, serão tratados por quimioterapia para curar um câncer, etc. Em cada situação dessas, bem que poderia haver, mentalmente, um Jigsaw interno dizendo: “Fernanda, durante a vida toda você se alimentou mal, desrespeitando seu corpo e sua saúde. Agora terá de passar por uma cirurgia de intestino que durará cinco horas. Se o médico for habilidoso em extirpar o tumor, você voltará a viver normalmente, mas, se isso não ocorrer, será colostomizada e morrerá em lenta agonia”. Outra possibilidade: “Renato, você nunca praticou exercícios, sempre foi um sedentário, pouco valorizando seu físico perfeito. Agora está preso nas ferragens de seu carro, neste acidente em que foi o responsável pela debilidade dos próprios reflexos. Seu celular foi parar no piso do banco de trás. Você terá de se esticar e encontrá-lo no escuro para chamar por socorro em menos de dois minutos, pois logo perderá muito sangue e desmaiará. Se isso acontecer, só será encontrado quando ossos e carnes das panturrilhas já estiverem sem condições de sofrer cirurgia, precisando amputar as duas pernas ou morrendo de hemorragia”. E aí, será que os admiradores da série continuarão achando divertido? E quando esses jogos mortais da vida real acontecerem com amigos, familiares e pessoas próximas, irão compartilhar da mesma empolgação que vivenciaram na sala de cinema? A mentalidade da audiência padrão é tão estreita, e sua capacidade de decodificar metáforas tão limitada, que forma-se uma blindagem em torno do potencial associativo (talvez até por auto-proteção), impedindo-a de perceber que ali, à sua frente, ficção e realidade não se encontram tão distantes uma da outra como parecem.

Como dizia a Denise Stoklos, brasileiro tem vocação para plateia. E ela comenta isso no mau sentido, somos passivos. Gostamos de ficar vendo ao invés de vivendo. É uma “não-vida”, como ela mesma classifica. Neste falso universo, emoções fortes não parecem ser sinônimo de sutileza. Daí, provavelmente, vem o sucesso de Jogos Mortais. A série é tão sutil quanto a motosserra de Hildebrando e as pauladas dos irmãos Cravinhos nos crânios do casal Richthofen. E celebra a morte para quem já é adepto da “não-vida”. Chega a ser morbidamente coerente.

Quanto à sedução junto ao público feminino, fica difícil de entender (de minha parte, prefiro nem entender). Mas prometo nunca mais condenar as comédias românticas. Que elas sejam produzidas em profusão. E que as mulheres nunca deixem de ser românticas. Que nunca se rebaixem achando que precisam ser toscas para agradar ao gênero masculino. O mundo é cheio de injustiças porque a maioria dos governantes é composta por homens. Boa parte deles faz o gênero “macho que é macho”, e promove seus jogos mortais diariamente, seja enviando tropas para a guerra ou lançando estratégias de segurança pública que visam dizimar a violência usando de truculência ao invés de fomentar programas de ensino, cultura, artes e esporte junto ao público mais jovem. O mundo está repleto de Jigsaw.

A escritora Hannah Arendt, uma intelectual de origem judaica que se refugiou nos Estados Unidos durante a II Guerra Mundial, afirmou que a banalização da violência coloca o ser humano dito comum no mesmo patamar daqueles que promoveram o nazifascismo. Ao comentar o julgamento do criminoso nazista Adolf Eichmann, Arendt fez questão de afastar a hipótese de que ele fosse um monstro, um sádico ou um carrasco. Ela o descreveu como “uma pessoa de terrificante superficialidade, um indivíduo banal”. Para Arendt, ficava evidente que “teria sido muito reconfortante acreditar que Eichmann era um monstro”, mas “o problema com Eichmann era exatamente que muitos eram como ele, e muitos não eram nem pervertidos, nem sádicos, mas eram e ainda são terrível e assustadoramente normais”. Em síntese, a percepção dela é a de que ignorância e brutalidade andam de mãos dadas. Considerando uma bilheteria de US$ 22,5 milhões só no final de semana de estreia de Jogos Mortais VI, temos de torcer para que Arendt esteja errada. Ou melhor, temos de rezar.

