sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Fogo ou Frigideira





Era início de dezembro, um dia típico de verão em Curitiba, por mais que ainda fosse primavera. O sol entrava pelas janelas do escritório sem pudor algum, desrespeitando as cortinas expostas para barrar sua passagem. Eu e mais duas meninas suávamos por baixo das camadas e camadas de pó translúcido, tentando disfarçar as gotas de sal que queriam escorrer de nossas faces como se fôssemos jogadores de futebol. Olhávamos umas para as outras, com olhar caído, e em nossos pensamentos, implorávamos por uma ajuda ou uma solução por aquela tortura. O máximo que conseguíamos fazer para nos ajudar era revezar o único ventilador – talvez eu devesse chamá-lo de ventoinha - que nossos queridos chefes, dentro de sua enorme sala refrigerada por um potente ar-condicionado, foram capazes de comprar sentados em suas confortáveis cadeiras almofadas e seus computadores Mac Pró.
Éramos todas estagiárias. Mulheres sedentas, suadas, mal humoradas e estagiárias. Logo, se não podíamos reclamar de nossas cadeiras de madeira e nossos pc´s Windows 95, imagine sobre o incrível ventilador quase tão eficaz quanto o ar-condicionado. Toda vez que a porta dos chefes se abria, nos deliciávamos com a breve brisa gelada que vinha lá de dentro. Poderíamos nos ajoelhar para implorar por um ar-condicionado daqueles, ou pelo menos mais um ventilador do qual não tivéssemos que escolher qual parte do corpo seria refrescada. Mas não podíamos, pois éramos estagiárias.
O tempo demorava a passar. Meu cabelo, preso em um coque alto para, nem pensar, encostar em minha nuca fervente, começava a dar os primeiros sinais de desistência. Minha cabeça suava, e fiozinhos ao lado da orelha se soltavam aos poucos, formando cachinhos ensebados e umedecidos. As duas meninas me olhavam atemorizadas. A pior coisa que poderia acontecer em um dia infernalmente quente acontecia comigo. Meu cabelo deixou de me obedecer. Merda, pensei. Me levantei e senti no olhar de minhas companheiras que elas queriam dizer “boa sorte”, mas o calor era tanto que até a boca se negava a abrir.
Fui ao banheiro com meu kit de primeiros socorros. Spray, gel, elástico, presilha, fivela, grampo, brilhantina... nada fazia com que aquele mísero cabelinho insignificante e extremamente visível me obedecesse. Se não fosse minha mãe ter gralhado por tantos anos no meu ouvido, que cabelo só se corta no cabeleireiro e blá blá blá, eu teria voltado à minha mesa e simplesmente cortado o imprestavelzinho ali mesmo, com uma tesoura qualquer.
Desisti. Fui derrotada pelo cachinho ao lado de minha orelha. Aproveitei que estava no banheiro para fazer um xixizinho e passar uma maquiagem. Quando eu já estava destrancando a porta e saindo, uma visão de relance me deixou pasma. Tive que olhar novamente. De costas para o espelho, me contorcendo inteira, eu vi. Na minha calça jeans. Minha preferida. Um furo. Na bunda. Na minha calça jeans preferida, havia um furo na bunda. Na nádega esquerda pra ser mais exata. Como sempre acontece naqueles nossos sonhos bizarros, me senti nua por completo. Minha bunda estava exposta para quem quisesse ver. Há quanto tempo eu estava assim? Com a calça rasgada? Só Deus saberia dizer. E o que eu poderia fazer, a não ser assumir que, após ter sido vencida por meu cabelo rebelde, também teria de ceder ao tal furo da calça rasgada? Afinal, se me matar não era uma opção, a única coisa a se fazer era ir pra casa fingindo que nada havia acontecido, e tentar andar o mais discretamente possível com a mão sobre o buraco na bunda.
Não tinha tanta intimidade com as meninas da agência, então simplesmente voltei para meu lugar e continuei a fazer meu trabalho como se nada tivesse acontecido.
