quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A Gata Caolha: Uma Lição de Vida


Capítulo 1 - Alguns Mitos Sobre os Gatos

O primeiro contato que tive com um felino foi na antiga casa em que minha família morava, em Curitiba, no bairro Jardim Centauro. Eu tinha cinco anos de idade quando, de repente, avistei um gato desconhecido no meu quintal. Corri para abraçá-lo e ele sumiu. Naquele momento perguntei para a minha avó, que estava nos visitando:
- Por que o gato fugiu de mim?
- Porque este bicho é um felino arisco de rua. Tenha cuidado com gatos porque eles são traiçoeiros. Afinal, felinos não gostam do dono, e sim da casa.
Naquela época fui a uma loja de calçados com a minha mãe e ela falou com a vendedora que queria trocar o sapato, pois tinha comprado gato por lebre. Naquele instante, pensei:
- Eu pensava que couro fosse feito de boi... Nossa! Existem couros de gatos e lebres também!
Na volta, pegamos o ônibus e avistei um neto malcriado brigando com a sua avó que ralhou:
- Não me faça de gato e sapato!
Logo refleti:
- Pela expressão usada pela idosa... Sapatos feitos de gatos não devem ter qualidade.


Capítulo 2 – “Animalterapia”

Em 1983, aos nove anos de idade, por sofrer bullying no primário pela dificuldade de aprendizagem, a orientadora escolar pediu para que meus pais me levassem a uma psicóloga. O consultório da profissional indicada ficava muito longe da minha casa, no bairro Vila Isabel, por isto eu e minha mãe precisávamos pegar o ônibus.
A clínica ficava numa casa antiga datada do século XIX. Ao lado dela tinha uma residência abandonada. Um certo dia, antes de fazer minhas sessões, notei que naquela rua havia uma pastora-alemã abandonada, porém muito dócil. Naquele mesmo instante fiquei amiga da cachorra e ela passou a brincar comigo todas as vezes que me via. Então pensei:
- Se fosse uma gata em vez de cachorra, será que ela seria minha amiga deste jeito?
Alguns meses depois notei que a cadela desapareceu sem nenhuma razão. Foi quando a psicóloga recebeu uma nova paciente: Graziele. Ela era uma adolescente de 13 anos que não levantava a cabeça e nem falava. Então, minha mãe chamou-me no canto e me explicou:
- Esta garota ficou assim porque um tarado a pegou. Por isto é que eu digo para você tomar cuidado... Se alguém oferecer balas e caronas nunca aceite!
Naquela época não tinha tantos casos de pedofilia como tem agora. Mas sempre tive medo destes bandidos e por isto sempre estava em alerta.
Alguns dias depois, eu estava brincando no parquinho da clínica quando, de repente, vi a pastora-alemã. Porém, ela estava com um olhar triste, cabisbaixo, e a sua parte traseira parecia estar muito machucada. A psicóloga saiu da clínica para me chamar, viu o problema da cachorra, resolveu levá-la ao veterinário e adotá-la.
Quando a doutora recolheu a cadela para dentro da clínica, o animal foi direto para o colo de Graziele, que ergueu o olhar para o bicho e, pela primeira vez na vida, vi aquela garota falar a palavra “oi”. A partir daquele instante a terapeuta decidiu fazer as sessões de Graziele junto com a cachorra. Quatro meses depois a menina voltou a falar normalmente.
Alguns anos mais tarde, descobri que a cadela sofreu o mesmo tipo de violência que vitimou Graziele. Além disso, surgiram pesquisas afirmando que pessoas vítimas de estupro que fizeram terapias acompanhadas por animas que sofreram o mesmo tipo de violência tiveram um resultado melhor . Este método foi apelidado de “animalterapia” .


Capítulo 3 – Fazendo Amizade Com um Gato

Há oito anos, mudei junto com os meus pais do bairro Jardim Centauro para o Jardim Santa Bárbara, em Curitiba mesmo. Porém, Gisele, minha irmã, ficou morando no antigo bairro. O mais interessante é que ela ganhou uma gata e este animal proliferou tanto a sua família que no final do ano Gisele estava morando com 20 felinos.
Na época, meu sonho era ter um cachorra amarela da raça “labrador”, a qual eu colocaria o nome de Dorothy Alice. Porém, isto era impossível, pois meus pais viviam dizendo que nunca aceitariam o fato de eu possuir um animal de estimação na mesma residência que eles.
Quatro anos depois, minha irmã doou os gatos e ficou sem nenhum bicho de estimação. No ano seguinte, apareceu um gato caolho, cinza “moriscado” e com um dos caninos avantajado, bem no quintal da minha casa. Toda vez que eu via aquele animal sentia medo. Além disso, minha mãe vivia dizendo que aquele bicho era pesteado e feio.
Um ano depois, após sofrer uma violência moral em público, eu estava admirando a beleza do quintal quando, de repente, vi aquele animal deitado no jardim. Então, resolvi , chamá-lo e assim o felino aproximou-se. Acariciei o pêlo dele e ficamos amigos.
Todas as vezes que meus pais avistavam eu brincando com o bicho, eles reclamavam. Até que, com o tempo, se acostumaram.
Uma vez, eu estava brincando com o felino no quintal, até que minha irmã, que veio visitar a família, começou a brincar com o animal também e disse:
- Isto não é um gato. É uma gata e deve ser muito velha. Mas o importante é que ela é dócil e gosta de você.
Eu então falei:
- Então poderei chamá-la de Dorothy Alice.