O efeito coletivo de uma obra assim pode nem ser tão nefasto em termos gerais. Dificilmente haverá uma nova Columbine com garotos dando tiros de escopeta nos colegas alegando ter sido influenciados pelo filme, por exemplo. Mas, para se ver uma produção assim sem sair machucado na alma, é necessário anestesiar a empatia, caso contrário ser plateia é um ato insuportável. Só que empatia é uma reação básica típica dos seres humanos, não pode nem deve ser desplugada. Cães bem tratados ladram para cães morimbundos porque não conseguem se colocar no lugar deles e sentir as sarnas que lhes corroem a pele. Sermos corteses, gentis e cordatos não é uma questão apenas de boa educação, como se pensa, mas sim de se colocar no lugar do outro. Queremos tratar as pessoas bem não porque papai e mamãe assim ensinaram, mas porque queremos também ser tratados bem. Quando vemos uma senhora exausta carregando suas sacolas de compra no caminho para casa, nos sentimos compelidos a aujdá-la, porque sabemos o quanto é sofrida aquela situação ao nos colocarmos em seu lugar. Alguém acredita que uma pessoa que assiste friamente (ou entusiasmadamente, o que é pior) a outra cortando a própria perna com um serrote é capaz de se comover com a imagem da velhinha carregando compras?

Enfim, os últimos suspiros de cada vítima da tela são os últimos suspiros do intelecto de cada pagante na sessão de cinema. E, por falar em últimos suspiros, é hora de me despedir. Até porque o assunto deu pra bola, o filme é medonho (não sei se mais pela violência ou pela burrice, que, na minha opinião, é algo ainda mais digno de temor), e como já dizia um certo alguém que não me lembro quem: “a vida é muito curta para perdermos tempo com filhos da puta”.

Ah, já ia me esquecendo da citada "mensagem de amor e de redenção" que prometi no início do texto. Então, ainda bem que existem espaços como este aqui, onde apelação, baixaria e mau gosto felizmente levam cartão vermelho. E o que é melhor: aqui tudo é de graça e fresquinho diariamente. Ele é a prova de que é muito melhor fazer o bem em pequenas proporções do que o mal em escala hollywoodiana.

Desaforadas, levem em frente este blog com convicção. Façam dele uma dose diária de boa leitura aos visitantes. Façam dele Jogos Vitais.

Sucesso a todas.

Mario Lopes

sábado, 13 de novembro de 2010

O Desaforadas hoje toma licença para prestar homenagem a um poeta e ator curitibano falecido no semestre passado. O texto abaixo foi escrito pela Luciana do Rocio Mallon.

Adeus a Claúdio Bettega Cláudio Bettega


Foi um bom ator...

Com alma letrada de escritor!

Ele, também, foi publicitário...

Com seu jeito extraordinário!


Com os seus cabelos dourados,

Olhares inocentes e devotados...

Ele parecia um anjo barroco,

Um santo real e nada oco!


Seu espírito era veloz e ágil...

Porém seu coração era frágil!

Numa fresca noite de primavera...

Ele foi chamado para a nova era!


Ele recebeu o chamado para o céu...

Para tocar lira e declamar poesias...

Perto de Deus, longe do mundo cruel...

Nas nuvens onde há mil harmonias!


Cláudio apareceu no teatro em várias cenas...

Busca era o nome do seu livro de poemas!

Hoje ele conseguiu a vida eterna...

Numa poesia doce e fraterna!


Suas asas irão me acolher...

Quando eu desencarnar...

Num divino alvorecer...

No brilho leve do luar.



