domingo, 14 de dezembro de 2008

O verbo como miragem imoral




Apanhava-te menina janeleira
Sem a ter por mulher do corte
Supondo botão de laranjeira
Tirar os três se tiver tal sorte

De púcaro te lance a valhacouto e idioma
Da mata, perca o ume na emproada
A teu intato a boa se soma
A armar em franciscana enrascada

Eu homem sem Jerônimos
Que me dou e tua mina aquece
Bem antes de coió sem préstimo
Rende mais do que uma diocese

Quisera teu Monte de Vênus
Mesmo em tempo de lua nova
O meio do mundo avancemos
Navio cruento de bombordo sova

Ficava a contar tábuas do teto
Como os símios que inventaram a gloriosa
Sonhando largar ferro a quieto
Que a gente pisa quando em lida raivosa

Quase me fiz de boi pagante
A sair e não fazer por amor
Nada é pecado na vida galante
Nem tirar a pele pela rua do Ouvidor

Mas me soube te chegarem às falas
Em rendez-vous, a fazer luxo e ouro
Andar zarro para lançar às favas
Tua boda, quiosque e nascedouro

Criou rabicho a moça sabida
Mas faço a feita com cinza nas vistas
Embandeirado em arco na vida
Do teu condescendente sem pistas

Que não saiba teu vizinho nem bote na pauta
Dos teus riscos fora da caixa
Vamos nós cair em falta
No giro a deixar goma baixa

Eu te farei a apanhar cavaco
Mulher invertida contra a natureza
Até molhar os pés de ficar fraco
Deixando-te rebequista e francesa

E mesmo no teu tributo mensal
Prevalecerá este adorno
Deixarei abordável e verbal
Fenda, maçã e contorno

Que no apuro da aventura
Eu possa aviar com espadarte
Adiante no dedal com ternura
Aviso avulso a esfolar-te

No embaço que ensejo bordejar
Deixo-te em girândola e janela
Lanho e greta a lançar
Esgalhado o florete em donzela

Ostra, lesma e lagosta em tambor
Misturo a filé, girassol e feijão
Dando ao virote frango, língua, licor
Vergado e quiabo por falua e travão

E na fervura do expiatório
Serei Menelau inquilino
Outorgante a pilhar em monopólio
Teu halo em epiceno fino

Que venha mesmo em paquete
Meu eixo em haste é ministro e morrão
Não se dobra, empena ou resta inerte
Vence inerme, míngua e inação

Estes versos, compostos especialmente para a abertura do presente artigo, foram criados com o uso de verbetes já em desuso na língua portuguesa (ao menos na forma chula) que chegaram a ser considerados obscenos antigamente. O glossário utilizado na composição foi retirado do livro “A Linguagem Proibida – Um Estudo Sobre A Linguagem Erótica”, de Dino Petri. O autor define os termos como “campos lexicais do erotismo”, podendo se perceber neles, por vezes, algumas analogias com elementos que ainda nos são familiares, habitando o inconsciente coletivo. Hoje, este jogo de palavras pode até soar como poesia, mas em uma época remota faria ruborizar da mais casta donzela à mais devassa meretriz.

Alguns termos são jocosos, como, por exemplo, “feijão” usado como palavra chula; outros podem ser facilmente deduzidos por conta de uma breve análise por aproximação ou por continuarem a ser aplicados nos dias atuais, como “botão”; e há ainda diversos outros não inseridos nos versos que também despertam curiosidade: “namoro” é tratado maliciosamente como “onze letras” – um verdadeiro enigma típico de palavras-cruzadas de nível elevado. Traduzir estes versos é um bom exercício de raciocínio lógico em cima da linguagem marota de outrora.

O interessante é perceber que, assim como estas trovas não parecem fazer o menor sentido na atual língua portuguesa, os textos chulos contemporâneos também não encontrariam entendimento algum numa época remota. “Tesão”, por exemplo, provavelmente não geraria o menor sentimento de indignação, mesmo dito em sermão dominical, visto que sua celeuma, menção e badalação pública se tornaram notórias nos anos 80, em canções do RPM e de Tetê Spindola, respectivamente “Olhar 43” (dito quase em cochicho para driblar a censura) e o sucesso de agudos estratosféricos “Escrito Nas Estrelas”. Já “chuchar”, verbo que era capaz de levar um cidadão de bem a ter o mesmo destino de Joaquim José da Silva Xavier, pode ser hoje até publicado em livros para crianças que, ao invés de constrangimento, teria a possibilidade de passar como uma referência à nossa mais famosa apresentadora infanto-juvenil de TV.