Passei a tarde suando a bicas e preocupada com a localização do buraco na calça. Não lembrava exatamente onde ele estava localizado, e temia que fosse bem no lugar de alguma estria. Cuidei para beber pouquíssima água para não ter de me levantar muito, e quando fui chamada na sala do chefe, minha mão cumpriu seu dever, até ter sido dispensada por uma parede que consegui alcançar. Quando voltei para meu lugar, tratei de andar meio de lado, com medo de que um dos dois chefes ou as meninas vissem a minha anomalia.
Tudo corria bem. O buraco pelo menos serviu para me distrair do calor insuportável que ainda incomodava as outras duas estagiárias. Eu, porém, tinha problemas mais sérios com que me preocupar.
17 horas. Hora de estagiária encalorada e esburacada ir pra casa. O juízo final, o grande momento. Como eu morava há 15 minutos a pé dali, decidi adotar uma estratégia: andar o mais rápido possível e segurar minha bolsa no local do buraco, sem olhar pra os lados e nem para frente, somente para o chão.
O plano exigia um pouco de técnica. Era difícil manter a discrição e o equilíbrio, principalmente com o maldito cachinho caindo sobre o meu olho incessantemente. Mas, por incrível que pareça, tudo ia bem. Até que, como em um conto de fadas, uma chuva torrencial caiu de repente sobre mim. Foi maravilhoso. É claro que eu estava com uma blusa branca e um sutiã estampado de ursinhos coloridos. É claro.
Lembrei que tinha um guarda-chuva perdido dentro de minha bolsa, e com litros e litros de água me encharcando, comecei a procurar pelo objeto. Depois de concluir que eu já estava mais do que encharcada, e que de nada mais adiantaria o guarda-chuva, achei-o. Para não desperdiçar um golpe de sorte do destino, resolvi usá-lo e assim que pensei que tudo estava novamente sob controle, e que eu já estava protegida da chuva, um vento forte virou minha sobrinha ao contrário de um jeito que pareceu que 100 mil baldes de água foram jogados sobre mim.
Maravilha. Nesse momento, um carro cheio de garotos passou buzinando para mim. Filhas da puta, eu pensei.
Foi então, que me lembrei. A minha bunda estava exposta esse tempo todo. Minha bunda estriada, gorda e feia, à mostra para toda a população de Curitiba. Preocupada com a chuva, deixei a bunda de lado.
Pela terceira vez no mesmo dia, eu desisti. Joguei o guarda-chuva no lixo e fui para casa, de buraco e tudo.
Quando cheguei ao portão de casa, lembrei que estava sem chave, e fiquei esperando meu pai abrir a grade por mais de 5 minutos.
Depois de ouvir reclamações, lamúrias e enxeções de saco do meu pai, que pra variar, estava de mau humor - mesmo tendo ficado em casa o dia todo e estando invejavelmente seco e aquecido - entrei na lavanderia pingando dos pés a cabeça. Era exatamente como se eu tivesse entrado de roupa em uma piscina, e pior, tivesse ficado tomando banho durante a tarde inteira. Nem eu acreditei quando vi que até a ponta dos meus dedos estavam enrugadas, parecendo dez ameixinhas pequenininhas.
Tirei a roupa ali mesmo, e de calçinha e sutiã, corri para o banheiro tomar uma ducha quente. Sim, eu disse quente. Toda aquela água do céu me deixou com muito frio.
E adivinha o que aconteceu?
Tomei um dos banhos mais deliciosos da minha vida, coloquei uma camisola bem confortável e me deitei na cama para ler.
Liguei o ventilador bem próximo a mim, e em menos de 30 minutos, caí em um sono pesado que nem assombração atrapalhava.
Enquanto isso, meu pai passava por uma noite de insônia, ainda incomodado com a lavanderia que havia ficado alagada com a minha chegada e com o portão que andava meio esquisito, emperrando antes de abrir. Problemas seriíssimos, coitado.