Luciana do Rocio Mallon

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Linha de Conduta


Joana era uma boa madastra. Tinha seus dias de mau humor, mas quase nunca deixava de cumprimentar sua querida enteada, Giovana. O fato é que a casa era muito grande, e às vezes ocorria de, entre as enormes escadarias que circundavam a mansão, não ver a pequena brincando com sua coleção de bonecas de porcelana chinesas.
Joana casou-se com o pai de Giovana há dois anos, logo quando ele passou a realmente ficar doente. O câncer, antes controlado, se alastrara rapidamente por seu corpo, mas não o impediu de, como se um presente de Deus, se apaixonar perdidamente por aquela bela mulher de olhos escuros feito uma noite sem lua. Joana, é claro, vendo o homem de tamanha elegância – e já se emoldurando em um dia quente, deitada na piscina tomando piña colada – e constatando o tamanho da elegância dos oito dígitos na sua conta bancária, tratou também de se apaixonar, perdidamente.
Casaram-se em menos de um mês em uma ostentosa cerimônia realizada no quintal da mansão. 1000 convidados seletos enfeitavam o gramado com seus ouros e diamantes e com seus vestidos e ternos de marcas importadas. Em um momento de tédio, um dos criados tentou contabilizar as vestimentas e adornos de todos os presentes, mas desistiu logo na segunda mesa. Não sabia contar até tanto.
Devido ao estado debilitado do noivo, a noite de núpcias deu-se na própria cidade, em um belíssimo hotel luxuoso especializado em fazer casais felizes. Porém, Joana alegou ter comido demais na festa e estar muito cansada. Então, o casal dormiu e acordou cada qual em seu canto, como duas crianças amigas.
Poucos foram os momentos de intimidade entre eles. Joana explicava ao marido que qualquer tipo de emoção mais forte não lhe seria benéfico, e poderia trazer-lhe danos irreparáveis. O homem, já fraco com a doença e cada vez mais conformado com sua situação, aceitou a escolha da esposa, e não só achou que ela lhe fazia uma bondade, abstendo-se de suas necessidades para não fazer-lhe mal, como tratou de arranjar um quarto só para ela no extremo oposto do corredor. Assim, evitava-se qualquer desejo mais forte e suspendia-se a tortura de ambos.
Quem gostou da mudança foi a pequena Giovana, que aproveitava as noites para ir dormir com seu querido pai. Juntos, eles passavam a noite a conversar baixinho e de luz apagada, pois a madrasta brigava quando via os dois permanecerem acordados depois das 21h00. Assim que o primeiro raio de luz despontava pela janela, a menina voltava, pé-ante-pé, para o seu aposento.
Desde que a mãe morrera, Giovana não conseguia dormir sozinha. Logo que o casal voltou de lua-de-mel, a criança dirigiu-se ao quarto deles e enfiou-se no meio dos dois. Quando Joana acordou e a viu, deu um grito de horror e expulsou a menina a chineladas, falando que nunca mais ousasse tentar vê-la de camisolas e cabelos emaranhados.
O único que achava Joana bonita era seu próprio marido. Porque? Alguns acreditavam que o câncer estava o enlouquecendo, afinal, via-se pela ex-mulher que tinha boníssimo gosto. Outros, afirmavam que os seus olhos já não mais enxergavam bem, e pouquíssimo ousavam afirmar que era por verdadeiro e ardente amor.
O tempo passou rapidamente, e a doença do homem não tardou a ocupar-lhe todo o corpo. O câncer possui seus órgãos internos de forma devastadora até que ele desistiu de viver. Já não saía mais de sua cama e sua filha fora proibida de lhe visitar. Não queriam que as últimas lembranças do pai fossem de uma pessoa fraca a beira da morte.
Joana, de início, assistia a morte do marido com indiferença, tentando disfarçar sua ansiedade para com a herança e os bens que lhe seriam deixados. Porém, não deixou de ministrar os medicamentos e de cuidar de sua higiene. Dava-lhe banhos todos os dias, alimentava-o com sopas e comidas pastosas, trocava suas roupas íntimas e como que por obrigação, até chegou-lhe a dar um certo afeto nunca antes manifestado.
Ver o marido em tal estado decrépito causou em Joana uma compaixão e um amor inédito em sua existência. Ele passou a ser como uma criança, um filho, que nunca pode ter.
Nos últimos dias da vida de seu homem, Joana deitou-se com o marido como uma verdadeira mulher, extraindo-lhe prazeres e gemidos até então proibidos. Se o médico soubesse de suas traquinagens, expulsaria-a da casa no mesmo instante.
Porém, o homem nunca fora tão feliz. O amor que gozavam juntos era como um laço perdido a anos e finalmente retomado pela única certeza da vida.
Mas nada era capaz de o curar. Joana, sempre tão gélida e rude, estava apaixonada pelo marido que dentre em pouco viraria um cadáver. Perdera a linha de conduta que a guiara por toda sua vida, e se esquecera dos conselhos da mãe, de nunca amar um homem em quaisquer circunstâncias.
Estava realmente triste. Já sentia saudades do marido, e de si mesma, como uma esposa devota que nunca poderia realmente ser.
Abraçada ao seu eterno marido, ela ouviu seu último suspiro, e como em uma reviravolta de personalidade, derramou a primeira e única lágrima de toda sua vida.