Em resumo, se mandássemos para o passado a letra de uma canção baixaria do funk carioca, possivelmente não haveria nenhuma sensação de revolta por parte do leitor de tempos idos, mas sim de estranheza, visto que não se entenderia patavinas de boa parte do conteúdo. Alguns termos nem existiam por questões tecnológicas, pois não havia cerol ou moto para justificar o significado malicioso de “passar cerol na mão” ou a “dança da motinha”. Da mesma forma, você não se chocou com os versos obscenos acima. Então... eles deixaram de ser ofensivos? Sendo assim, o que você considera obsceno hoje é realmente ofensivo?

Na realidade, os palavrões são miragens imorais. Você acredita que está diante de uma afronta aos bons costumes sociais, mas o sentido ofensivo só tem validade porque isso foi aceito coletivamente, mesmo sem ter sido avalizado por ninguém oficialmente (não existe um documento que formalize uma lista de palavras proibidas) ou mesmo ter um criador claro, exceto quando num programa humorístico resolve-se criar um novo termo, como "furunfar". Com o tempo, o palavrão cai em desuso e ninguém acaba lembrando porque em algum dia ele foi considerado ofensivo. É o caso de "arretado", termo que, no passado, se dito por uma criança nordestina poderia gerar uma lavagem de boca com litros de água de cheiro. E mais: muitas vezes se fala aos quatro ventos palavras com significado realmente chulo enquanto que outra é proibida sem se saber o porquê. “Fodido” é o típico palavrão que pode destruir um discurso de formatura ou fazer cair de costas até os mais liberais, porém, ninguém se importa de ouvir ou dizer “coitado”, termo que deriva da palavra “coito”, ou seja, é um real palavrão no sentido do significado. Conte o número de vezes que a sua mãe costuma falar “coitado” e você perceberá que ela muito provavelmente fala mais palavrão do que você.

Outro aspecto curioso é que uma palavra usada com absoluta naturalidade em um país pode ser considerada um palavrão imperdoável em outro. É o caso do “Pajero”, carro que é sonho de consumo em muitos países e significa “punheteiro” em certas nações de língua espanhola. A apresentadora Xuxa também teve certo desconforto por a pronúncia de seu nome ser a mesma do órgão sexual feminino em países vizinhos. E quantos de seus cidadãos já não passaram por constrangimentos ao vir para o Brasil e indagar onde poderiam pegar a “buceta” (como chamam os pequenos ônibus em sua terra natal). Durante o lançamento do filme “Anaconda”, que se passa na floresta amazônica, um trailler era exibido nos Estados Unidos no qual um nativo do norte do Brasil exclamava, em alto e bom som, um “puta que pariu” para diversão da comunidade brasileira que morava no país. Claro que o montador, ao escolher este trecho, imaginou que o matuto falava algo que seria traduzido como “oh, my God!”. Como também é óbvio que o trailler não tardou a ser tirado do ar, tão logo se descobriu a escorregadela moral. E para fechar o panteão das gafes verbais internacionais, vamos a uma muito famosa: se em Portugal alguém se oferecer para meter uma "pica no cu", relaxe, estão querendo apenas aplicar uma injeção em suas nádegas. Uma repórter da Globo Portugal ficou impressionada: "cu é palavrão aqui?!", disse ela inocentemente no ar, durante entrevista no Programa do Jô.