Letícia Mueller

quinta-feira, 28 de outubro de 2010



ESSE DIA REALMENTE FOI NECESSÁRIO?





“Se alguma coisa pode dar errado, dará. E mais, dará errado da pior maneira, no pior momento e de modo que cause o maior dano possível.” Comecei assim minha conversa com meus filhos, com o primeiro e mais absoluto dos tópicos que canalhamente ilustram a Lei de Murphy.
Duas horas antes eu havia ligado pra minha casa e disse para minha filha mais nova que não mexesse na escultura que eu tinha restaurado no dia anterior. Aquela que ia salvar meu mês, aquela que eu tinha vendido por uma pequena fortuna. Recomendei que eu estava atrasada mas que chegaria logo e que se o dono aparecesse que aguardasse um pouco. Ela já veio com um “mas poxa mãe, logo hoje você tinha que se atrasar?” E eu, “pois é filha, fiz de propósito, tenho bola de cristal pra adivinhar que meu chefe vai pedir reunião”. As coisas são bem assim, a natureza está sempre a favor da falha.
Eu me desesperei no escritório de manhã porque lembrei que não havia recomendado às crianças sobre o valor psico-financeiro cultural da peça. Saí correndo da cadeira e fui até o corredor com o celular na mão pra não correr o risco de alguém aparecer na minha mesa com algum trabalho importante e eu perder a oportunidade. Saí tão esbaforida que, lógico, dei um tropeção e meu celular voou longe, enquanto eu me agarrava na parede lisa tentando não cair. Fiquei imóvel por 5 segundos e corri em direção ao aparelhinho que ainda tinha vida. Pensei, “nem tudo está perdido”, até ouvir o bip da bateria que anunciava que mais uma ligação seria o máximo que faria. Respirei, teclei os números. Tocou, tocou, tocou... e quando o meu filho mais velho atendeu, pof. Acabou o sinal, acabou a bateria, acabou minha calma.
Voltei pra minha mesa e peguei o telefone. Só que no que peguei já tinha alguém na linha e adivinhem: era problema... de trabalho... e grande... daqueles que se você cria uma solução, cria também novos problemas. Porque é isso aí, o número de exceções sempre ultrapassa o número de regras. E há sempre exceções às exceções já estabelecidas.
Meia hora depois, finalmente consegui me livrar de tudo. Sentei e consegui finalmente falar com minha filha, que me garantiu que tudo estava sob controle. Me senti bem. Mas lembrei que toda sensação de bem estar passa logo. Não via a hora de chegar em casa. O trânsito tava um inferno e um acidente fechou a principal. Será que nada é tão ruim que não possa piorar? Claro que pode, é só começar a chover.
Cheguei, enfim, suada, molhada, atrasada, mofada... e um tanto intrigada. Um silêncio ensurdecedor no meu apartamento. E penso que crianças nunca ficam quietas a menos que estejam sejam filmadas. Fui subindo até meu estúdio, lentamente devido ao cansaço, já tinha desistido de tudo, sabia que o pior tinha acontecido. Acontecimentos infelizes sempre acontecem em série. Para minha surpresa, estavam lá meus filhos, o dono da escultura e sua esposa, que me receberam amavelmente e sorrindo elogiaram a educação e presteza das crianças, que os receberam, serviram-lhe suco e os solicitaram que esperassem por mais alguns minutos até minha chegada.
Quase não estava acreditando que essa reviravolta pudesse ocorrer. Catei o cheque e sorri com um brilho nos olhos, largando UM PUTA QUE O PARIUUUUUUUU, DEU TUDO CERTOOOOO PORRAAAA !!! Meus filhos me olharam neste momento e como as crianças incrivelmente repetem palavra por palavra aquilo que você não deveria ter dito, sem cerimônia o fizeram. Apenas sorri, o que mais eu podia fazer?
Moral da história: entre dois acontecimentos prováveis, sempre acontece um improvável.

Angelica Carvalho

terça-feira, 26 de outubro de 2010

A Maldição dos 27 Anos e a Lei de Murphy



Tifany Macieira era uma cantora de rock muito talentosa. Ela começou sua carreira aos quatro anos de idade, num programa de calouros. Aos cinco anos a garota já tinha gravado seu primeiro disco e a partir deste acontecimento sua carreira deslanchou. Ela era sortuda e muito bonita: tinha olhos azuis, pele rosada, cabelos loiros e nunca ficou doent eem sua vida. Sem falar que sua voz era parecida com a da Janes Joplin e o seu corpo era idêntico ao da modelo Gisele Bündchen.



Aos vinte e seis anos de idade Tifany foi a um ensaio no estúdio de Débora, sua empresária. Durante o final desta tarefa, Débora olhou para a cantora e disse:

