quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O Pulo Do Cão


Era um cachorro diferente, mesmo antes de eu conhecê-lo. Tinha um mal da raça que o tornava quase como um eterno recém-nascido humano, mas com a grande vantagem do choro menos esporádico e mais grave.

De pêlos brancos bem ralinhos, longas orelhas eretas, olhos pretos enormes e pequeno rosto redondo, era o mais belo cão-morcego jamais visto por mim. Uma fofura, e sobre isso, a opinião era unânime. Não ouso cometer o mesmo equívoco de outros donos de bichos, que dizem que seus companheirinhos são pequenos gênios peludos cujo único atributo ausente é a capacidade de falar, mesmo porquê nada falta ao meu cão. Aliás, o que mais gosto nele é o fato de que os únicos sons possíveis que ele pode fazer são chorar ou latir… nunca falar ou reclamar. Todos nós sabemos que desde que se aprende a articular palavras, o que menos sai de uma boca são elogios e afins. Deve ser algum tipo de alergia universal.

Mesmo afirmando que nada falta ao meu cachorro, admito que ele é um tanto quanto desprovido de esperteza. Logicamente não muito mais do que o que falta para muitas pessoas por aí. Apesar da suposta ignorância, ainda acredito que essa característica é extremamente vantajosa a todos os animais de estimação, porque talvez só assim eles consigam ser felizes vivendo dia após dia no mesmo cotidiano monótono e muitas vezes solitário. Eu, em sã consciência, ficaria louca vivendo tal qual meu bicho. Imagina só ter a felicidade resumida a uma migalhinha de comida, uns poucos minutos do dia brincando com o dono e uma passeadinha pelas mesmas ruas desde sempre.

Ou talvez eu esteja me exaltando. Quem sou eu pra dizer que minha vida é mais feliz que a do meu bicho, já que ele não pode nem debater o assunto comigo. Aposto que, se ele pensasse - quem sabe ele até pense, mas apenas não fale -, daria graças por ter nascido cão ao invés de homem.

Enquanto eu empanturro-me de comidas deliciosas, para depois morrer sob o sofá, gemendo, meu bicho sofre ao receber apenas um pedaçinho do manjar… mas depois compensa saltitando sob minha barriga, feliz da vida ao me ver morto com o meu próprio veneno. E ele lá, crente de que quem ri por ultimo ri melhor.

Ele também já deve ter notado que há algo estranho pra fora daquela porta. Afinal, toda vez que eu chego em casa, em terno e gravata, ele - sempre nu - prevê meu mau humor e trata de só dar alguns pulinhos simbólicos, para não sair da rotina, e de se deitar embaixo da minha mesa, só saindo dali ao comando de um cafuné, o seu alvará de soltura. Logo, meu cão deve louvar o fato de ficar no máximo 30 minutos exposto ao inferno que o faz ficar horas estático sob risco de uma bronca, e um castigo às vezes.

Telefone então, nem se fala. De tanto me ver atendo-o, para logo em seguida ficar algum tempo berrando, o bicho já corre só de ouvir o trim-trim. E o pior é que eu não largo o celular… até quando estou lendo um livro qualquer, e aproveito para espiar o cão, também sempre acompanhado de sua bola. Às vezes, ele me empurra essa bolinha com olhos tão vibrantes, que tenho vontade de entender o que ele quer dizer com isso. Mas sempre que começo a pensar, meu telefone toca e… bem, aí você já sabe.

Nos fins de semana, até que ficamos bem unidos, a não ser nos que viajo. Ultimamente, tenho feito isso com freqüência, e o engraçado, é que o cachorro parece nem notar. Chego em casa às seis horas da matina, e o máximo que ele faz é ficar ao lado do pacote de ração. Nem reclama… acho que já se acostumou a ficar sozinho.

Dia desses, cheguei em casa após um feriado na praia e vi que a casa estava virada de pernas pro ar. O chão infestado de objetos, as mesas vazias, as cortinas rasgadas, tudo indicava que um ladrão havia entrado ali. Após checar meus objetos de valor, e constatar que nada havia sumido, fiz uma busca de meus pertences, e o engraçado é que nada estava faltando. Dei urras pela minha sorte, pois só o que roubaram foram as comidas que estavam sob a mesa. A geladeira e o armário estavam intactos, apesar de que quase tudo que havia lá dentro já estava estragado.
Fui ao mercado tratar de comprar minha janta e… touché! Ainda faltava isso…

Ainda bem que sou bastante observador e reparei no buraco que havia perto da parede. Ladrões espertos esses… levaram até meu cão especial.



Letícia Mueller

Um comentário:

Anônimo disse...

Letícia, você é um perdigueiro com as palavras e ideias. rs Espero que o cãozinho volte ao seu distraído dono. :-)
Beijo, Fofulety.

Mario