No fim da linha
"Você está morta, está morta" – eram as palavras que ecoavam na mente de L. Tapava os ouvidos, na esperança de não ouvir a voz, que insistia em repetir essa frase sórdida. Não conseguia acreditar no que estava ouvindo. "Só posso estar delirando", pensou, desconcertada.
Garota fútil, imatura, mimada e egocêntrica; vinha de uma família "estável", de classe média alta. Não trabalhava e seus pais bancavam-lhe tudo - desde a faculdade em uma das instituições mais renomadas (e caras) de São Paulo até as roupas de grife e as baladas. No mês anterior havia ganhado um carro zero em seu aniversário de 21 anos. Não media as conseqüências dos seus atos e acreditava que jamais algo de ruim pudesse acontecer.
Tinha muitos "amigos". A maioria destes, claro, mantinha o laço de "amizade" por puro interesse. Alguns deles fizeram-na conhecer o submundo das drogas. Movida pela curiosidade de experimentar novas "sensações", começou pelas drogas "populares", a maconha e a cocaína. Posteriormente se aventurou pelas drogas "elitizadas" e as sintéticas, como o ecstasy e o LSD. Seus pais notaram que havia algo de errado com a filha, mas ocupados demais como eram, ignoravam o fato, achando que se tratava apenas de uma "crise emocional" passageira.
Sem dinheiro (pois seus pais cortaram sua mesada após ter abandonado a faculdade), L. começou a roubar pequenos objetos em casa. Depois passou a se prostituir para sustentar o vício e a trabalhar nas bocas de fumo para os traficantes da região fazendo a distribuição das drogas aos compradores.
Durante dois longos anos, sua vida resumiu-se a beber, cheirar e fumar.
Muitas pessoas a invejavam por sua beleza, riqueza e aparente “felicidade”. Mas a verdade era o oposto de tudo isso. Interpretava um personagem ao mundo. Era uma pessoa vazia e infeliz, sem objetivos ou perspectivas. Atrás de uma máscara de sofisticação, havia uma garota vulnerável que em seu íntimo, ansiava por amor.
Sexta feira, 20 de junho de 2008. Embu das Artes, cidade vizinha a São Paulo, famosa por promover festas raves, das quais L. era freqüentadora assídua. Este foi o dia em que chegou ao fundo do poço. Um dia que marcou a sua vida para sempre. L. jamais imaginava o que estaria por vir...
Após duas noites em claro, dançando, e um coquetel de todas as bebidas possíveis e imagináveis, erva, muita "da branca" e bala...
... uma sensação de euforia e bem estar tomam conta do seu corpo. Apesar do frio, o suor escorre em abundância da sua testa, descendo em gotas grossas até o pescoço e colo. Sente os lábios secos e muita, mas muita sede.
De repente, sente um mal súbito. Por mais que se esforce, não consegue respirar. Uma dor aguda e lancinante acomete-lhe o peito e se espalha em direção as costas. Vomita aos borbotões. Cai no chão, tremendo, convulsionando. Não consegue mais controlar seu corpo. Sintomas típicos de uma overdose. Seus "amigos" formam uma roda em torno de si, só olham e riem. Era nítida a expressão de total indiferença e de desamor ao próximo.
Não demonstravam sequer compaixão ao omitir-lhe socorro.
Essa foi a última imagem da qual que L. se recorda antes de perder os sentidos.
Enquanto isso....
... L. acordava e via a sua frente uma paisagem deslumbrante. Pessoas vestidas de branco circulavam pelos imensos jardins. Os adultos estavam reunidos em pequenos grupos, os adolescentes em grupos maiores, conversando e cantando, e as crianças brincavam alegremente. Havia uma sensação de paz, de amor que L. nunca havia experimentado antes. Mesmo assim, se sentia completamente perdida naquele lugar...
Uma mulher com um olhar amoroso se aproxima. Ela pergunta:
- Onde estou?
- Veja você mesma.
Ele se aproxima de um lago e nas águas vê a sua própria imagem na rave, sendo carregada pelos médicos e levada para a ambulância...
- Como assim? O que significa isso?
- Sua alma está separada do seu corpo. Neste momento, é a sua alma que está aqui. Você teve uma overdose naquela festa e fisicamente, você está morta...
L. então vê o seu corpo deitado no setor de emergência do hospital, inerte, enquanto os médicos tentavam reanimá-la. Os pais no corredor, desconsolados, chorando. Algumas pessoas olhavam, com pena, e oravam por mais uma família destruída pelas drogas...
- Isso é mentira! Não pode ser, não pode ser. O que está acontecendo? Por que isso, justo comigo?
Ela ignora o comentário e diz:
- Preciso lhe mostrar algo. Venha comigo...
Em instantes, iniciam uma viagem rumo ao desconhecido. Entre encostas, areia e pedras, L. chega a um lugar que a deixa sem reação.
- Veja onde está o F, aquele seu amigo que se matou na semana passada.
Abismada, L. vê o melhor amigo em meio a vales sombrios e precipícios profundos, onde as pessoas se debatiam e agonizavam. Um cheiro fétido emanava do local. O ar era pesadíssimo, asfixiante. A temperatura oscilava entre o calor insuportável e o frio congelante. O chão era imundo e escorregadio. Luz? Impossível de se ter ali.