Há três características muito peculiares do palavrão: o humor, a franqueza e o peso dos fonemas. O humor está no fato de que ele é uma safadeza inserida em campo nobre, o intelecto, a arquitetura verbal, e, por conta disso, pode ser usado para causar furor nos puritanos a qualquer tempo e das formas mais insuspeitas: “joga bosta na Geni”, cantava Chico Buarque, sem se importar com seus desafetos e censores. Franqueza porque o palavrão explicita, de forma imediata e escancarada, aquilo que muitas vezes nos negamos a ver: o dístico de nossa bandeira afirma “Ordem e Progresso”, mas não seria mais apropriado “Putaria e Safadeza”? Talvez, mas ele provavelmente se refere ao tão aguardado país do futuro. E peso dos fonemas porque, quase sempre, se pode observar uma sequência de silabadas fortes, carregadas. Leia de forma cadenciada e em voz alta:
BU-CE-TA
CA-RA-LHO
FO-DA
Não por acaso, quando alguém diz algum termo em outro idioma que nos parece agressivo, costumamos brincar de que achamos estar sendo xingados.

Estudando-se a raiz etimológica ou histórica das palavras, perceberemos que muitos palavrões têm origem mais rica e significativa que uma enormidade de termos considerados edificantes. Fuck, por exemplo, tem origem nobre, como sigla na Inglaterra: antigamente, os cidadãos que não fossem da família real tinham que pedir autorização ao rei para ter relações sexuais, então, ao permitir o coito, o soberano mandava lhes entregar uma placa que deveria ser pendurada na porta de casa com a frase "Fornication Under Consent of the King" (fornicação sob consentimento do rei). Ou seja, de um termo que era visto publicamente (e obrigatoriamente) por todos, F. U. C. K. virou fuck e é hoje alvo da puritana censura da população norte-americana. Uma miragem imoral criada artificialmente.

Além de serem mutáveis e de nascerem de tempos em tempos neologismos que não podem ser ditos em público, os palavrões também obedecem a regras pessoais para serem ofensivos, algumas das quais não oferecem lógica. Uma pessoa pode, por exemplo, usar “porra” como vírgula e ficar ofendidíssima se alguém perto dela falar a palavra “rabo”. Sim, não faz sentido, mas, como dito, entram em campo as convenções pessoais, e daí cada um cria sua lógica (por mais irracional que seja).

Outras ilusões de depravação mostram que o palavrão, assim como o gestual, é uma perversão que está nos olhos de quem vê e nos ouvidos de quem ouve. Assim como “rabo” é apenas uma parte fisiológica que a princípio não tem nada de obscena, o nosso dedo médio não é um pênis, mas se você o colocar em riste com os demais recolhidos, o que virá à mente das pessoas é um gesto obsceno. Um piloto americano até já foi preso no Brasil por brincar com esse perigoso atentado ao pudor. E você pode ser preso com um gesto ainda mais inocente se for turista na Grécia: caso precise de carona, não faça o tradicional movimento de fechar a mão e apontar o polegar para o lado, pois lá este é um convite explícito à cópula (faça o gesto agora e você entenderá). Também na Grécia você não poderá mostrar a palma da mão a uma pessoa. Na Coréia não pode fazer figa, no Irã não pode fazer sinal de positivo, na Inglaterra não poderá fazer o gesto de paz e amor com as costas da mão voltadas para a outra pessoa. Enfim, convenções.

Os palavrões são conjunções de letras que formam um fonema censurável, assim como temos imagens que cumprem o mesmo papel: o cartaz do filme Lolita, com seu pirulito entre os lábios, é uma sugestão quase que explícita de felação, assim como a letra de “Lick It Up” do Kiss é uma apologia à mesma prática. Outros códigos visuais podem ser absurdos e atestam que a malícia, quase sempre, está na cabeça dos mais pudicos e tradicionalistas, quer um exemplo? Em certos países árabes é uma afronta a mulher cruzar as pernas estando à frente de um homem, possivelmente por significar que não se entregaria a ele.

Nossa mente é tão habilidosa em criar significados de sentido malicioso que os artistas se divertem às nossas custas. O cartunista Glauco causou celeuma há duas décadas quando criou o termo “espolcar a silibina”. Indagado sobre o significado, afirmou que nem ele sabia o que queria dizer, pois estava apenas brincando com palavras sonoras e sugestivas, mas os leitores de suas tirinhas, claro, trataram de criar por conta própria uma resposta mental maliciosa.

