Tião e Maria
O namoro de Tião e Maria era como um dia de calmaria, todos os dias. Não que fosse pouco o sentimento, apenas não era violento. Tinham a segurança de saber exatamente onde pisavam e o que queriam, e eram felizes assim, diferentes do resto do mundo.
Mas o resto do mundo não compreendeu vida tão singela e achou que havia algo de muito errado. Aconselharam Tião a não ligar um dia para Maria, pois ela nunca tomava a iniciativa, só para ver se ela realmente se importava, “ver se ela sente saudades”, disseram. E só uma vez Tião não ligou. Maria, mesmo estranhando, também não ligou, “ele precisa de espaço” disseram.
Sem resposta, nem no outro dia nem depois, Tião começou a se sentir vazio e perdido, “numa dessas ela cansou”, disseram. Via Maria de longe, na saída do trabalho, e o ar sereno dela o deixava ainda mais aturdido. Maria, sentindo que alguma coisa grave estava acontecendo, baixou a guarda e pegou o telefone, “tá doida!? Vai se rebaixar assim?”, disseram, e Maria não ligou, mesmo com o coração dolorido. Via-o de longe, no horário do almoço, e o semblante bem posto dele dava-lhe a certeza que já a esquecera.
Depois de tempos, cada um já estava absolutamente certo e resolvido consigo mesmo que a história que construíram juntos havia terminado exatamente como começara: sem muitas palavras e tormentas de verão.
Disposta a esquecer, só uma vez foi Maria Vai Com As Outras, resolvida a afogar as mágoas no baile de carnaval que se anunciava e no qual nunca se arriscara a ir. Perdida no meio de tantas cores, fantasias e máscaras, Maria sentiu que podia sim, que voltaria a encontrar um porto seguro e que o primeiro passo para isso era exatamente este: estar perdida.
Foi quando, em meio a toda aquela gente, surgiu um moço mascarado e o coração de Maria, sabe-se lá o motivo, falhou uma batida. Certa que ele jamais olharia para ela, também mascarada, estremeceu quando ele pegou na sua mão e sentiu, mais uma vez, vontade de se doar, esquecer Tião e recomeçar.
Só uma vez se aventurou e atirou-se em braços desconhecidos. No meio do baile resolveram despir a fantasia para que pudessem se conhecer também sem disfarces. Mas, ao tirarem as máscaras, o coração de Maria embranqueceu como embranquecem os cabelos. O que aconteceu foi que se deparou com um rosto muito parecido com o de Tião, era o irmão, João.
Constrangidos e culpados, não sabiam ao certo o que fazer dessa nudez em que se encontravam, nem conseguiam tecer explicações. Sem jeito e sem palavras apenas viraram-se as costas e partiram mas, desde então, Maria nunca mais sentiu como se o mundo desabasse dentro dela ao ver Tião, nem uma vezinha só.
Ana Cordeiro
sábado, 19 de dezembro de 2009
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3 comentários:
É assim mesmo que a coisa se processa, Ana, desfechos prematuros por ocasião do "disseram eles", muito bem pontuado na narrativa. Acho que pra muita gente vai pintar um deja vu. rs
Beijo.
Mario
Adorei a história de Tião e Maria, Ana! Graças a Deus, nunca tive um desfecho assim, por conta do "disseram eles". Máscaras são objetos que permitem uma série de análises paralelas.
Beijão!
Ah, e parabéns pra Ana, porque hoje é também o aniversário dela! :-)
Aliás, aproveitando a oportunidade: é dia de comemorar também os aniversários da Bia e da Ange.
Parabéns em dose tripla, Desaforadas.
Mario
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