domingo, 21 de dezembro de 2008

Negue


Reza a sabedoria nordestina que só não existe desculpa para marca de batom na cueca. E, mesmo assim, dependendo de um certo grau de habilidade, é possível ser bem sucedido na tentativa de 171. Como não existe crime perfeito, é impossível traição conjugal sem deixar pistas. Se elas serão percebidas ou não, isso dependerá do grau de esperteza do ser traído e, principalmente, de seu real interesse em saber a verdade. Sim, porque na imensa maioria das vezes, aquele que deveria ser o maior interessado em descobrir o que se passa é quem menos quer ver. Não é que o traído seja sempre o último a saber, é que é sempre o último a querer saber.

Você certamente deve lembrar de pelo menos um caso de gente traída que não quer se convencer da verdade. E, provavelmente, já entrou na saia justa de descobrir que uma pessoa próxima está levando galhadas, sem saber se deveria ou não revelar a pulada de cerca. Se revelar, você tem noção de que poderá se encrencar com o autor da traição, ou até mesmo perder a amizade com a tal pessoa querida. Se não revelar, você sabe que estará traindo esta pessoa tanto quanto o cônjuge sem vergonha. Então o que você faz? Adota a máxima de que não se mete a colher neste tipo de assunto e deixa como está para não se incomodar? Errado. A pessoa amiga, no mínimo, se tornará motivo piada pelas costas, e, no máximo, pegará um HIV. E você carregará, sim, a co-autoria desse desastre nas costas para o resto da vida. Omissão é cumplicidade. Mas daí vem a sua preocupação de falar e a vítima não acreditar em suas palavras. Então, desencane: se ela não confia em você, não é sua amiga. Ponto. Aliás, ao não acreditar em você, ela será tão traidora da sua confiança quanto seu amante o foi com ela. Portanto, neste caso, siga um bom conselho: afaste-se e deixe-a curtir suas galhadas em paz.

Mas, suponhamos que você não tenha amizade com gente traída (suas chances são ínfimas, já que 47% das mulheres e 60% dos homens encontram-se no hall dos volúveis que não se satisfazem com a monogamia) e que seu problema seja outro: na verdade você está traindo ou quer trair. Então, saiba que inexistem receitas prontas para não deixar rastros em suas empreitadas. Mas há, sim, um procedimento básico e essencial: negue. Mesmo que esteja nu na cama com a outra pessoa. Dispare o famoso: “não é nada disso que você está pensando”. Depois você inventa alguma desculpa: que foi drogado pela outra pessoa, que sofreu hipnose, que a criatura em sua cama é um ET que o abduziu para fazer uma experiência, enfim, criatividade não falta nessas horas. A necessidade é a mãe da invenção. Acredite: mesmo com tudo contra, você tem chances de se dar bem. Isso dependerá de três fatores básicos, vamos a eles: grau de esperteza/inteligência do ser traído; o quanto está apaixonado; e se é uma pessoa fraca em auto-estima. Caso tenha um QI razoável, esqueça, vai chutar sua bunda antes que você consiga dizer “não é nada di...”. Se está apaixonado, esse fator pode turvar drasticamente o raciocínio, pois costumamos acreditar naquilo que melhor nos apetece, e não na realidade em si. E se for dotado de um nível de caráter, amor próprio e senso de honradez debilitado, opa, então pode deitar e rolar. Principalmente se essa pessoa tiver certa dependência de você, seja ela financeira ou afetiva.

