Mal tinha chegado ao mundo e já sabia que o golpe era velho. Do alto de seus três anos e meio, a esperteza já paquerava com a curiosidade e fazia cair seu garfo no chão, acidentalmente claro. A irmã, dois anos mais velha, já conhecia bem os planos do mano, botando a mão na cintura como uma mocinha irritada. Nada que mudasse os planos (e o vício) de Edinho, que agora vislumbrava a fileira de pares de joelhos, panturrilhas, coxas, meias finas, sapatos de salto alto e, vez ou outra, uma tornozeleira para fazer charme e roubar sua atenção de moleque que quer brinquedo. Saiu engatinhando e apreciando os perfumes e linhas esguias das ex-colegas de faculdade da mãe. As fofocas e barulhos do restaurante em nada desviavam sua atenção. E as calcinhas... hmmmmm, as calcinhas! Tantas cores, tantos modelos. Por que será que Edinho adorava as calcinhas? E será que o que adorava era mesmo as calcinhas? Sentia-se mais atraído pelas de cor vermelha, porque se destacavam na cabaninha formada pelas saias. Mas seu pouco tempo de vida não o impedia de ser eclético. Gostava também das amarelas, que pareciam reluzir na escassa luz que chegava por baixo da mesa, e daquelas azul-bebê (até então ele desconhecia que a cor também era chamada de azul-calcinha). Aquelas cor-da-pele o deixavam confuso. Parecia que não havia calcinha. Ficava pensando em como seria não ter pipi. Aliás, queria saber o que havia ali, já que não havia pipi. Desviou de uma ou outra, porque ficou com medo do azul de varizes serpentiando em uma das pernas, ou das gordurinhas a mais de uma colega de mamãe que parecia se acomodar em duas cadeiras ao mesmo tempo. Chegou então ao fim do corredor de calcinhas e deparou-se com a ponta da mesa, onde supôs haver a calcinha master: um par de pernas roliças, sapatos salto agulha tão finos que eram quase ameaçadores, meias tão transparente que Edinho jurava inexistirem e uma saia roxa que cobria seu obscuro objeto do desejo. De súbito, as mulheres todas gargalham simultaneamente de alguma piada ou recordação de faculdade (possivelmente alguma que Edinho não poderia ouvir). Relaxada, a mulher da ponta da mesa vai abrindo suas pernas lentamente, descortinando seu par de coxas musculosas para a apreciação de um modelo que Edinho nunca havia visto antes, uma obra de arte, uma lingerie que lhe magnetizou o olhar, cobrindo um mistério que no futuro magnetizaria todos os seus atos, desde a procura do primeiro emprego até a dolorosa cirurgia para contensão da sudorese. Mas eis que surge sua proprietária, enfiando a face carrancuda por baixo da toalha de mesa: sua mãe. Não pelo semblante de fúria, mas sim pela reação interior de estranha repulsa pelo próprio desejo, Edinho escancara um choro alto e copioso, arregaçando uma bocarra larga e cheia de dentes de leite. A mãe furiosa o pega no colo fazendo as demais mulheres se derreterem em ternura. Suspiros por toda a mesa enquanto a mãe acomoda seu rebento sobre a coxa direita, exigindo que coma algo para fazer engolir o choro. O menino não quer olhá-la, naquela noite descobriu a vergonha. A mãe puxa suas mãos de frente dos olhos e exige que se recomponha. Ele obedece, vai parando de soluçar aos poucos e passa a beliscar as alcaparras, sem ainda levá-las à boca. Então, a mãe se dá conta: tira com rapidez o garfo da mão da criança. Seu nome pode ser Edinho, mas ela não tem a menor vocação para Jocasta.
Mario Lopes
Mario Lopes
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