quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A lata nossa de cada dia



Esses dias, de dentro da lata, vi na rua um homem cego pisar em um buraco da calçada. Justificável. Logo no mesmo instante, a uns cinco metros à sua frente, um homem, saudável, forte, alto e meio apressado tropeçou na mesma calçada. Onde parar um mundo aonde ninguém mais não tem nem tempo de olhar por onde anda mesmo tendo a visão?

Direcionei então meu olhar para dentro da lata, que andava sempre no mesmo rito e na mesma pressa. Tantos trocados caindo pelo chão e relógios sendo observados a cada minuto (não que eu tenha contado). Surgiam tantas vidas naquela lata metálica que aos poucos ia se enchendo de histórias. Mas uma era diferente.

Andava calmo, compassadamente, com sua maleta marrom e camisa engomada com um suéter de lã por cima. O cabelo rente e branco como algodão, e o olhar azul anil perdido nas janelas, olhando tudo como eu. Quanta história acabara de sentar do meu lado, mas a timidez evidente o impedia até de olhar para mim, quem dirá falar.

Tossiu e depois de observar de rabo de olho, esquivou a visão do papel em que eu escrevia. Quantos amores, dores e alegrias ele já não teria vivido? Tudo o que a gente em metade da metade da vida fica imaginando como será, ele já tinha vivido. Que vontade de perguntar como era o futuro! Mas respeitei sua timidez e apenas fiquei na minha imaginação.

E toda hora assim, vidas e histórias por um momento se uniam em um mesmo lugar, umas mais longas, outras mais curtas, tristes ou felizes.Talvez um novo amor na vida daquela menina com óculos grandes e cabelo feito coque.Ou talvez quem sabe um amor monótono e rotineiro explicaria o porquê daquele olhar distante do jovem perto da janela. Quem sabe uma promoção no trabalho daquele cara engomado em pé, com sua malinha de escritório.

E a ruiva que passava na rua, o japinha na minha frente começou a olhar. "Ah safados!". Nessa hora todo homem é igual, japas, engomados ou até quem tem cabelo rente e branco. Ele falando naquele senhor, percebi quando levantou e timidamente preparou-se para sair. O olhar correu mais uma vez pela lata, mas logo direcionou-se para o chão, parecia. Segundo lugar mais olhado dentro da lata se não a janela.

E nas portas da lata desciam histórias, desciam futuros, desciam sonhos e desilusões que no outro dia se reencontrariam. Mas ninguém falava, ninguém podia desabafar ou explodir de alegria. E assim, meia hora havia se passado na lata Curitibana (não que eu tenha contado).




Bianca Nascimento da Silva

Um comentário:

Anônimo disse...

Também já vi umas mil histórias entrando e saindo dessa lata, Bia (não que eu tenha contado rs).
Muito bom, bem observado o detalhe justo em algo que já é paisagem tão comum na vida de todo curitibano.
Beijo.

Mario