Puro Som, Som Puro.
O feto adormece embalado pela suave cantiga de ninar que sua mãe entoa, tão suave quanto carinhosamente. E por onde ela passa, ele ouve sons dos mais diversos. Alguns agradáveis, outros, nem tanto. E assim, desde os primórdios, o ser humano habitua-se a ouvir e a selecionar o que mais lhe agrada (ou não).
Ao jogar-se destemido pelo mundo, ouve uma melodia que fatalmente o acompanhará dias afora: o choro, o som da própria voz. E enquanto cronos impiedosamente passa, a criança cresce e aprende a usar outras manifestações artísticas, amantes e acompanhantes da voz: dança, pula, movimenta-se, interpreta. Aprende a usar a própria voz como instrumento musical.
Na infância, os gostos começam a aprimorar-se. A socialização na escola abre novos horizontes, incrementa a veia musical. Conscientemente então, a música passa a lhes envolver, a lhes pertencer. É a fase em que docemente, inocentemente, cantarolam: “A dona aranha subiu pela parede...”. E a doce inocência nos remete à nossa própria infância e nos lembramos dos sons que nos embalaram. Da cantiga de ninar, inteiramente pessoal, às músicas da cultura de massa, que encantaram gerações. Assim, as felizes crianças da década de 1980 cantavam e se encantavam com a “Turma do Balão Mágico”, “Os Abelhudos”, o “Trem da Alegria”, os “Menudos” (a primeira paixão de muitas adolescentes), ou o Toquinho, cantando: “Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo”... Acompanhada da propaganda da Faber Castel, com os desenhos ganhando vida.
Então, quase sem querer, nos reportamos ao passado, época em que não tínhamos que cumprir horários, que não precisávamos preservar nossa imagem, ou zelar pelas nossas responsabilidades. Época em que ganhávamos o colo dos pais impunemente e que recebíamos beijos maternos em nossas feridas. Época em que as brigas com nossos irmãos eram travadas com a mesma intensidade com que os abraçávamos alguns minutos mais tarde. Época em que as brincadeiras eram embaladas com as músicas que decorávamos, cantando-as até a exaustão. A música nos liga ao mundo onírico da infância. É a ponte que percorremos, corremos, então. Atiramo-nos extasiados e sem fôlego, entregamo-nos às lembranças, com um sorriso bobo, feliz e sincero nos lábios. Lábios com gosto de chocolate, de sorvete e de inúmeras guloseimas. Lábios que cantam, encantados.
E, nesse momento, despertamos de nossos devaneios e nos apiedamos das novas gerações que embalam-se ao som nada sutil dos Calipso's da vida, ou a mais-nova-fankeira-barraqueira-da-hora. Com versos paupérrimos e apelativos seduzem os pequeninos. E muitos pais incentivam – seja por comodismo, falta de cultura ou indiferença – a desmoralização musical a que os filhos estão submetidos.
De que sentirão saudades? Que relíquias tirarão de sua memória musical?
Mas, parafraseando Russo, quando tudo está perdido, sempre existe um caminho. Deixemos nossas expectativas, esperanças e frustrações de lado e ouçamos o que nossas crianças ouvem. Afinal, sempre é bom ouvirmos, sentirmos e olharmos o mundo com os olhos puros de uma criança.
Rubia Carneiro
sábado, 21 de novembro de 2009
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3 comentários:
Bem tocada a parte da "desmoralização musical", Rubia. A trilha do Sitio do Pica Pau Amarelo dos anos 70 tinha Dorival Caymmi, Gilberto Gil, Chico Buarque, entre outras celebridades da MPB; na década seguinte tínhamos especiais musicais com Raul Seixas, Maria Bethânia, MPB4 e homenageados ilustres como Vinícius de Moraes. De lá para cá, bom, fora o Castelo Ra Tim Bum, fica difícil...
Mandou bem, beijo.
Mario
quiÉ muito triste pensar q pelo jeito, as coisas vão piorar... pelo menos do que depender da mídia. Cultura custa tão pouco... mas não dá ibope.
Beijus
Rubia.
Ô saudades da minha infância...
Beijos!
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