sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Encantos E Desencantos – Parte 1


Lembro-me bem da minha primeira Polly. Ganhei-a no Natal, embrulhada em um papel de presente florido com uma fita vermelha. O cheiro das roupinhas de plástico, minúsculas, e o rabo de cavalo daquela boneca de dez centímetros. O tamanquinho rosa salmão de salto alto, já pequeno em minha mãozinha de oito anos. A brincadeira de desfile, com apenas uma modelo e milhares de expectadores imaginários aplaudindo ávidos por aquela bonequinha mulher guiada e vestida aos gostos de uma menininha contente com seu brinquedo.
Lembro-me bem também da minha segunda Polly, porém não com tanta clareza quanto da primeira. Os diálogos ingênuos, cujo conteúdo era focado em fofocas sobre as outras amigas imaginárias e marcando encontros para ir ao shopping. Com o tempo, ganhei o shopping e também as amigas, e o que antes era fantasiado, se concretizou.
Recordo-me bem em como, gradativamente, fui perdendo o encanto pela brincadeira. Olhar todas aquelas bonecas e já não saber o que fazer com elas. Talvez fosse a complexidade de criar novas situações com mais pessoas, a quebra da expectativa em ver o imaginário se tornar real, ou o início de um consumismo compulsivo crônico e consciente. Criança que era, eu sentia falta de ter apenas uma boneca e pensava nos motivos que me levaram àquele desencanto. E ganhava cada vez mais brinquedos como aquele.
Quando percebi, eu era uma criança frustrada com Pollys, que brincava com elas tentando forçar as situações tais quais eram no início: uma boneca nas mãos e outras na imaginação.
Também me lembro do início do mês de novembro, que trazia as expectativas para que logo chegasse o dia de enfeitar a casa com guirlandas, anjinhos e papais noéis.
Diariamente, lembrava minha mãe de que já estava na hora, pois os shoppings já exibiam enormes pinheiros natalinos iluminados e as ruas ostentavam árvores com luzinhas encantadas que em minha mente sincronizavam com músicas típicas, as quais eu havia aprendido a tocar na flauta em minhas aulas da escola.
Lembro-me da euforia do momento em que minha mãe, finalmente, anunciava o dia tão esperado, e me chamava no quarto para ajudá-la a descer os enfeites que aguardavam um ano inteiro para novamente recriarem a magia inexplicável do Natal. O cheiro adocicado dos enfeites, misturado com cravo e canela. O som dos imãs de lareira sendo tirados da caixa junto com as pinhas e as bomboniéres mamães noelas. O quebra-cabeça para harmoniosamente montar a árvore com luzinhas, bolas enormes e filetes prateados. E a alegria incontida em ver tudo pronto, ainda que um pouco melancólica por saber que aquela uma hora só se repetiria dali a um ano.
A casa devidamente enfeitada, só faltava admirá-la, e isso eu sabia fazer como ninguém. Acendia todas as luzes, da árvore e da lareira, ligava o Papai Noel dançarino, colocava a bandinha da família Disney pra tocar, e procurava o melhor lugar para me sentar. Apoiada sob os joelhos, e alguns centímetros mais alta, eu tinha a visão mais linda que uma criança poderia ter. Era tanta beleza que não cabia em meus olhos de menininha e, volta e meia, eu sentia lágrimas em meus olhos escorrerem sem razão. Minhas primeiras emoções.
O caminhão da Coca-Cola que se transformava em uma pista de trenó do urso polar era muito mais do que um brinquedo, era o mundo perfeito em que eu vivia por dias a fio, até que chegasse o dia de Reis. Uma tristeza.
Nesse dia em que meus sonhos voltavam para o armário, eu pedia à minha mãe um minuto a sós com os papai noéis, os anjinhos e a árvore de Natal para me despedir e deixar bem claro que esperaria ansiosa até o fim do ano, quando novamente nos veríamos e os dias seriam mágicos de novo.
Não ajudava a por os enfeites para descansar. Era triste demais. A sala perdia a vida, como uma árvore de roseira que morre no outono e perde a sua graça.
Mas, assim como o roseiral, o Natal também voltava, e junto com ele, florescia a minha alegria.
Assim foi por alguns anos, até que um dezembro veio com cheiro diferente. A euforia, o som e a harmonia continuavam vivos como antes, mas havia algo de estranho que eu não queria aceitar. Arrumei os enfeites assim como fazia antigamente, relembrando o entusiasmo de outrora e tentando reanimá-lo. Liguei as luzes, o Papai Noel e a bandinha, escolhi o melhor lugar, e sentei-me sob os joelhos, esperando o encanto. Fixei-me no meu antigo “lar”, mas não vi nada mais do que um brinquedo e um urso polar de plástico. As luzes já não passavam de pontos brilhantes e as músicas soavam como meras melodias natalinas sem a antiga alegria. Meus joelhos doíam. Eu já não precisava e nem aguentava sentar-me sob eles para olhar a sala. Levantei-me, triste e frustrada, e fui para o meu quarto assistir TV.
O Natal virou pra mim o enfeite guardado que nunca mais sairia do armário. Não com o cheiro adocicado e o som harmonioso do roçar dos enfeites. Não com o encanto e a euforia que antes me dava ao ver tudo pronto para o 25 de dezembro.
Meu desejo, a partir daquele ano, é que todo o Natal fosse o Natal passado, pois aquele fora feito apenas de pollys concretizadas e encantos desencantados.




Letícia Mueller

3 comentários:

Anônimo disse...

Letícia, você me levou a um flashback com esse post. O Natal sempre exerceu forte encanto sobre mim. Mas, ao contrário de você, ele permanece até hoje. Claro que de um modo diferente. Lógico que também há nuances que diferem sua história da minha: a caixa de pingentes da árvore de Natal tinha cheiro de mofo, por exemplo. rsrs Delicioso apreciar o grau de detalhismo e sensibilidade com que você compõe o cenário. Tem até sugestões táteis e sonoras que fazem as palavras estimularem vivamente os sentidos. Viajei sem sair do lugar, obrigado. :-)
Beijo.

Mario

Leticia Mueller disse...

Eu tambem espero agradecer ao meu texto quando o Natal chegar.
Vai que a nostalgia faz voltar o velho encanto...
Beijos.

Karime disse...

Deu vontade de sair correndo para uma loja de enfeites natalinos (e chineses) e decorar a casa inteira com papais noéis gordinhos e barbudos, renas e luzinhas, muuuuuuitas luzinhas, como se estivéssemos em Las Vegas. Tava com preguiça de decorar a casa pro Natal deste ano. Mas a preguiça passou! Vou até comprar umas touquinhas vermelhas prá colocar nos meus cuscos!
Bjos