F. chorava, gritava e se contorcia. Seu espírito relembrava inúmeras vezes o momento em que direcionou o revólver e atirou contra a própria cabeça. Era muito tormento. L. também viu outros espíritos se martirizando, suplicando uma ajuda que os livrasse da dor.
O cenário era horripilante. Não havia paz, nem consolo, nem esperança. Um abismo marcado pela desgraça, miséria, desespero e sofrimento.
Só então soube que ele havia se suicidado por estar em dívida com o tráfico e estar sendo ameaçado de morte.
- Este é o vale dos suicidas. L, você não atentou diretamente contra a sua própria vida; mas como sua protetora tenho o dever de evitar que tenha um destino igual ao dele. Que as drogas levem-na a morte quer seja por overdose, como a que você teve, quer pelo suicídio ocasionado pelo desespero. Porque desde já lhe aviso - se você não abandonar as drogas a partir de agora, o seu único e certo destino será a morte e esse sofrimento todo que você está vendo. Mas ainda não é tarde para voltar atrás, e nem para se arrepender.
Porém, a decisão final é sua e não posso interferir nela. Agora é o momento de definir o seu destino.
Lágrimas que até então estava tentando conter começaram a cair dos seus olhos.
Sua mente relembra tudo o que havia feito durante a sua vida na Terra. Arrepende-se sinceramente. Desesperou-se ao imaginar que poderia não existir mais saída para a sua vida... Que ali era o fim de tudo... O fim da linha...
- Sim, sim, eu quero! Me libertar de uma vez por todas deste maldito vício. Quero mudar. E vou conseguir!
... e então perdeu mais uma vez os sentidos.
E no hospital...
Depois de muita luta, os médicos conseguiram reanimá-la.
Horas mais tarde, quando acordou, estava na UTI, e observou a sua família. L. não conseguiu conter a emoção. Abraçou e beijou seus pais, e pediu perdão por tudo o que havia feito. Também comunicou sua decisão: estava decidida a se livrar das drogas e assim que saísse do hospital, iria se internar em uma clínica especializada. Precisava de ajuda e sabia que não conseguiria sair dessa sozinha.
Após ver a morte de perto e passado por esta experiência sobrenatural, pela primeira vez em muitos anos, L. ajoelhou-se, agradecendo a DEUS por ter lhe proporcionado esta segunda chance.
Dois anos depois...
Livre das drogas, L. realiza um trabalho social exemplar coordenando uma ONG que atua na recuperação de dependentes químicos. Sua família foi restaurada, e hoje vive uma felicidade que jamais imaginava ser possível. Possuidora de faculdades mediúnicas, também atua como voluntária em um centro espírita.
Camila Souza
sábado, 23 de maio de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
8 comentários:
"O Vale Dos Suicidas" também seria um titulo muito bom, Mila. Não conhecia esse seu lado espírita. Beijo e depois você me conta mais dessa sua faceta.
Mario
Excelente Texto !
É uma mistura de Cristiane F. com Violetas Na Janela !
Parabéns .
Com carinho ,
Luciana do Rocio .
Otimo o texto...
Pq ter medo do sobrenatural, se ele nos aponta caminhos, nao?!!!
Beijos, parabens flor...
Maria
Mário
Você, como sempre, cheio de elogios né. rs
Então, na verdade eu comecei a ter contato c/o espiritismo a pouco tempo, então ainda tenho muito o que conhecer e aprender.
Beijos!
Luciana
Assisti o Cristiane F (excelente filme, por sinal), mas ainda não tive a oportunidade de ler o Violetas na Janela. Dei uma "googleada" e bastou ler a sinopse do livro p/despertar minha curiosidade de conhecer ainda mais a fundo a dountrina espírita.
Brigadu! rs
Beijos!
Maria
É verdade. Confesso que ainda tenho muito medo do sobrenatural, mas enfim...
Beijos!
Nunca é tarde para ver q sempre existe algo q faz lembrar q a vida vale a pena ,ando meio esquecido mas quem sabe um dia eu posso me lembrar!!!
Adorei seu texto
Bjj Mila querida!!!
Zenildo
Que surpresa! Obrigada pela mensagem, pela força e pelo carinho.
Apesar de às vezes pensamos o contrário, sobretudo nos momentos de desespero; sim, a vida vale a pena, e sabe por que? PORQUE SOMOS VENCEDORES!
Isso mesmo.
... somos vencedores por mostrarmos o nosso verdadeiro EU, na integralidade - qualidades, defeitos, fraquezas, limitações. É preciso muita coragem!
... somos vencedores porque somos sensíveis e não temos vergonha de mostrar essa faceta.
... somos vencedores porque a cada dia aprendemos a valorizar o que temos de mais precioso, o amor e o respeito ao próximo.
... e somos vencedores porque lutamos todos os dias contra um fantasma que paralisa nosso corpo, mente e espírito. Cada dia que seguimos desafiando nossos problemas é uma vitória pessoal. Temos recaídas, sofremos, choramos ... mas estamos aqui. E existindo vida, existe esperança.
Beijos!
Postar um comentário