Letícia Mueller

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Na Linha do Parque

Fim de semana de sol pra curitibano é parque. A gente que não tá acostumado com tempo quente, mal pode esperar pra se jogar na grama verde do Parque Barigui e cultuar todo aquele espaço aberto, cheio de crianças, encher os pulmões de ar, levar um violãozinho, fazer um churrasco e curtir a família e os amigos. Paz e descanso merecidos.
Mas onde eu disse que isso acontecia mesmo? No Parque Barigui? Não mais. Grama verde toda queimada de bituca de cigarro, espaço aberto só se você for se sentar em cima da ponte. Crianças, melhor deixar em casa... ar, só da fumaça do cigarro, do narguile e até da maconha. Violão nem adianta porque cada carro tem um “som” diferente e tudo no volume máximo. Churrasco virou batatinha frita e família definitivamente não tem lugar nessa selva que virou o Parque Barigui nas tardes de domingo.
É um desfile de bizarrice e baixaria. Bombado se enchendo de cerveja, meninadinha com shortinho aparecendo o útero, filas intermináveis no banheiro e briga de se agarrar pelos cabelos entre as damas. Garrafa jogada pra todo lado, falta de respeito, invasão psicológica, vadiagem ilimitada, cultura desapropriada. O espaço da família, da exposição, da feira, do bate-papo se tornou um ringue, onde, de um lado está a Guarda Municipal com “sprays” de pimenta em olhos de criança, do outro o pervertido inconsequente e entre os dois, o cidadão que tenta resgatar sua vida, sua rua, seu jardim, sua PAZ!!! Bons e velhos tempos em que passear no aprque era diversão garantida no pedalinho, risada perfeita no brinquedo, visita e compras de diversas cores, diversos sabores.
Bom mesmo seria, se na linha do tempo nada tivesse mudado, se na linha turismo não tivesse o descaso. Se a linha não tivesse perdido, tudo seria contido.

Angelica Carvalho

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Perdendo A Linha


Sou um atrapalhado trem...
Que perdeu os trilhos...
Preciso fazer o bem...
Para recuperar os brilhos!

Saí da linha e causei um acidente...
Porém sei que não sou inocente!
Sou um trem que descarrilou na vida...
Mas minha fumaça procura uma saída!

Sou uma agulha de costura,
Que por falta de ternura...
Perdeu a linha do tecido...
Com o coração partido!

Sou uma mão em desatino,
Que perdeu a linha do destino!
Sou uma donzela que olhou para Lua...
Tão brilhante, suave, nua e crua...

E que por isto perdeu a linha do coletivo...
De um jeito triste, porém vivo e ativo!
Sou uma barraqueira muito nervosa,
Que perdeu a linha na discussão perigosa...

E que bateu na inimiga otária...
Virando uma presidiária!

Perdi a linha, mas ainda sou reta...
Na Matemática mais concreta...
Por isto sei que estou certa!

Sou um eterno pescador,
Que perdeu a linha do anzol...
Por ser um distraído pecador...
E por não acreditar no Sol!

