Três vésperas
As duas amigas se deitam no quarto: Selma na cama de solteira, Elis no chão, preparando-se para dormir, mas ainda sem sono devido ao excitante da véspera do casamento. Selma aprecia seu vestido de noiva, cuidadosamente pendurado e ostentando toda a opulência natural do tecido brilhante e avolumado. Ela suspira.
- Amanhã é o grande dia, Elis.
- Amanhã é o grande dia, Selma.
- Como num sonho.
- Tudo perfeito. Todos os preparativos. Todos os detalhes.
- Tudo.
- Quase tudo.
- Como assim?
- Faltou você fazer a despedida de solteira.
- Isso eu sempre disse que não faria.
- Tá, tudo bem, mas e se fizesse, como queria que fosse.
A possibilidade excita Selma, que agora se vira de lado para poder olhar melhor a amiga deitada no colchonete.
- Hmmmm... eu ia querer um cara bem gostoso.
Elis também se empolga e vira de lado, na direção da noiva amiga.
- Gostoso como?
- Ah, gostoso-gostoso, ué. Com tudo no lugar, sem barrigão, lógico, com coxão grossa, ah, você sabe, tudo no tamanho certo.
As duas riem, depois se segurando para não acordar o resto da casa, que tem hóspedes vindos de lugares distantes para a cerimônia seguida de festa. Elis não parece satisfeita.
- Tá, conta mais. E aí, o que queria que o cara gostoso fizesse na sua despedida de solteira?
- Bom, que a gente saísse pra dançar.
Depois de um tempo de silêncio, Elis resolve indagar.
- Só?
- Hmmm... mas seria A dança. Ele só pra mim. Um cara que não tivesse vergonha de fazer strip, de dançar na minha frente, rebolando, rebolando.
- Que mais?
- Que me desse um banho de champanhe. E que eu bebesse na boca dele.
- Hmmm... tá esquentando.
- Ah, teria de ser um atleta sexual. Que me desse prazer a noite toda.
- Uau! Tá ficando bom.
- Sabe o cara que tem pegada? Esse mesmo. Que me jogasse na cama com força. Que falasse muita sacanagem no meu ouvido. Que fizesse de tudo comigo, me virasse do avesso.
- Uhuuuuu!!!
- É, deixava até me dar uns tapas se ele quisesse.
- Nossa, cara bruto.
- Não, seria delicado também. Ele me abriria a porta do carro, seria culto, inteligente...
- Uf! Até deu um calorão.
- Ele poderia até me xingar se quisesse.
- Selmaaaa!!!
- Xingar com respeito, claro.
- Sei...
- Queria fazer com ele tudo aquilo que eu não confesso pra ninguém.
- Tipo o que?
- Tipo tudo!
- Suruba?
- Tudo entre quatro paredes, eu quis dizer.
- Mas suruba pode ser entre quatro paredes.
- Tá, tudo a dois, pronto.
- Tudo? Nem que fosse nojento?
- Tudo, eu já disse.
- ...
- (suspiro)
- E onde seria essa farra toda?
- Em qualquer lugar. Com um homem assim, não precisaria de lugar especial porque todo lugar seria especial. De banheiro de boate a festa de quermesse.
- Tá. E o que você vestiria?
- Alguma coisa fácil de rasgar.
As duas gargalham e uma faz “shhhhhh” para a outra antes que acordem a casa toda.
- E como é que ele iria te excitar?
- Esse homem me excitaria só com a presença dele. Com o jeito que me cuidaria e me protegeria. Sabe, até um casaco colocado nas suas costas numa noite de frio faz isso.
- Uauuuu...
- Mas ele também saberia tocar meu corpo do jeito certo pra me deixar em ponto de bala. Seria um expert em massagem, seus dedos ativariam todas as minhas zonas erógenas! Bzzzzzzzzzz!!!
- E vocês beberiam o que pra descontrair?
- Eu já disse que seria champanhe. Só que nossos corpos é que seriam as taças. E quer saber de uma coisa?
