quinta-feira, 27 de janeiro de 2011


120 MINUTOS





O tempo contado ao contrário pelo relógio preto e dourado pendurado em dois tons de parede e o quadro assombrado por seus ancestrais definem sua silhueta. Entre o velho, passeio no parque e o novo, encantado destaque, está Adélia, a doce velha infância.



Seu movimento reflete as emoções do corpo. Num rompante, da dor da passagem estreita e úmida para a luz da vida que, de início, quase a cega. Em saltos cronológicos desenrola seu novelo colorido, espasmos de suas memórias de criança e madura mostra que o tempo do relógio não precisa precisão. A graça é essa, ir e voltar, correr e andar, tudo pra poder contar, se fazer notar, se identificar. Um silêncio primário, observação, libertada a expressão não há mais o que temer. Na ausência de palavras, a presença da emoção. Poderia ser um palanque marginal, decorado por “um oásis de horror em meio a um deserto de tédio”, como diria Baudelaire, mas era somente e intensivamente sua vida. Timidamente gentil, assustadoramente simpática, pobremente chata, bem poderia ser o desenho de um delírio psicótico e incontestavelmente emocionante e encantador.



Em alguns minutos, metade de uma vida. Parece que a conheço há anos, mas na verdade tudo que sei são algumas de suas vitórias e duelos. E o que é isso que a levou tão longe? Tendo vivido entre o céu e o inferno e experimentado por diversas vezes o gosto amargo daquele sentimento que derretia como ácido seu coração, penso que era raiva mesmo. Sentiu-se morrer antes de morrer, quase uma morta viva, acorrentada em tanta embromação burocrática e falso moralismo típicos da sua época.



Felizmente, Deus que lhe deu o fardo, também lhe presenteou com o dom. E a mixórdia da sua vida veio até outras almas por um processo que nomeio flutuação. Alguns podem achar que é uma história sem pé nem cabeça, eu prefiro tratar como uma forma de contato. Unidades de uma mesma vida identificadas por tantas outras, ponte de doação, Adélia colocou vida até em pedra. Sim! Ela evocou a alma da pedra.


Me encontrei, no momento em que sonhei com borboletas e lá no meio do jardim estava ela metamorfoseando, passando de triste visguenta monocromática à alada colorida. Me encontrei porque também costumo me manter num casulo por vários dias pensando sobre todas as possibilidades da vida pra então em um dia de sol me abrir e me jogar multicolor nos jardins reais da minha imaginação. Ou seriam imaginários da minha realidade? Ah, enfim, descobri que sou assim e que nesse mundo de gente louca, no fim, somos todos normais.



Competição, nem pensar, quem sou eu pra tentar? Isso tudo é apenas um agradecimento especial. Dramas, comédias, luzes e sombras refletem emoções de quem precisou aprender a amolecer a si mesma para depois descobrir que as coisas são o que são, que a impressão pessoal é determinante do que serve e do que não serve. Hoje passa pela sua feliz idade livre, mantendo seu apelo para que não a tomem por julgamento, entendam sua fé e a desculpem por sua distração e teimosia. Disposição pra elucubração, inspiração pra satisfação dar-se conta de que escrever é necessário, resultado de constante terapia, estilo marcante, diferencial de caráter único.



Ah, e não se pode confundir minha apreciação com depreciação, por favor, porque nada do que comunica é apelativo, mesmo porque as suas doses de sensibilidade e inteligência merecem espaço, com certeza, nessa selva de aprovação a que somos submetidos em diversos momentos da nossa passagem. Entendi que Adélia, flor doce essencialmente, libertada corajosamente, aborta sua porção Amélia e brinda-nos com sua loucura lúcida.


Angelica Carvalho



Fonte: www.conversaentreamigos.com.br

"O “Conversa entre Amigos” é um programa de incentivo à leitura, de adesão voluntária e gratuita, com os objetivos de facilitar o acesso das pessoas às grandes obras da literatura brasileira e internacional, estimular o hábito da leitura e formar uma rede de grupos de discussão literária. Criado em 2004 pelo engenheiro e deputado Marcelo Almeida, foi inspirado no livro “Felicidade” de Eduardo Gianetti. Aproveito, aqui, a ocasião para convidar a quem estiver interessado em fazer parte desta grande corrente de leitura a acessar o site relacionado ao final do texto. Fazendo parte deste grupo, tive a oportunidade de participar de um dos encontros, que trouxe a escritora paranaense Adélia Maria Woellner para uma noite de autógrafos e bate-papo sobre seus livros “Luzes no Espelho” e “Loucura Lúcida”.
Enquanto Adélia respondia as perguntas dos colegas do grupo, fiquei anotando cada palavra, cada gesto, cada opinião ou explicação no caderninho que costumo carregar na bolsa. Cheguei em casa e no dia seguinte comecei a juntar as peças a fim de homenagear e contar um pouco da história da autora que muito me cativou. Posteriormente, participei com ele do Festival Cultural Banco do Brasil 2010, na categoria crônica. "

Angelica Carvalho


Foto: Blog Jeisiam Gomes


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