Na verdade, você terá de se preocupar seriamente com os rastros que deixará na traição não por poder ter descoberta uma aventura extra-conjugal, mas sim pelo que ela indica. É pista certa de que você pode trair em tudo o mais. Sim, pois se você se entregou intimamente a outra pessoa (por menor que seja a escorregadela), é claro que pode ser infiel em outros campos: dinheiro, planos, posses, compromissos, tudo. Quem trai não restringe esta prática aos limites da cama. Portanto, para não ter sua boa imagem desmantelada e jogada na lama, faça como qualquer político que se preze: negue. Negue sistematicamente. Não se deixe levar pela tentação daquela frase “eu só quero saber a verdade, me conte tudo e superaremos isso”. Não, negue veementemente. Não vacile, cuide-se em especial se você é do tipo que fala dormindo. Não se deixe ser pego no contra-pé, mantenha-se alerta o tempo todo. Negue claramente e com indignação, inclusive (e principalmente) diante de testemunhas. Chore se for preciso. Anestesie sua consciência e dê a si mesmo a desculpa de que é para não fazer a outra pessoa sofrer ainda mais com a revelação. As chances de funcionar são enormes.

Atenção: quanto mais você negar, mais terá de fincar o pé na negação, isso porque mentir uma ou duas vezes e depois assumir o falso testemunho é até perdoável, mas ao se ultrapassar meia dúzia de negativas, ficará flagrante que não foi apenas uma puladinha de cerca, mas sim que você é mesmo uma pessoa com falha grave de caráter. Ou seja, a regra é: quanto mais você negar, mais firme sua negação, por mais que surjam provas contrárias cabais e incontestáveis contra os seus argumentos. Alegue que trataram a imagem no photo shop, que usaram alguém parecido com você na filmagem, que a tal testemunha sofre de miopia, te vira. Você pode até não acreditar, mas as chances de se sair bem continuarão sendo enormes. Mesmo porque a outra pessoa pensará: “mas é impossível que alguém seja tão falso assim, ainda mais alguém com quem eu divido minha intimidade”. A pessoa terá de acreditar em você, porque assumir que foi tão enganada seria dar a si mesma um enorme atestado de estupidez.

Mas é claro que é preciso talento para mentir de forma convincente. Se você não é dotado deste dom, pelo menos tente desenvolver técnicas que dêem maior crédito àquilo que sair da sua boca. Então, aqui vão algumas dicas preciosas de David. J. Lieberman, Ph.D. e autor do livro “Psicologia da Mentira – Nunca mais seja enganado”:
* Olhe diretamente nos olhos da pessoa.
* Utilize movimentos das mãos para enfatizar suas palavras.
* Faça gestos entusiasmados que sejam naturais e coerentes com a conversa.
* Fique em pé ou sentado, mas ereto – não fique “largado”.
* Não comece nenhuma declaração com frases como “para falar a verdade...” ou “para ser franco...”.
* Fique de frente para a pessoa, não lhe dê as costas.

Antes que comece a tomar as dores da vítima e ficar com a pulga atrás da orelha, é bom deixar claro que não entraremos aqui nos méritos de como se identificar pistas para saber se você está ou não vestindo chapéu de vicking. Mesmo porque a única forma eficaz de se precaver contra galhadas é se relacionar com uma pessoa de caráter. Portanto, esqueça os sistemas investigativos e contenciosos: sempre haverá uma infinidade de formas de dar uma traidinha básica e altamente discreta. Só que não sem deixar pistas. Se você tiver a pessoa certa ao seu lado, não precisará nunca fazer inquérito, e ela não precisará nunca negar nada. Já se for a pessoa errada, você passará a vida toda catando fios de cabelo em sua roupa e ouvindo negativas de traição veementes nas quais você jamais acreditará por completo. E com toda razão.

Para ilustrar nosso tema, vamos aqui a um episódio baseado em fatos reais. Os nomes foram trocados por pseudônimos para preservar a identidade dos envolvidos. A protagonista chamaremos de Bananinha, seu namorado de Bentivi e seu amigo de Jureumar.