- O que?
- Eu beberia... dele.
- Selma, sua indecente!
- Até a última gota.
- Se um certo noivo descobre... hi hi hi.
- Você nem seja louca!
- Claro que não, tô brincando. Ei, e brinquedinhos de sex shop?
- Não sei. Mas eu iria adorar ir com ele fazer compras com um carrinho de supermercado.
- Calcinha comestível?
- Todos os sabores.
- E as posições?
- Ah, ele iria querer experimentar o kama sutra completo!
- Nossa, um homem assim rende dependência química. Uf!
- Tudo bem. Se a gente estivesse distante, bastaria eu pensar nele e puf! Todo o meu corpo entraria em estado de alerta. Eu ligaria pra ele e só a voz já me deixaria toda arrepiada. A distância só aumentaria nosso tesão.
- Tá, mas a gente tá falando de uma noite só. Ficaria na memória e acabou.
- Sabe que eu acho que até me deixaria filmar transando com ele?
- Você tá louca?!
- Pra ficar pra posteridade. Eu confiaria nele. Estaria entregue, Elis.
- E se ele te amarrasse?
- Hmmmm... teria de me vendar também.
- Que medo.
- Que excitante.
- Conhece alguém assim?
- Não sei, talvez.
- Talvez?
- Ele é raro, mas existe. Ele é diferente.
- Diferente como?
- Ah, não ficaria vendo futebol nem tomando cerveja com os amigos.
- Selma, você me inflamou, mas agora a gente tem de dormir, né?
- Não acharia que tenho problemas só porque gosto muito de sexo.
- Selma, vamos dormir pra amanhã você ficar bem pro casamento?
- E não trocaria um jantar romântico por uma happy hour com o pessoal do trabalho.
- Já são quase onze horas.
- Eu queria um homem assim. Que não ficasse me dizendo “ei, você vai ser mãe de família”.
- Vou contar até três.
- Meio poeta, meio estivador.
- Um...
- Um homem que uma noite só fosse pouco.
- Dois...
- E que cada noite valesse por uma vida.
- Boa noite, Selma. Amanhã é o grande dia.
- Amanhã é o grande dia.
Elis apaga o abajur, deixando Selma a pensar mais do que deveria.
...
O avião em breve começaria a taxiar pela pista. As luzes lá fora formavam as margens de um caminho que se perpetuava no céu noturno. O comandante já informava as condições do tempo enquanto Carol selecionava a música de partida em seu MP3. Lembrava da noite anterior e achava graça de sua despedida de solteira: em mesa de bar, tomando guaraná e chupando drops de cereja com um amigo. Não era bem um amigo. Mas também nunca foram nada além de amigos. A diferença residia no plano das intenções. Talvez mais de um do que de outro, talvez só de um e não de outro, ela nunca iria saber. Passadas mais algumas horas e milhares de quilômetros, seria uma mulher casada. Quando a nave começou a se movimentar e Carol lembrou de desligar o celular, percebeu que nele havia uma mensagem de texto: “Você esqueceu de algo: eu”. Ao olhar para o extenso mirante envidraçado de onde os familiares avistavam seus entes saindo do chão, ela teve a certeza de que alguém a observava.
...