Capítulo 4 – Origens de Gata Caolha .

Eu nunca soube ao certo como Doroty Alice veio parar na minha casa. Porém tenho duas versões:
1º - A Gata Caolha Era da Gisele
Um certo dia meu pai viu a Gata Caolha e falou:
- Aposto que este bicho era um dos gatos que pertencia à Gisele. Tenho quase certeza de que ela jogou esta gata aqui só para “sacanear” a gente.
Assim, na próxima visita que a minha irmã fez, ela aproximou-se de Dorothy Alice e exclamou:
- Boa tarde, gata fofa. Esta gata caolha é braba com outros gatos, por isso ela perdeu um olho numa briga.
Eu indaguei:
- Gisele, esta gata é sua ? Ela era um daqueles 20 felinos que você tinha?
Ela apenas respondeu:
- Esta gata é mais sua do que minha.
2º - A Gata Caolha Era da Falecida Dona Laura
Uma vez, dentro do ônibus, sentei-me junto com a vizinha que morava do lado esquerdo da minha casa. A gente começou a conversar sobre animais de estimação. De repente, eu disse:
- A senhora notou que uma gata caolha apareceu lá em casa e ficamos amigas?
Ela respondeu:
- Diz a lenda que aquela gata pertencia à Dona Laura, que morava na mesma rua que a gente. Falam que esta senhora foi passear no bairro Centro Cívico com os netos e, no meio do passeio, a turma viu uma gata sendo maltratada por um grupo de playboys. Ao avistarem um deles furando o olho do animal, os netos de dona Laura atacaram os mauricinhos e levaram o bicho ao veterinário. Após isso, aquela senhora adotou a felina e a colocou junto com seus outros três gatos. O problema é que os outros animais não aceitaram a presença da nova colega, começaram a persegui-la e foi justamente na sua casa que ela encontrou sossego.
Eu então comentei:
- Pois é... De vez em quando eu noto que um gato siamês amarelo de olhos azuis, uma gata angorá branca e um gato preto aparecem para agredir Doroty Alice... Porém, todas as vezes que eles atacam a gata caolha, eu pego uma vara e os expulso, sem machucá-los, é claro.
Assim, a vizinha completou:
- Pois é... Estes gatos que você citou aí são os antigos colegas de moradia da gata caolha.


Capítulo 5 – Lições Que Aprendi Com a Gata Caolha

Com esta gata aprendi várias lições:

1º - Nunca Desista Por Piores Que Sejam as Dificuldades
Dorothy Alice gostava de caçar passarinhos no quintal . Antes da minha mãe adoecer, ela gostava de varrer a varanda de casa e por isto vivia com uma vassoura piaçava nas mãos.
Uma vez, a gata estava prestes a pular em cima de um pardal quando, de repente, minha mãe sentou uma vassourada nela. Apesar disto, Dorothy Alice não desistiu e foi caçar passarinhos do outro lado da casa.
Também notei que o fato de a gata ser caolha não foi nenhum obstáculo para ela. Pois esta felina continuou caçando aves perfeitamente. Tanto que, na primeira vez que avistei Doroty Alice fazendo isso, comentei:
- Esta gata caolha caça passarinhos tão bem... E olhe que ela tem um olho só! Imagine se ela tivesse dois...
Moral da história: Nunca devemos desistir de caçar os pássaros de nossos sonhos, por mais vassouradas que o destino possa nos dar. Pois o quintal da nossa vida é sempre imenso e repleto de possibilidades.

2º - Você Poderá Ajudar um Amigo Só Com a Sua Presença
Num dia ensolarado de primavera decidi passar graxa nos meus calçados e deixá-los secando ao Sol. Quando estavam ao ar livre, Dorothy Alice aproximou-se deles e começou a se esfregar nestes calçados com os seus pêlos macios, como se eles tivessem o poder de acariciá-la. No final da tarde, peguei estes meus sapatos para lustrá-los e notei que os pelos da gata já tinham feito boa parte do serviço. Graças a eles, meus calçados estavam brilhando.
Lição da cena: você pode ajudar um amigo só com a sua presença.

