domingo, 8 de março de 2009

Oh, vida...


Terminou de arrumar a mala mas sabia que estava esquecendo de alguma coisa, só não sabia o que. Foi até a cozinha, sua namorada saiu do banheiro e veio a seu encontro dando um selinho sem graça de “bom dia”. Sentaram-se e ele percebeu que seu decote na blusinha era tão generoso que parecia que seus mamilos iam cair na xícara de café. Comeu o mamão por ser saudável, mas estava amargo, longe do padrão que a mercearia do seu Nicolau costumava oferecer. Pensou em adicionar açúcar, mas lembrou de seu hemograma e dos conselhos do médico. Terminou a medíocre refeição, foi para seu quarto e, como já estava quente, resolveu trocar os tênis por chinelos: operação inválida, as tiras haviam se soltado e ele teria de andar com calçados fechados o final de semana todo, mesmo na areia. Apressou sua namorada para saírem, não queria pegar trânsito, mas ela ainda tinha de se maquiar e essa manobra costumava durar mais tempo do que arrumar as malas (e ela havia feito duas malas, uma para roupas, e uma frasqueira para “extras”, que ele nunca entendeu bem o que eram). Enquanto sua garota se esmerava no rimel, ele teve a idéia de tentar tirar aquela manchinha desagradável que obstruía sua visão no óculos de sol, mas não deu certo, aquele tal limpa-tudo era tão eficaz que lesionou a película protetora e fez um dano irreversível na lente esquerda. Para acelerar a saída, resolveu já ir levando as malas para a o carro e foi então que percebeu que teria de fazer “duas viagens” devido ao peso. Na primeira levou sua mochila e os “cacarecos” da namorada, sentindo que seria vítima de comentários maldosos dos vizinhos que o vissem carregando uma frasqueira rosa e uma mala lilás. Na segunda, foi a vez de seu violão, cujo encordamento novo ele esquecera de comprar, e da mochila do notebook, cuja bateria ele esquecera de recarregar. Ela saiu do banheiro com uma sainha tão curta que todos os barqueiros de Pontal iriam se oferecer para lhe dar a mão na entrada da embarcação. Certificaram-se de que as janelas estavam todas fechadas e deixou o dinheiro para a diarista em cima da mesa (a mais do que o de praxe, já que ela havia pedido aumento, e ele não tinha como negar pois não vivia sem seus serviços). Já no carro, ouviu um barulhinho estranho no motor quando girou a chave na ignição, mas não havia o que fazer, era arriscar ou ficar em casa, apreciando o feriado na cidade vazia. Na saída para a estrada, percebeu que não conseguiram evitar o engarrafamento. O calor levantou uma fedentina próxima à perigosa favela que margeava a rodovia, justamente no ponto em que mais demoraram no engarrafamento. Começaram a vir também os insetos, e então ele se deu conta de que não havia comprado refil para o Protector Elétrico, o que significava noites em claro tentando matar os pernilongos a toalhadas no quarto da pousada. Foi quando também se lembrou de que esquecera de desativar o despertador automático da TV, o que significava que, na manhã do dia seguinte, o aparelho iria ligar sozinho e assim iria permanecer, para deleite de suas almofadas, únicas telespectadoras na casa para os salutares ensinamentos do programa Globo Ecologia. O trânsito começou mesmo a fluir quando o sol já estava a pino e seu braço esquerdo já dava garantias de que ficaria bem mais moreno que o direito (ou mais assado). Mais adiante na estrada, os postos de pedágio para pagarem os buracos que um dia ainda virão a ser tapados, os donos da concessionária garantem. Parada para um xixi básico naquela lanchonete de beira de estrada cujo chão é aconselhável se pisar com pernas de pau. Sua namorada queima a boca no bafo do pastel e garante que por conta disso não poderá beijar pelos próximos dois dias, passando em seguida uma pomadinha contra assaduras que guarda na frasqueira rosa. Retomam a estrada e, já próximos de Pontal, o tempo começa a virar e nuvens negras e ameaçadoras se fazem presentes no horizonte. Entram na barca e o mar está tão mexido que ele sente o mamão amargo voltar à sua glote, epiglote e parte posterior da língua. Chegam na Ilha e tem de desembarcar na água mesmo, pois o trapiche está em reformas. Ele molha sua calça, mas já não se importa, pois está começando a chover mesmo. Ela reclama que sua mala e sua frasqueira encheram de água pelos barqueiro descuidados. Caminham com os calçados fazendo barulhos esquisitos ao expulsar de seu interior a água salobra a cada pisada. Chegam na pousada e ele então retoma aquele pensamento tido ainda em casa, quando teve certeza de estar esquecendo algo, só não sabia o que: “cadê meu cartão de crédito?”. Enquanto tenta ganhar a confiança da atendente e negociar o violão como parte do pagamento, sua namorada o pega pelo braço e o puxa para um canto: “estou com enjôo. E não é por causa da viagem na barca”. Ele não sabe se ri ou se chora. Ou se faz ambos.

Mario Lopes

9 comentários:

Anônimo disse...

nessas horas eu prefiro mesmo acreditar que é muito melhor num ter uma pessoa sempre na cola.
ou que não ter uma frasqueira pode mudar sua vida.


ótimo texo.
adore o blog.
virarei visitante assidua.

Anônimo disse...

Que ótimo, Day, ficamos felizes em saber. E se tiver interesse em escrever no blog, por favor, manifeste-se porque há espaço para novas colunistas.
Beijo e supersemana.

ario

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Não entendi os comentários, Cá.
Beijo.

Mario

Unknown disse...

Ops Guto, deixei os comentários no tópico errado, desculpe!
(por isso apaguei as mensagens)

Parabéns, você como sempre, com excelentes textos para animar nossos domingos.
Beijos.

Unknown disse...

E falando em garota com enjôos, etc e tal... vai mais uma piadinha (essa é boa)! rs

A GRAVIDEZ

"A garota de 17 anos diz para a mãe que a menstruação está atrasada há 2 meses. Super preocupada, a mãe vai à farmácia e compra um kit exame de gravidez para a filha e o resultado é positivo.
Aí começa a confusão:

— Quero saber quem foi o canalha. E agora, vá já falar pro seu pai!

A garota pega o telefone e faz uma ligação. Meia hora depois, para na frente da casa uma Ferrari último modelo e sai um tipo maduro, cabelos meio brancos, vestido com um terno elegante.
Já na sala, o homem se senta na frente do pai e da mãe da moça e diz:

— Bom dia. Sua filha já me informou do problema. Devido à minha situação familiar, eu não posso me casar com ela, mais cuidarei de todos os detalhes! Se for menina, posso dar 3 lojas, 2 apartamentos, uma casa na praia e uma conta com 500.000 dólares. Se for menino eu dou 2 fábricas e a conta com os 500.000 dólares. No caso de serem gêmeos, também vou dar as 2 fábricas e 250.000 dólares por cabeça. Mas no caso de um aborto...

Nessa hora, o pai da moça, que estava calado o tempo todo, se levanta, põe a mão no ombro do homem e diz:

— No caso de acontecer essa tragédia, você a come de novo"!!!

Anônimo disse...

Cá, sua marota. rs
Beijo.

Mario

Larissa de Freitas disse...

caraca! que dia de cão!