Até as séries de animação tiram sarro (lembrando que “tirar sarro” já foi palavrão) das convenções sociais criadas em torno do universo verbal. Em um episódio dos “Simpsons”, o robótico apresentador do telejornal local tem sua carreira arruinada não por ser apático e lacônico em seus conteúdos informativos, mas sim porque disse no ar uma palavra não explicitada (certamente “caralho”) que causou o furor da audiência. Também em “Família Dinossauros” os palavrões geraram revolta e confusão, com o babyssauro aprendendo a dizer algo proibido que aprendera na TV, aliás um termo que não tem qualquer significado, só para mostrar que algo como “abuguda” pode virar censurado e fazer com que todos tenhamos de tapar os ouvidos quando a palavra for pronunciada, sem sequer saber o motivo.

Além do palavrão real e das analogias obscenas, existem também os pseudopalavrões, que surgem quando se faz uso de uma palavra do cotidiano para aproveitar seus traços fonéticos em benefício da malícia. O campeão no uso deste recurso é o cantor de forró Genival Lacerda. Quem não se lembra do “ele tá de olho na boutique dela?”. Em outras vezes, cai-se num ridículo ainda maior, substituindo o palavrão por uma termo neutro, no último momento, deixando as pessoas com o termo chulo apenas no campo da imaginação. A modinha “Julie-ta-ta tá me chamando” tem suas trovas conduzindo para um caminho malicioso e acabando com algo inofensivo: “Eu vinha no caminho e encontrei um urubu / Pisei no rabo dele e ele mandou tomar... cuidado”. Um recurso para fazer o povo se sentir esperto, pensando consigo mesmo “eu sei o que ele queria dizer na verdade”, seguido de risadas de uma suposta sagacidade pessoal.

A versão feminina de Genival Lacerda se chama Cremilda, e a nordestina faz uso de outra tática para sacanear o ouvinte (lembrando que “sacanear” já foi palavrão): ela se aproveita dos cacófatos. Certamente suas composições se espelham em versos como o famoso “formigas no cume entram, abelhas no cume saem”, gerando letras do naipe de “Talco no salão”, que cantada com certa habilidade para deturpar a fonética lembra “Dá o cu no salão”.

Outro recurso para dizer sem dizer é o uso das corruptelas. “Putz”, “Carai”, “Pô” e outras palavras decepadas ou trocadas por semi-homônimos cumprem muito bem com este papel, e passam a poder ser utilizadas socialmente sem constrangimento. Há quem considere as corruptelas uma aberração, uma tentativa infantil e desnecessária de velar a obscenidade. A protagonista do romance “A Casa dos Budas Ditosos”, de João Ubaldo Ribeiro, era radical: afirmava que quem deixa de falar “caralho” para dizer “caramba” é um imbecil. O famoso “sifu” dito recentemente pelo Presidente Lula, e causador de grande celeuma no meio jornalístico, é mais um bom exemplo de corruptela. Embora o maior palavrão dito em seu Governo seja, sem sombra de dúvida, "mensalão". Aproveitando, governantes são famosos protagonistas de situações em que a moral quase ofusca o real valor de sua gestão, sendo um caso correlato ao de Lula o vivido pelo ex-Presidente dos EUA Bill Clinton. Assim como o “sifu” pouco ou nada melhora ou piora o mandato de Lula, o caso de Clinton com sua estagiária foi um tropeção absolutamente irrelevante para o comando do país. Pergunte a qualquer americano hoje se ele prefere Clinton ejaculando no vestido de Mônica Lewinski ou Bush monogâmico tomando chá com a primeira dama. É a estupidez moral colocando a saúde financeira do planeta em segundo plano, em beneficio de ninguém sabe ao certo o que.

O cúmulo do transgressor verbal foi o Marquês de Sade e suas publicações insanas de tão ofensivas ao sexo recatado. Para ele, o corpo e o verbo eram quase que uma coisa só. Fazia valer a máxima de que o principal órgão sexual do ser humano é o cérebro. E é por isso que, goste-se ou não de seu estilo, ele conseguia se manter livre mesmo quando confinado atrás das grades. A noção de nojo era para ele algo absolutamente inexistente quando se tratava de sexo. Mesmo porque a cópula de fato envolve suor e secreções obrigatoriamente. A pele humana abriga cerca de 100.000 micróbios por centímetro quadrado. A quantidade existente em uma gota de saliva entra na casa dos milhões. O Casseta e Planeta, em um quadro chamado “Gente que manda fazer” exibia um milionário que pagava para um funcionário fazer sexo com sua mulher: “afinal, convenhamos, sexo é bastante anti-higiênico”, afirmava. Ele não deixava de ter razão. Quem quer sexo sem romper com uma percepção de nojo, deve procurar um psicólogo, porque provavelmente sofre de Transtorno Obsessivo Compulsivo. O mesmo vale para o campo das letras, pois falar de sexo sem usar os termos “sujos”, só mesmo em estudos de medicina forense.