3º - Quem Não Tem Cão Caça Com Gato
O ditado que mais duvidei na vida foi este acima.
Como alguém pode caçar com gato?
Mas Dorothy Alice ensinou-me que este ditado está mais do que certo.
Quando eu rezava para ter uma cadela da raça “labrador” foi que a gata caolha surgiu do nada e mostrou-me que um felino também pode ser o melhor amigo de uma pessoa. Ela provou que o ditado “gato não gosta do dono e sim somente da casa” é totalmente errado.
Uma vez, meu pai ganhou amostras grátis de uma nova ração de cachorro. Então ele me disse:
- Ofereça esta ração de cães para a gata. De repente, ela gosta...
Mesmo duvidando que esta ideia desse certo, resolvi dar aquela comida para a felina. Fiquei assustada quando vi que Dorothy Alice comeu toda a ração para cães. Logo pensei:
- Quem não tem comida de gato, come ração para cachorros.
Nos primeiros meses passei a oferecer leite num potinho para a gata. Porém, meu pai não gostou da ideia e chamou-me a atenção. Como nem sempre tinha ração de bichos para dar ao animal, pensei:
- Se a gata comeu ração de cachorros, bem que ela pode se alimentar da refeição preferida da sua presa: pedaços de queijo! Afinal, queijo é laticínio e gatos gostam de leite.
Ofereci um pedaço de queijo para Dorothy Alice, ela adorou e até hoje faço isso.
Moral da história: muitas vezes os alimentos dos nossos rivais podem ser nossas principais comidas também.

4º - Não Adote um Animal de Estimação, Espere Que Ele Adote Você
Muitas pessoas escolhem um animal de estimação pela beleza , sem pesquisar se a personalidade dele é compatível com a alma do seu futuro dono. Este é um grande erro. Por causa deste tipo de equívoco é que muitos animais de estimação são abandonados pelas ruas. Uma pessoa pacata jamais se harmonizaria com um animal travesso ou vice-versa.
Minha amizade com Dorothy Alice deu certo porque ela me adotou.

5º - Quando Receber Carinho Procure Estendê-lo à Alma
Na primeira vez que acariciei Dorothy Alice, notei que ela tentava estender os carinhos para outros objetos. Ela se esfregava no muro como se ele fosse a extensão das minhas mãos e depois voltava para os meus braços.
Moral do ato: toda vez que receber carinho no corpo, procure estendê-lo para a sua alma, pois isto faz bem para sua auto-estima.

6º - Nunca Julgue uma Criatura Antes de Saber a Verdade
Um certo dia, resolvi colocar uma calça suja de molho. Para isso, fui até a lavanderia que ficava em frente ao quintal onde a gata me observava. Eu ia colocar a roupa de molho quando notei que estava com um relógio que não era a prova d'água. Então, rapidamente tirei o objeto e coloquei-o em cima da máquina. Depois, mergulhei a calça de molho. Em seguida, fui para o meu quarto. Chegando lá, percebi que tinha deixado o relógio em cima da máquina de lavar. Fui até o local e desesperei-me quando não encontrei o objeto. Ninha família ajudou-me a procurar o relógio. Então pensei em voz alta :
- Como meu relógio foi desaparecer de cima da máquina? Ninguém estranho estava em casa. Só eu e a ... Gata !
Após esta reflexão fui revistar o animal, que escondia uma coisa em suas patas. Mas vi que o objeto era apenas um caroço de pêssego. Mesmo assim ralhei com o bicho:
- Quem pegou o meu relógio? Só pode ser você, né, gata? O que você fez com ele?
Naquele mesmo instante, meu pai achou meu relógio dentro do balde onde a calça estava. Eu então disse:
- Desculpe, Dorothy Alice! Pois agi de uma forma precipitada!
Lição da cena: nunca julgue alguém sem antes ter certeza, absoluta, do fato em questão.

7º - Toda a Lenda Tem Um Fundo de Verdade
Uma vez resolvi buscar no Google a seguinte expressão: lendas sobre gatos caolhos. Então vi num site que, nos Estados Unidos, encontrar um gato caolho é sinal de sorte e, toda a vez que alguém encontra um bicho assim, para aumentar a sua expectativa de sorte, a pessoa deve cuspir na mão direita e dar três pulinhos.
Ora, Dorothy Alice só trouxe sorte para minha vida.

Conclusão:
Através deste meu relato é possível concluir que a “Animalterapia” funciona de verdade e traz excelentes resultados. Minha convivência com a gata caolha fez com que minha saúde física melhorasse e minhas crises de depressão baixassem.



Luciana do Rocio Mallon

Um comentário:

Anônimo disse...

Felicidades à Dorothy Alice em todas as suas sete vidas (ou mais).
Beijo, Luciana, também amo gatos. E já tive um gato caolho.

Mario