Já fui o próprio Sol que perdeu a linha do horizonte...
E que não conseguiu mais se esconder atrás do monte!
Hoje sou linha se perdendo dentro de mim...
E não existe mais ninguém que se perca assim.


Luciana do Rocio Mallon

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Desalinhar



Queria poder perder a linha pelo menos uma vez na vida. Perder as estribeiras. Invadir os palácios do governo pegá-los pelo colarinho, falar as verdades na cara de cada um deles. Queria poder invadir as cozinhas dos restaurantes e tirar foto do quanto de gorduras entopem em nossas comidas. Invadir o McDonalds e provar a todos que, mesmo que os sanduíches não sejam feitos de minhocas, ainda assim fazem bilhões de animais morrerem apenas visando o lucro. Queria também entrar na cabeça dos pais que levam suas crianças para almoçar todo final de semana no shopping, fazer enxergá-los que isso não é comida e nem lugar para levá-los sempre. Queria entrar nos hospitais e mostrar aos doentes que a indústria farmacêutica apenas lucra com a dor deles, e que até câncer já poderia ter tido cura. Entrar nas baladas que jovens freqüentam e mostrar o quanto as drogas, apesar de prometerem grandes efeitos e irreverência, vão fazê-los cair mais e mais e que na verdade há muita coisa boa para se fazer além disso. Queria também poder convencer os jogadores, artistas e todos mais famosos de que há gente precisando do dinheiro deles, que vem como água e gente que nem água tem para beber. Queria mostrar a todos que ETs existem sim e que Deus é um extraterrestre, pois vive fora da Terra e na verdade há muitos seres lá fora, não importam como sejam. Mostrar que 2012 não é uma lenda e sim uma realidade, que as evidências tem nos mostrado isso cada vez mais. Mostrar que os bois e todos os outros animais sofrem SIM para morrer e que há formas de substituir as vitaminas que encontramos neles. Que a vida aqui é somente uma condição terrena, uma experiência que passamos, pois existem muitos mundos afora por ai. Enfim, queria ter coragem de fazer tudo isso. Mas eu seria apenas uma louca: uma louca, que perdeu a linha.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Tema da Semana: Perdendo A Linha

O que te faz perder a linha?


Esboço mínimo de possibilidades a se perder a linha:

Fila que não anda, quando passam a vez bem abaixo do seu nariz;
Funcionário público mal humorado, que não percebe que não está fazendo um favor, mas cumprindo sua obrigação;
Motorista de ônibus público que pensa estar carregando sacos de batatas;
Professor que facilita pra uns e dificulta para outros;
Peixe do chefe;
Produto falsificado vendido por original;
Traição de namorado;
Serviço telemarketing de atendimento ao consumidor;
Mecânico malandro;
Famosos que pensam ser Deus;
Desculpas esfarrapadas;
Fofoca de vizinhos;
Intriga no trabalho;
Amiga traiçoeira;
Colega interesseiro;
Religião dinheirista;
Político corrupto reeleito;
Maus tratos aos animais;
Pessoas arrogantes e prepotentes, falta de caráter;
Pedófilos e estupradores em liberdade;