Bananinha, certa feita, foi chamada por Jureumar para uma conversa séria. Ele lhe contou que viu Bentivi saindo do estabelecimento do qual sua mãe é proprietária, a bordo de seu carro e com uma ex-secretária, geradora de boatos maldosos sobre um envolvimento maior com seu namorado do que o meramente profissional. Disse que não queria entrar em detalhes e que, enfim, ela poderia muito bem deduzir o que aconteceu entre os dois. Pesava sobre Jureumar uma circunstância suspeita: ele era apaixonado por Bananinha, tornando-se assim uma testemunha suspeita.

Bananinha tratou de tirar satisfações com Bentivi. Ele ficou indignado e muito chateado com o relato (apesar de ela não ter revelado a fonte, para proteger Jureumar). Negou e negou e negou. Disse que era uma grande mentira, mesmo porque a referida ex-secretária era desafeto sério dele. Segundo Bentivi, ela havia roubado dinheiro de sua própria mãe, em uma confusão esquisita envolvendo o sumiço de um cartão de crédito. Usou palavras como “jamais” e “nunca”, intercaladas por declarações de amor e até lágrimas. Visitou-a várias vezes, comoveu-se ao flagrá-la chorando e negou com todas as forças.

Bananinha ficou em um grande dilema. Poderia cometer uma injustiça com um grande amigo, caso desse crédito ao namorado e ele de fato a tivesse traído. Como também poderia se sair incorreta com Bentivi, se confiasse nas palavras de Jureumar e o amigo apenas tivesse inventado a história para vê-la romper o namoro e assim conseguir espaço para conquistá-la. O fato é que ela tinha ao seu lado ou um namorado canalha ou um amigo calhorda.

Vamos então à conclusão dos fatos.

Jureumar realmente viu Bentivi saindo do estabelecimento do qual a mãe é dona, a bordo de seu carro e com a tal ex-secretária. E, de fato, rondavam boatos maldosos sobre um envolvimento dela com Bentivi. Só que Jureumar não quis entrar em detalhes não porque estivesse enojado ou constrangido perante a amiga, mas sim porque não havia nada mais a relatar. Aquilo era apenas uma inocente carona. Quando ele disse a Bananinha que ela poderia muito bem deduzir o que aconteceu entre os dois, falou a verdade: poderia mesmo, induzida por aquelas palavras, pensar que Bentivi havia feito sexo com a ex-secretária ali mesmo no carro ou a levado a um motel. Mas o namorado da Bananinha não tocou num fio de cabelo da moça. Jureumar não mentiu em nada, mas também não falou a verdade. Apenas deixou a imaginação de Bananinha correr solta.

Bentivi, por sua vez, realmente havia dito a verdade. Ficou mesmo muito indignado e chateado com o relato. E a ex-secretária era de fato seu desafeto sério, tendo mesmo roubado dinheiro de sua própria mãe. Quando ele disse que jamais havia feito nada com ela, foi absolutamente sincero. Só esqueceu de falar de todas as outras.

E Bananinha, bem... Bananinha acabou acreditando e desacreditando nos dois. Preferiu ficar com o “benefício” da dúvida. Não acabou o namoro nem a amizade. Mas, naquele final de 2008, ela havia omitido do amigo e do namorado algo importante: que também não tinha se comportado bem durante o ano.


Mario Lopes

2 comentários:

Anônimo disse...

Pois é Guto, acho que uma das coisas mais difíceis de se conviver é com uma pergunta sem resposta. A dúvida, neste caso é como um ácido que corroe de forma lenta e dolorosa o coração, os relacionamentos e as pessoas.
O caso da "Bananinha" ilustra bem esta situação. Imagine a agonia que ela deve sofrer em determinados momentos por não ter encontrado uma resposta?
Beijos,
Camila.

Anônimo disse...

Na boa, Mila, mas, como diz um ditado: a dor é obrigatória mas o sofrimento é opcional. Se o cara é confiável, ela não tem com que se preocupar. Se não é, ela que tome vergonha na cara e dê cabo no romance. O benefício da dúvida é o consolo dos fracos.
Beijo, Mila.

Mario