O palavrão tem a tarefa de fazer um atalho entre o termo científico e o sensual. Quando falamos em vagina, imaginamos o órgão reprodutor. Quando falamos em buceta, imaginamos o órgão sexual.

Assim como há termos que entram na lista de obscenidades, outros saem dela por se vulgarizarem e acabar caindo em uso tão recorrente que perde o sentido oferecer censura. É o caso do já citado “tesão” e também do próprio “porra”, que parece estar com seus dias contados na prateleira de indecências verbais. Dito à exaustão por Fausto Silva justo no programa de maior Ibope da maior emissora do país, e tendo se tornado até título de filme infantil, “Os Porralokinhas”. Este sinônimo de sêmen daqui a pouco poderá ser dito por uma criança em pleno almoço de domingo que não causará o menor constrangimento na família.

Muitos termos chulos nascem por relação análoga a algum elemento que consiga ilustrar um significado obsceno ou em dissonância moral. Um bem humorado e-mail que tem circulado na web dá conta de exemplificar bem esse tipo de relação associativa. No caso, é desfavorável ao sexo feminino devido a uma enormidade de sinônimos depreciativos que lhe podem ser aplicados através de elementos metafóricos. Leia e perceba a riqueza simbólica e sacana que a criatividade pode legar a diversos elementos do cotidiano.

Cão: melhor amigo do homem.

Cadela: puta.

Vagabundo: homem que não faz nada.

Vagabunda: puta.

Touro: homem forte.

Vaca: puta.

Pistoleiro: homem que mata pessoas.

Pistoleira: puta.

Aventureiro: homem que se arrisca, viajante, desbravador.

Aventureira: puta.

Garoto de rua: menino pobre, que vive na rua, um coitado.

Garota de rua: puta.

Homem da vida: pessoa letrada pela sabedoria adquirida ao longo da vida.

Mulher da vida: puta.

O galinha: o “bonzão”, que traça todas.

A galinha: puta.

Tiozinho: irmão mais novo do pai.

Tiazinha: puta.

Feiticeiro: conhecedor de alquimias.

Feiticeira: puta.

Roberto Jefferson, Zé Dirceu, Maluf, ACM, Jader Barbalho, Eurico Miranda, Renan Calheiros, Lula, Delúbio Soares: políticos.

As mães deles: putas.

E para finalizar: Puto: nervoso, irritado, bravo.

Puta: puta.

Claro que, assim como no sexo, há hora e local certos para se dizer palavrões. Os mais puritanos dirão que não, que eles devem ser execrados das bocas e dicionários. As justificativas para isso são geralmente muito ingênuas, começando pelo fato de que é impossível cercear a mente humana e o poder coletivo de se gerar signos proibidos. Mas há quem apele até para a ciência, mesmo que com certo grau de esoterismo, para mostrar a força das palavras e seu peso e influência em nossas vidas, o que sugere a necessidade de cuidado com o que ouvimos e dizemos. No filme “Quem Somos Nós”, uma experiência mostra que se colocarmos palavras como “amor”, “obrigado” e congêneres em sacos de água, seus cristais sub-atômicos tenderão a ter traços harmônicos, o que sugere que as mesmas sustentam poderes positivos, e que estes podem ser contagiantes. Em contra-partida, os famigerados Caçadores de Mitos fizeram uma experiência com plantas, para identificar se é verdade a máxima de que elas crescem melhor ouvindo palavras de carinho e música clássica: o resultado foi embaraçoso para os mais românticos, pois elas cresceram da mesma forma quer se falasse com ternura palavras de carinho ou palavrões aos berros. E, pior: cresceram melhor ouvindo heavy metal do que Vivaldi e a turma erudita. A explicação pode residir no fato de que necessitamos da adversidade para nos desenvolver, do mesmo modo que as melhores videiras nascem e crescem em terrenos por vezes considerados os mais impróprios. Os palavrões, assim como a acidez do solo, tem sim sua utilidade prática apimentando e fertilizando nossa mente, não com pensamentos puros, é lógico, mas sim com uma proposta de subversão e inquietação, que pode ou não ser controlada e direcionada de forma positiva. Como a planta que tem de romper a terra para alcançar a luz solar, só cresce quem transgride. Nossos códigos de conduta são eventualmente transpostos para que possamos provar a nós mesmos a nossa identidade e singularidade. Obedecer passivamente a todas as normas é sinal de robotização. E os palavrões são uma forma de indecência segura, pois pode ser usada no silêncio e conforto do seu lar sem prejudicar ninguém. E é importante lembrar que um palavrão dito com boas intenções é muito melhor do que um elogio dito com falsidade.