Fernanda Bugai

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Carta À Mãe



Olá mãe, tudo bom? Puxa vida, como é complicado ficar sem Internet e celular, e nem ter dinheiro para ir a uma lan-house. Ainda bem que os correios estão por aí né? Salvando a vida daqueles que não tem muita grana... enfim. Pelo menos agora você não vai mais duvidar do meu amor por você né, mãezinha? Imagina, quando é que eu iria escrever uma carta para alguém? Hem? Nunca, pois é.
Então, deixa eu te contar o que aconteceu comigo ontem. Lembra que eu te falei que tinha conseguido um emprego novo, bem legal, na minha área, trabalhando como roteirista em uma agência de comunicação?
Eu comecei ontem lá, e nossa, mãezinha do céu! Que maravilha que é! Logo no primeiro dia, eu já tive que escrever 3 roteiros para comerciais... e o melhor: é SUPER perto de casa. 2 quadras só... vou andandinho, bem tranqüila. Sem contar a paz que é saber que não vou precisar andar de ônibus todos os dias né?
Enfim, deixa eu te contar logo o que aconteceu. Eu tinha acabado de sair lá da agência, estava toda feliz com meu primeiro dia de trabalho, etc... Já tinha escurecido um pouco sabe? Eram umas 6 e 15, por aí... Eu atravessei a rua, e fui pegar meu celular pra te ligar e contar tudo, quando uma moto parou um pouco à frente. Era uma ruazinha estreita, bem tranqüila e de só uma mão. Foi isso que estranhei... a moto tinha vindo na contramão e parou assim, do nada, ali perto de mim. E daí tinham 2 caras na moto, vestidos de preto e com capacete, um deles desceu e veio na minha direção. Eu já estava com o celular na mão, discando seu número, quando notei que ele estava querendo falar comigo. Não entendi o que ele dizia, então imaginei que ele me perguntava as horas. Mal tive tempo de olhar o relógio. Ele já tinha arrancado o celular da minha mão, e estava tentando puxar a minha bolsa. A MINHA BOLSA MÃE, AQUELA LINDA, VERMELHA DE BOLINHAS BRANCAS. E lá dentro, estava meu NETBOOK, mei IPOD, meus livros, minhas maquiagens, documentos, cartões, dinheiro, TUDO MÃE!
Fiquei desesperada. Olhei bem pra ele (tentei adivinhar aonde estariam os olhos por trás daquele vidro fume do capacete) e me esforcei para fazer a melhor cara de pobre coitada possível, e disse:
- Não, moço. Por favor, não faz isso.
Não adiantou, claro! Ele me empurrou, pegou a bolsa, voltou para a moto e saiu em disparada com seu parceiro, sem nem ao menos olhar para trás.
Fiquei ali, estática, me sentindo nua sem minha bolsa e sem minhas coisas. Quando pensei em choramingar, coloquei a mão nos bolsos e senti algo. Era um isqueiro... e mais no fundo, uma moeda de R$ 0,50. Fui numa banquinha que tinha ali perto, comprei um cigarro solto e sentei no meio fio. Fumei o cigarro inteirinho em menos de 5 minutos, e voltei para casa, pensando em você mãezinha. Em como seria bom se você estivesse ali comigo, para eu chegar em casa e você me fazer aquele Nescau batido.
Mas eu tô bem né? Isso que importa ...
Bem, a folha tá acabando e meu caderno também foi roubado. Tenho que ir.
Mil beijos pra você e pro Marcelo.
Amo vocês.







Letícia Mueller

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Palavras apenas






Naturalmente, não estou aqui para ensinar nada a ninguém. Estou aqui, naturalmente, para aprender.
Já não lembrava mais de onde eu tinha vindo e como fui criada, no dia em que me deparei com uma flor rara no caminho. A estrada já estava difícil, muitas pedras, as árvores secas e minha única muda de roupa manchada pelo pó que levantava do chão de terra todos os dias percorrido. Eu rezava pra chover, mas quando isso acontecia, sempre era demais e a secura virava lodo, que me segurava e tornava intensa a caminhada.
A flor era linda. Tinha pétalas macias e sua cor, apesar de já vista, brilhava mais com o sol e misturada ao formato a tornava única. Um jardim de rosas vermelhas não seria tão especial quanto àquela única flor. De longe, parecia uma miragem, parecia que não chegaria tão perto pra poder tocar. Naquela estrada seca, a flor parecia um oásis. Meus olhos ainda estavam ardendo, quando então pude sentir seu perfume. Imediatamente, uma sensação de paz tomou conta de mim, sem que eu pudesse ter previsto e minha alma se soltou me levando até o céu por um instante.
Eu poderia descrever o momento em que eu pensei em arrancar aquela flor dali e levá-la comigo pra sempre. Mas seriam palavras apenas. Palavras que não iriam contar sobre a doce loucura que é experimentar sentir. Eu senti naquela flor, um toque divino e a vi como jamais havia olhado outra antes.
Eu não tive coragem de tirá-la dali, tiraria sua seiva, arrancaria sua vida e a tornaria a minha flor morta. Então... fiquei. Estou aqui e até quando não sei... se eu soubesse não falaria e se eu orasse aos anjos, não diriam... palavras apenas, seriam.

