Grrrrrrrrrrr!!!!!!
Entre no orkut e digite, no campo de pesquisa, a palavra “odeio”: você verá que há uma infinidade de comunidades com títulos afins, tendo alvos de ira que vão de segundas-feiras e filas a gente fedida e baratas. E todas com milhares ou milhões de integrantes: a “Eu odeio gente que se acha”, por exemplo, caminha para os dois milhões de rancorosos. Faça a mesma pesquisa no Google e você terá a perturbadora constatação de que há mais de quatro milhões e quatrocentos mil sites dedicados a fazer gente espumar pela boca. Tem até um voltado ao ódio a vizinhos (verifique se os seus não o acessam).
Todos amam odiar. Vão ao cinema para odiar, ligam a TV para odiar, se reúnem e comungam opiniões para odiar, odeiam o espelho, odeiam o Bush porque ele odeia o mundo árabe, odeiam quem não odeia aqueles que odeiam a paz mundial, odeiam não conseguir odiar mais. Não bastasse brotar naturalmente, o ódio é ainda ateado como combustível para inflamar ações sociais por razões meramente pessoais ou pérfidas. Instiga-se o ódio pelos motivos mais nobres: pelos amigos, pela família, pela pátria... por Deus. José Roberto Torero, um dos maiores roteiristas do cinema brasileiro, em seu livro “Xadrez, Truco E Outras Guerras” (da série Plenos Pecados, projeto que reuniu grandes nomes da nossa literatura contemporânea), apresenta um capelão que dá sermão aos combatentes antes da guerra com uma apologia motivacional em nome da ira: o religioso, insuflando a raiva sem culpa no batalhão, explica que o ódio é o único pecado capital elogiado por Deus, citando inclusive passagens do Livro Sagrado em que Ele consente com o sentimento de cólera contra o semelhante. Em outras palavras, para criar um escudo moral em torno do ódio, é possível manipular até o “amem-se uns aos outros” transformando-o em “olho por olho, dente por dente”. Isso mostra que, apesar de ser o mais grotesco deformador de caráter, o ódio é um hábil mestre dos disfarces. Geralmente, o direito de defesa é o mais dissimulado álibi da crueldade. Todos temos nossas torres gêmeas, nossa Faixa de Gaza, nossa Pearl Harbor.
A banalização do ódio também progride em escala geométrica ano a ano. Nossos games já não são mais tão sangrentos, nossos vilões já não são tão maldosos. A jornalista Barbara Gancia, em entrevista para a Band News FM, declarou que o Coringa vivido pelo finado Heath Ledger faz o encarnado por Jack Nicholson parecer o Ronald McDonald. Então, com quem se parece o Coringa do antigo seriado da TV? A resposta é simples: conosco. Nosso ódio é pífio e arcaico como anedota antiga, não vale uma piscadela do Batsinal. Sim, porque o Ronald McDonald apenas se faz de inofensivo, já que consome milhões de cabeças de gado para produzir um sem número de obesos. Somente um pícaro sádico natural de Gothan City seria capaz de planejar colossal sandice. E nós, o que somos? Nossas piadas são inofensivas, nossos cintos só têm a utilidade de não deixar cair a calça, nem sabemos odiar direito. Pelo menos o vilão da TV tinha um caso com a Mulher Gato. Nessa trinca de Coringas somos carta fora do baralho.
O cinema é generoso em oferecer modelos de comportamento cuja virilidade é cunhada no ódio. O boxeador/justiceiro/empresário/engraxate está sendo derrotado quando alguma atitude arrogante ou maldosa do antagonista inflama seu ódio, que emerge como o espinafre do Popeye para fazê-lo vencer o oponente de forma humilhante. Tudo com baldes de vingança cheios até a boca: o adversário cai numa máquina de moer carne, é confinado numa prisão de doentes mentais, tem seus membros amputados por uma matilha de cães raivosos, entre outras variantes febris pelo excesso de testosterona. Que sirva de lição a todo aquele que não for bonzinho como o herói. O próprio Quentin Tarantino, o maior esteta contemporâneo da crueldade, afirmou em uma luxuosa coletiva em Cannes: “amo a violência, chego a achar que Thomas Edson inventou o cinema só para filmá-la”. Cometeu dupla violência simultaneamente: uma contra o bom senso e outra contra a história do próprio cinema. Nessa profusão de ídolos truculentos, não há quem não seja afetado, pois o comportamento arrogante de quem odeia é contagioso pelo vasto, imediato e flagrante poder de fogo que ostenta. Tanto pior para os adolescentes, que na busca por se auto-afirmar tatuam o corpo, pipocam o rosto com piercings e se obrigam a comprar CDs com o diabo fazendo pose na capa. De forma destrambelhada, tentam mostrar que odeiam com estilo. O ódio se torna código de respeito, primo-irmão do medo, que é o passaporte para a aceitação. E até para a liderança.