Na verdade, existem diversos termos e verbos que deveriam ser considerados muito mais ofensivos do que os palavrões, mas passam batido por serem repetidos à exaustão até por gente muito instruída. Um exemplo é “pessoa humana” – um ativista político vai protestar na TV e diz que “estão ferindo a dignidade da pessoa humana". Ora, alguém sabe dizer se seria possível uma “pessoa inumana” ou uma “pessoa animal”? Outro termo estúpido é “amigo pessoal”, geralmente usado por celebridades que querem indicar o quanto são íntimas de alguém influente: “ah, o presidente é meu amigo pessoal”. E poderia ser impessoal, por acaso? Mais um: “Cristo Jesus”, uma enormidade de padres, sabe-se lá por qual motivo, gostam de inverter o nome do Salvador: “então, é muito importante que os fiéis amem a Cristo Jesus”. Você não acha isso ridículo? Se não acha, então tente recordar da última vez em que anunciaram na TV uma atração do programa apresentado pelo Soares Jô; ou de quando você ouviu notícia sobre a popularidade do Serra José; ou ainda da chamada para o novo show da Leite Claudia. A lista de cretinices vai longe, mas vamos para uma mais preocupante: os jargões profissionais. Com a desculpa de serem termos cuja especificidade técnica foge naturalmente do entendimento da população, adota-se verdadeiras ciladas verbais que, na verdade, tem por objetivo obstruir a compreensão, criando um repertório verbal inacessível para o consumidor comum e, por conta disso, fomentando sua dependência de quem domina o linguajar codificado. O uso de palavras cuja lógica semântica não faz sentido é uma ignorância travestida de erudição. No campo do direito há uma fartura de exemplos: alguém que comete um assassinato acidental tem seu crime classificado como “homicídio culposo”, que, ao contrário do que o termo sugere, é assim chamado quando não há culpa por parte do réu. Culposo = não tem culpa, entendeu? Não? Relaxe, você não está sozinho. Outra indecência verbal é “processo concluso” que, também ao contrário da lógica, não é um termo usado para casos que foram concluídos. Convenções assim só podem ter sido estabelecidas por imbecis ou por gente mal intencionada.

Mas o obsceno mesmo é “guerra”, “fome”, “miséria”. Essas sim são palavras que deveriam ser riscadas, não do dicionário, mas da vida. O palavrão é uma neurose moral coletiva. Em grande parte das vezes, a censura é estabelecida por protecionismo econômico. O cinema americano cresceu quando foram proibidas obras mais liberais vindas da Europa, sob o pretexto de que tinham conteúdo indecente. Na verdade, uma boa desculpa para fomentar a produção local e estimular os cidadãos a privilegiar as obras produzidas em seu próprio país.

O ponto bizarro de toda esta história é que a cultura norte-americana, com todo o seu imperialismo desmedido e nada delicado, prefere estimular a transgreção através da violência do que da libido. Isso porque a violência pode ser mais útil. E os palavrões acabam ganhando mais censura e restrição do que a sanguinolência desmedida. Um exemplo grotesco é o programa "Scarred", exibido pela MTV no original em inglês: ele é todo pontuado por "piiiis" para cobrir os palavrões ditos pelos participantes, que são depoentes da vida real. O absurdo é que não há nenhuma castração às violentíssimas cenas de adolescentes quebrando dentes, narizes, pernas e até rompendo órgãos internos por conta de acidentes com esportes radicais (este é o filão sádico da produção).