Estavam várias ex-colegas de faculdade reunidas em um restaurante depois de dez anos da colação de grau. Após o jantar, voltaram a formar as velhas panelinhas e um grupo de três agora senhoras passou a colocar em dia uma década de notícias. Começaram falando da vidinha de casadas, mas logo pularam para os momentos vibrantes em que dividiam a mesma sala de aula: as festas, os porres, os namoros, as histórias inenarráveis e, fatalmente, acabaram caindo no assunto da despedida de solteira de cada uma. Não demorou para a conversa se tornar um misto de confidências sussurradas com gargalhadas agudas que atraíam os olhares das mesas próximas. Também não tardou para o assunto gerar uma competição não assumida de quem teve a despedida de solteira mais anababesca. Orgias, poções extravagantes de álcool e testosterona, homens de bíceps firmes e membros colossais, apetrechos sexuais de todos os modelos e tamanhos, prazeres inconfessáveis, peripécias em ambientes especialmente decorados para a ocasião, feitos incompatíveis com moças de fino trato, enfim, experiências só permitidas uma vez na vida e nunca mais. E, claro, a indagação que não queria calar: se o marido de cada uma ficou ciente daquela noite de luxúria socialmente consentida. Discretamente, uma outra ex-colega de faculdade acompanhava as narrativas com um sorriso complacente no rosto. Ao pedir a conta, a silenciosa testemunha foi percebida pelas outras três, que não deixaram barato.
- Ei, pensa que vai escapando assim, é?
- Pode contar como foi sua despedida de solteira.
- Aliás, você teve despedida de solteira?
Sem tirar o sorriso do rosto nem parar de assinar o boleto do cartão de crédito, a quarta elementa acenou positivamente com a cabeça.
- E seu marido soube?
- Eu não tenho marido.
- Você se separou?
A discreta ex-colega pegou sua bolsa, se levantou e, antes de dar as costas para as demais, respondeu:
- Quando a despedida de solteira é boa mesmo, você não se casa.
Mario Lopes
domingo, 31 de agosto de 2008
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10 comentários:
Mario avisa a Selma que eu conheço um macho com as qualidades que ela deseja. Posso dar o telefone para a despedida.
***
Mas o problema será bem o que aconteceu no terceiro caso. Quem conhece não quer largar o osso.
;) bjocas
Hmmm... Verô, assim, são três histórias de final aberto, mas a resposta a todas elas está lá no texto (acredito eu): a mensagem é meio que a mesma para as três, apesar das diferenças das situações (uma despedida que não aconteceu, outra em que não aconteceu nada de mais e outra em que aconteceu de tudo). Claro que cada um dá prosseguimento às histórias como bem lhe convém, e também tira a interpretação que mais lhe agrada. Mas o fato é que (isso é minha interpretação) a primeira garota não queria um homem para sua despedida de solteira e a última largou o osso, posto que não se casou. Mas também pode ter sido isso que você colocou: a última encontrou o cara citado nos devaneios da primeira e acabou desistindo de seu casamento. Enfim, questões de interpretação pessoal. O legal de uma história é quando os próprios personagens se subvertem às intenções do autor. Talvez você tenha me contato algo que as figuras do texto tenham me escondindo.
Beijo.
Mario
Mário Lopes,
Você sabe escrever.
Mas, o que é melhor: você sabe o que diz.
Parabéns!
Se você não encontrar razões para ser livre, invente-as.
Abraços, flores, esrtelas..
excelentes estórias mario!! adorei
Muito obrigado, Edson. Não o conheço, o que torna ainda melhor o elogio, pois não é suspeito.
Abraço e, sempre que puder, por favor, comente.
Té +
Mario
Obrigado, Adri. Beijo, supersemana e aguardo o seu na quarta.
Mario
Mario querido! Só vc e a Adri, vão ao âmago das coisas. Gosto disso. Olhar o que ninguém olha faz do mundo um mundo diferente. Eu entendi que sim, são três história em separado e o significado delas, para quem te conhece sabe bem da sua individualidade plena e com isso a idéia que quis passar. Apenas brinquei com as personagens para fazer meu comentário.
;)
Mário, as 3 histórias estão ótimas, + achamos que vc exagerou um pouquinho na descrição do homem da 1ª...
Sabe, é que ele saiu perfeitinho d+, hehehe
Bjs, Cami e Lu.
OK, Verô. ;)
Beijo
Mario
Cami & Lu
C é perfeito demais, daí é questão d gosto. Mas a moral da história não é bem essa. Não é q o cara da despedida de solteiro é o must, é o futuro marido dela q não é. Sacaram? ;-)
Beijo
Mario
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