Essa compulsão coletiva em favor do ódio se deve a vários motivos: é uma manifestação interior que parece nos distinguir e nos unir ao mesmo tempo, o que explica a ascensão dos skin heads; nos dá sensação de força, afinal poucas ondas são tão destrutivas quanto o ódio (vide Iroshima e confirme com Nagasaki); é algo natural, vindo dos nossos ancestrais que rivalizavam nas copas das árvores e nos lembrando de nossas origens em cada gota de sangue que ferve; não requer prática nem tampouco habilidade (é mais fácil cultivar uma planta ou pisá-la?); e ainda por cima é uma catarse, pois a ira ao menos dá vazão ao inconformismo, é um tipo de resposta ao meio que nos faz parecer resistentes, não coniventes e até aliviados de nossas culpas pela inatividade e de nossas frustrações pelo sentimento de impotência. Odiar é como uma opção libertária, uma entrega, um “eu me rendo” para os próprios instintos. E é uma escolha que encontra lógica na própria cadeia predatória, na luta do mais forte, na evolução darwinista. O impiedoso sobrevive porque não sucumbe à compaixão, afinal ela o fragilizaria e atenuaria seu grau de letalidade. O ódio parece nos fortalecer. Ledo engano. O ódio mata a mão que o alimenta, dá câncer no corpo e na alma. Envenena lentamente e devora seu progenitor. Ódio se alimenta de mais ódio, e só é possível dar lenha a esse ciclo vicioso com dor e angústia. Sem sofrimento, o ódio fenece. Além disso, ele nunca será uma alternativa racional, porque qualquer animal sabe dar vazão a seu lado ferino, mas só um ser humano é capaz de amar incondicionalmente.
Incrível notar que muitas vezes até movimentos sociais bem intencionados são acometidos pela tentação do ódio para se expressar. Em uma ocasião, Rosângela Gnipper, presidente da SOS Bicho, ONG criada para proteger animais de toda espécie e que já sofreu ameaças de circos e empresas de locação de cães, se manifestou contra o movimento “Rodeio” (com um xis no “R”) por considerar inoportuno qualquer tipo de conduta que instigue intolerância nas pessoas. E isso mesmo com rodeios, um dos “esportes” mais abjetos que a crueldade humana teve a pachorra de travestir de entretenimento. Ódio não se combate com ódio. “O contrário do amor não é o ódio, e sim a indiferença”, já apregoava Luís Fernando Veríssimo.
Obedeçamos as sábias palavras de nosso mais irreverente e querido intelectual dos pampas e deixemos de lado este assunto que causa náusea só de ser evocado em texto. Então, não para desviar do tema e sim para exorcizá-lo, aqui vai o top five daqueles que são, possivelmente, os mais belos videoclips já criados sobre o amor. Felizmente há muitos clips que abraçam o tema, mas o critério aqui foi “only love”, com nada que emane ira por parte dos protagonistas. Não são videoclips, são bálsamos para olhos, ouvidos e alma.
All Is Full Of Love – Björk
Mais fantástico do que os efeitos especiais, só mesmo a mensagem. Repare que os robôs não têm sexo. Ah, é óbvio, robôs não têm genitália. Que bom que você se deu conta, sinal de que será ainda mais fácil de entender o recado. Perceba também que somos iguais aos personagens do clip: creatures of love, como diria David Byrne do Talking Heads; bonecos de carne, como se intitulava um extinto grupo vocal curitibano; monkeys going to heaven, como cantava Black Francis do Pixies; tears in the rain como afirmava o andróide vivido por Hutger Hauer em “Blade Runner”. Sim, andróide.