Mas, na verdade, o principal, melhor e mais apropriado uso dos palavrões não está no momento em que são sacados por revolta e xingamento, mas sim na hora da cama. Um termo picante, quando dito na hora certa e do jeito adequado, equivale a uma peça de roupa que se desprende do corpo. É um striptease verbal. Em “Coração Selvagem”, filme dirigido por David Lynch que foi premiado em Cannes, o personagem de William Dafoe (Bob Peru) seduz a personagem de Laura Dern (Lula) forçando-a a falar “fuck me”. Ela fica tão relutante e, em seguida, tão tentada a desafiar o proibido que isso a leva a tal grau de excitação a ponto de o “fuck me” sair de sua boca como um sussurro quase que em tom de súplica. E os palavrões ditos no sexo são assim: subversão, transgressão, explicites. Um discurso erótico é quase como sexo feito com o intelecto, pois é preciso habilidade para criar excitação usando apenas de palavras. E claro que nesses casos não se pode ficar limitado aos termos científicos (vagina, ânus, mamas, etc) sob o risco de se cair no ridículo. Um conto erótico não é um relato de anatomia legal, mas sim uma conjunção seqüencial de fatores excitantes, e isso passa pela sacanagem dos termos e na forma de aplicá-los.

A repulsa que certas pessoas sustentam no uso dos palavrões durante o sexo reside numa noção de sexualidade ainda infantil. Quem de nós não se lembra das primeiras vezes em que foi informado de como se faz bebês na vida real? A troca do símbolo inocente da cegonha pelas partes pudentas de papai entrando nas de mamãe é realmente um choque. Parecia inconcebível que aquele nosso órgão, até então reservado apenas à tarefa de excretar nossos líquidos, seria destinado a ser friccionado contra o do sexo oposto para gerar uma nova vida. Com o tempo a noção de resistência vai sendo substituída pela de atração, e do repúdio passamos para o desejo. Logo não só queremos o friccionar, mas sim todas as poses, todos os jeitos, todas as formas. E isso acaba transitando para o lado verbal. Exceto em circunstâncias em que ainda ficou no residual uma noção de nojo com relação ao sexo. A mesma que faz algumas pessoas considerarem abjeto o sexo oral (sim, acredite, há quem não aprecie a modalidade). O sexo com nojo é típico de quem ainda não transcendeu para a idade adulta. Não há sexo sem secreções, assim como não há erotismo sem depravação verbal. Não aceitar isso é fazer meio-sexo. Ou, dependendo do grau de repulsa, nenhum sexo. Sexo tem de ser completo, senão é como ir a uma festa de smoking e chinelo.

Negligenciar a utilidade o palavrão na hora H é na verdade uma grande babaquice (lembrando que “babaquice” já foi palavrão).


Mario Lopes

3 comentários:

Anônimo disse...

Pássaro de rico é canário,
Pássaro de pobre é urubu,
Rabo de rico é ânus,
e rabo de pobre é cú.

Moça rica é bacana,
Moça pobre é xereta,
A periquita da rica é vagina,
e a da pobre é buceta.

Rico correndo é atleta,
Pobre correndo é ladrão,
Ovo do rico é testículo,
e do pobre é culhão.

A esperança do rico vem,
A do pobre já se foi,
A filha do rico menstrua,
e a do pobre fica de bode.

O rico usa bengala,
O pobre usa muleta,
O rico se masturba,
e o pobre bate punheta.

Mas a vida é assim mesmo,
Seja no norte ou no sul,
E rico toma champanhe,
e o pobre toma no cú.

Anônimo disse...

SHOW! Tão bom que fico mó ansiosa para ler o post da semana seguinte.
Beijos,
Camila.

Anônimo disse...

hahaha Mila, o engraçado é que esses versinhos provavelmente um dia serão apenas rima de criança. hehe
Obrigado pelas palavras, baby. Beijo escreva também.

Mario