Angelica Carvalho

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Ficar sozinho em casa


Você ouve barulhos que não existem

Você lembra de filmes que não deveria lembrar (principalmente aqueles que ladrões invadem a casa quando os pais viajam)

Você pensa em planos mirabolantes de fuga caso alguém invada sua casa ( e sempre acha que você vai se safar)

Você leva a faca para o banho e para dormir (aquela que seu pai usa para fazer churrasco)

Você se enfia embaixo das cobertas e prende a respiração para tentar identificar sonhos estranhos

Você não tem spray de pimenta, mas logo já pega aquele spray de cabelo super jato para jogar nos olhos de alguém que invadir sua casa e queira te enforcar

Você sempre escuta um barulho de gente abrindo o portão e entrando com o carro quando está no banho e desliga o chuveiro para ver se alguém realmente chegou

Você sempre grita "tem alguém aí?" quando ouve um barulho, na esperança de não ouvir nenhuma repostas

Você fica puto da cara quando lembra que deixou uma janela ou o portão do quintal aberto e não tem forças (coragem) para voltar lá e fechar

Você sempre tem a sensação de que alguém está te observando (vai que numa dessa seus pais tem cãmeras escondidas na parede)

Você anda com velas e uma caixa de fósforo no bolso em dias de chuvas

O pior de tudo é fazer um texto desse sabendo que se está sozinho em casa. Putz!Nunca leia este texto quando estiver sozinho. Se está, olhe para o lado agora!



Bianca Nascimento

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Iminência


Quanto vale uma perda? E de antemão aviso que não estou falando em danos morais. Mas quanto vale a perda de alguém que amamos, de uma coisa que muito desejamos, uma oportunidade aguardada, quanto vale um momento desperdiçado?
Que o tempo não volta atrás já sabemos, que temos que aproveitar cada dia de nossas vidas também sabemos, e que devemos amar as pessoas e usar as coisas, são coisas repetidas sempre e principalmente nesse contexto humanitário que se manifesta, mas perdas são sempre perdas e são sempre dolorosas.
É claro que a dor varia em cada pessoa, em cada circunstância, perder o emprego, perder um anel de ouro, perder o namorado e perder para a morte, são por igual perdas, mas diferentemente valoradas. A perda é tão relativa,que talvez seja o ser humano relativo demais, a ponto de relativizar as perdas, posto que no âmago de cada um a perda tem sua valoração única e inestimável.
Mas antes de perder há um sentimento pior: a iminência, esse medo de perder alguma coisa ou alguém que amamos faz-nos cometer loucuras por vezes incometiveis em sanidade, adquirimos força, fé, coragem, nos apegamos e deixamos de lado, agimos irracionalmente, tudo na expectativa da salvação, do incerto, no desejo de manter a realidade anterior, de evitar que o futuro aconteça. Sentimos vontade de congelar o presente ou retornar ao passado, e, inevitavelmente isso não acontece, mesmo que os gestos se concretizem e os sentimentos aflorem, na maioria das vezes somente quando a iminência da perda é catastrófica.
Por vezes temos a sorte de como num lapso de loucura, parecer que conseguimos ajustar os acontecimentos, outras vezes o destino nos prega peças e traz-nos uma nova realidade, diminuída, em pessoas, em tamanho ou em coisas, uma nova realidade incompleta que nos obriga a pensar no passado, a lamentar a tentar voltar atrás e evitar, implica na vontade de fazer tudo diferente., ou ainda tem gente que segue adiante sem olhar para atrás.
Ainda que o medo da perda nos tenha feito prometer céus e terras - e cumprir cada promessa já depende da consciência de cada um - ou talvez nem tenhamos o tempo de sentir o medo da perda e ela apenas aconteça, abalados ou não, melhor pensar que tudo ocorre no momento e na maneira em que deveria acontecer.


Fernanda Bugai