Coffee And TV – Blur
Também conhecido como “o clip da ‘leitinha’” (assista e entenderá). A letra é uma ode ao ócio, mas a idéia do audiovisual vai para um viés extremamente inusitado. Enquanto uma família se lamuria por um ente desaparecido, alguém insuspeito resolve tomar providências. Um recado subliminar contra a fraternidade sedentária. E é tudo muito divertido, despretensioso. Não tirou o trono do clip “Crazy” (do Aerosmith) como o mais querido da audiência da MTV, mas bem que merecia. E o final é de aplaudir em pé, pedindo benção. Dizem que Bento XVI está estudando uma canonização...
All The Same – Sick Puppies
Um clip-documentário contando a história real de Juan Mann e sua campanha "Free Hugs". Ele saía pelas ruas de Sidney oferecendo abraços gratuitos, anunciados por um cartaz feito à mão. As autoridades o proibiram de prosseguir com este movimento, considerado um tanto “excêntrico”. Só que toda a população se envolveu arrecadando assinaturas em defesa de Mann. Confira você mesmo o resultado. Ao invés de desintegrar a manifestação, a intolerância acabou por disseminá-la pelo mundo. Não estranhe se ver no centro da cidade alguém oferecendo abraços. Pelo contrário, abrace.
Standing Outside The Fire – Garth Brooks
Tema dificílimo o trabalhado aqui. A música fala de superação, sendo assim, um criativo que quisesse se promover com a produção de um material de luxo e riqueza estética certamente optaria por narrar a história de um super atleta, de um alpinista ou mesmo de um grande pop star, quem sabe o próprio Garth Brooks, que passou de publicitário a ídolo da música. Porém, o caminho narrativo escolhido foi justamente o oposto. Uma pessoa comum (ou melhor, especial) participando de um desafio destinado aos mais fortes e bem preparados. Para quem gosta de heróis de verdade.
Lyric – Zwan
Billy Corgan, em seu projeto pós-Pumpkins, tem a coragem de empunhar um violão, juntar seus amigos e sair pelas ruas conduzindo uma multidão que ergue cartazes com dizeres como “Love”, “Faith”, “Smile”, “Hapiness”, “Hope”, entre outros termos demodê, como nos melhores tempos do Power & Flower. Sem nenhum pudor ou embaraço pelo ceticismo de um mundo refém e amante da violência, ele une a energia mais poderosa do universo (a música) com a força mais maravilhosa do cosmos (o amor) para dizer “sim, eu acredito” na cara dura. E que o sigam os bons.
Mario Lopes
domingo, 3 de agosto de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
2 comentários:
Dear Mário,
Que belo texto hoje... o humanismo, acredito eu, sempre fez parte de você mas vê-lo transformado em palavras sábias e numa pesquisa digna de palmas de qualquer platéia é uma alegria para um domingo frio e chuvoso.
Depoimento pessoal: acho que tem pouquíssimas coisas que de fato odeio nesse mundo, acho esse sentimento triste e desnecessário. Procuro evitá-lo mas de fato, respeitando o Veríssimo não há nada pior do que a indiferença... Acho que ela está até mais arraigada no nosso mundo do que o próprio ódio. Consentida ou não, grande parte dos nossos problemas e dos problemas do mundo podem estar relacionados a ela... e os reflexos são aí o bálsamo para a indústria farmaceutica: pilulas da alegria para que a gente acredite que a felicidade deve ser um sentimento permanente e tão lindo quanto um comercial de margarina... Um IT das nossas vidas ... rsrsrsrsrsrs
Prefiro a chuva no rosto, chorar como um menininho quando tenho vontade, suportar a dor nos momentos em que ela vier e ver a vida como ela é...
"A alegria não está nas coisas: está em nós."
Essas aspas tem um motivo. Alguém patenteou essa frase. rsrsrsrs
W.Allen
Obrigado sinceramente pelas palavras. Quanto à frase, minha única consideração é que considero haver diferença em alegria e felicidade. Alegria pode ocorrer a qualquer momento e durar por um certo tempo, quem sabe anos (desde uma bala até um casaento). Já felicidade é constante, podendo variar muito tenuamente o nível de contentamento, o que é muitíssimo mais raro. Então, a frase eu mudaria para: "a alegria está nas coisas, mas a felicidade está em nós". Abraço e supersemana que temos nós dois atividades para realizar aplacando a dor e, consequentemente, a ira.
Charlie
Postar um comentário