Há que ser
Olhando para eles agora, eu me pergunto como é possível não se encantar com os pares de olhos que brilham, com as rugas de preocupação, com os doces sorrisos estampados, com os olhares zombeteiros de quem tem a resposta pronta, na ponta da língua (seja para ferir, questionar, rir ou debochar).
Seus anseios são os maiores do mundo. Suas dúvidas, eternas. Suas rusgas, efêmeras. São capazes de partir do diálogo para a agressão física e para um abraço apertado em poucos minutos. Pura emoção. Contradição.
Tudo e nada exigem, mudam de desejo e de opinião, como mudam de roupa. Gritam, sussurram, gargalham – assim são meus alunos adolescentes.
Há que se ter muita paciência, dedicação e amor para ser um bom profissional na área da educação. (Infelizmente, nem todos possuem os três adjetivos...) E não vou nem citar a questão salarial, porque este não é meu objetivo.
É obvio que existem contratempos. Como em todas as relações humanas, diferenças são inevitáveis. E agir com serenidade nem sempre é fácil ou mesmo, possível. Se a família, por vezes, tem dificuldade para conviver com um adolescente, imaginem como é conviver com 30, 40 adolescentes dividindo o mesmo espaço! Convive-se por menos tempo, é verdade, mas convive-se.
A questão é que diferenças devem ser exceções e não regras. Adolescentes nos cansam, nos ofendem, nos provocam, nos decepcionam... – às vezes nos ferem tanto que parecemos derrotados... Sei que existem casos extremos de violência entre aquele que educa e aquele que aprende (e professores e alunos cabem nos dois papéis), principalmente nos grandes centros urbanos. Mas insisto – há que ser paciente. Há que se esperar o melhor de cada um. Aquilo que é único. Não que eu seja um modelo de paciência – porque definitivamente não sou – mas procuro, a exemplo de Saint-Exupery, cativar para ser cativada.
A maior parte de meus alunos vive no meio rural de uma cidade do interior, tem origem humilde, carentes de afeto e de melhores condições de vida. E são tantas as histórias... Crianças de 12 anos que madrugam para tirar leite, fazer queijo, buscar água, cortar lenha ou limpar a casa antes de ir para a escola. Crianças e adolescentes que acordam às cinco horas da manhã, num dia frio de geada, para caminhar alguns quilômetros até o ponto de ônibus mais próximo. Que vivem em casas de chão batido, sem energia elétrica ou água encanada. Uns vivem só com a mãe, outros só com o pai, outros com a tia, a madrinha (ou qualquer pessoa que ofereça proteção). Alguns perderam o pai num acidente de trabalho, outros tem pai mas infelizmente sofrem com agressões, geradas pelo alcoolismo. Muitos meninos, aos 15 anos, já possuem as mãos calejadas de um trabalhador. Já tive alunas(os) que foram, inclusive, molestadas(os) sexualmente, dentro da própria casa. Os mais carentes nunca tiveram festa de aniversário, acesso a internet, foram no cinema ou num restaurante. Muitos dependem, inclusive, da ajuda dos próprios professores ou da escola pública para possuírem material escolar, ou um par de sapatos, um agasalho no inverno.
Muitos estudam num período e trabalham em outro. Cuidam de crianças menores, colhem feijão, cortam pinus. Ou são obrigados a optar pelo trabalho em detrimento dos estudos. Mas, espera aí! E o Estatuto da Criança e do Adolescente? E os programas sociais do governo? Existem. São importantes, sem dúvida nenhuma. Mas, na Constituição, todos são iguais perante a lei. Todos têm direito a saúde, educação, moradia de qualidade. Na prática, o buraco é mais embaixo.
Sem perspectivas, muitas meninas casam antes dos 18 – e aos 20, quando muito, já têm dois, três filhos. Os meninos, desde cedo, passam seu tempo ocioso em botecos. Fumam desde pequenos. E plantar sonhos em suas vidas, portanto, não é tarefa fácil...
Mas estou generalizando. Também há aqueles que possuem celular de última geração, carro zero, eletrodomésticos, fazem viagens e usufruem de todo o conforto que o Capitalismo pode proporcionar. Mas são minoria. E mesmo que privilegiados socialmente, nem sempre o são afetivamente.
É justamente por isso que insisto com meus colegas: carinho, paciência, respeito e atenção não custam nada e rendem miraculosamente... É preciso relembrar nossos próprios temores e anseios adolescentes. Revivê-los, ter empatia. Não dá para aturar um professor mal-humorado, frustrado, mal pago e que não gosta de trabalhar com pessoas. Ninguém é obrigado a fazer o que não gosta – e magistério é vocação.
Rúbia Carneiro
sábado, 5 de setembro de 2009
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2 comentários:
Diário da perseverança, Rubia. Parabéns não só pelo post mas (principalmente) pelo seu compromisso com essa tarefa tão importante e que você abraça de forma tão zelosa. Só tenho certa dúvida com relação ao trabalho de lecionar ser uma vocação, pois acho que todos temos algo para ensinar - e muito mais ainda para aprender. Mas, sendo ou não uma vocação, você a tem de sobra. :-)
Beijo, Rúbia.
Mario
Concordo com vc: temos muito mais o que aprender do que ensinar... Mas vocação pra mim é gostar do que se faz, é buscar aprimoramento sempre que possível, é divertir-se, é estar aberto ao diálogo, é sonhar por algo melhor. Mas nem todo mundo pensa assim. Para algumas pessoas a única coisa que importa é o depósito no fim do mês...
Beijo.!
Rúbia.
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