- Mês que vem você completará vinte e sete anos e eu temo por isto.
Tifany comentou:
- Compreendo sua preocupação, mas envelhecer faz parte da vida.
Débora explicou:
-Infelizmente, você não entendeu.
-O problema é que a maldição dos vinte e sete anos pode acontecer com você.
A artista perguntou:
-Que brincadeira é esta?
-O que é a maldição dos vinte e sete anos?
A empresária explicou:
-Reza a lenda que todo cantor de rock, que nasce num ano amaldiçoado pelos anjos da música, morre aos vinte e sete anos porque na numerologia a soma destes números forma o nove, que é o número do verdadeiro do mestre, da recompensa, da Arte, da criatividade e da despedida. Veja bem: Kurt Cobain, Jimi Hendrix, Janes Joplin e Jim Morrison, todos eles morreram todos aos 27 anos de idade por causa desta maldição.
Tifany falou:
- Isto deve ser coincidência com uma pitada de superstição.
- Sou a mulher mais sortuda do mundo e duvido que isto aconteça comigo um dia.
Débora comentou:
- A maldição dos vinte e sete anos é como a Lei de Murphy, pois não tem como escapar.
A cantora indagou:
- O que é a Lei de Murphy?
A empresária respondeu:
- Bem, o engenheiro Edward Murphy fez um teste de tolerância à gravidade, nesta experiência ele descobriu que se há mais de uma forma de um exercício ser feito e uma dessas formas resultar numa falha, certamente será a forma escolhida por alguém para executá-la.
-Eu interpreto assim: por causa da Lei de Murphy, toda pessoa uma vez na vida derrubará uma fatia de pão, com a parte da margarina, no chão.
-Explicando melhor:
- Se o destino de algo é dar errado não tem como escapar.
- Isto funciona como as maldições, sabe?!
Naquele instantem, Tifany levantou-se da cadeira e exclamou:
- Nunca derrubei uma fatia de pão no chão!
-Para mim coisas como a maldição dos vinte e sete anos e a Lei de Murphy não passam de absurdos!
- Até logo!

Assim, a cantora saiu furiosa do estúdio.Os dias se passaram até que chegou o dia do aniversário de Tifany. Ao despertar, ela tropeçou no próprio chinelo e quase quebrou o nariz. No momento em que foi fazer o desejum, derrubou o pão com a parte da margarina no chão. No instante em que esta moça foi fazer a higiene bucal, ela quebrou o cabo da escova. Após isto a cantora viu, na sua agenda, que teria um show na Rua 27 de Agosto. Então a jovem pegou o carro e partiu para o local. Bem naquela rua, um gato preto atravessou na sua frente. Deste jeito Tifany, para desviar do animal, acabou batendo num poste e faleceu, naquele mesmo instante, aos vinte e sete anos de idade. Ao lado do poste do acidente havia um "outdoor" com a seguinte frase:" Cuidado com a Lei de Murphy: evite acidentes fazendo um seguro".



Luciana do Rocio Mallon
Lei do Sorriso







Tudo dá errado. Aliás, esta é a frase que mais está na ponta da nossa língua do que a frase "tudo da certo". Mas existe lei de Murphy para coisas boas?Não, mas não porque nós não queremos!Isto porque quando algo dá errado a tendência é achar que nosso corpo e mente agem juntos para colaborar com todo o caos. A impressão é que estamos programados para dar mais valor ao que aconteceu de ruim do que de bom. Mas porque não mudamos isso?



Parece difícil, mas deveríamos criar uma nova lei. Todos conhecem a de Murphy (talvez a maioria se identifique) mas deveríamos ter uma nova lei em que tudo dá certo, desde a hora que acordamos e a cada coisa que acontece. Vamos achar que o sorriso de alguém na rua, as brincadeiras das crianças, a canção dos pássaros e tudo que alcançamos na vida são todas formas e regras que essa lei exige de nós para vermos as coisas diferentes e alcançarmos nossos fins: a lei em que todo mundo merece ser feliz. E que a cada sorriso, venham mais outros.





Bianca Nascimento

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Tema da Semana: Lei de Murphy

Reais devaneios


Aninha acordou-se atrapalhada naquele dia, durante o banho acabou a eletricidade do bairro, teve que terminar não só o banho mas seus lindos e sedosos cabelos na água gelada de julho. Não satisfeita, esqueceu que secador de cabelo não funciona sem energia, logo agora que sua progressiva estava por fazer. Foi trabalhar com cabelos duros e armados, quando o ônibus atrasou mais de quarenta minutos e sua camisa enroscou na catraca, como já estava alguns bairros de distancia do seu, teve mesmo de trabalhar com um buraco na camisa.
Ainda eram 09h30min da manhã e Aninha já tinha certeza que Murphy já havia passado por ela aquele dia, até que a leve garoa engrossou até cair uma tormenta dessas que o vento vira a sombrinha ao contrário. Enfim chegou ao estágio, levou aquela bronca do chefe rabugento e sentou-se calada em sua mesa, disposta a encarar a pilha de planilhas que a aguardava, eram os novos balanços da empresa que o sub-gerente que ganhou uma viagem para o nordeste, deixou sob sua responsabilidade para completar até o dia 30, duas pilhas que davam mais ou menos uma meia dúzia de Aninhas.
Na hora do almoço, como já podia esperar, o garçom derramou vinho em sua roupa, um vinho que, aliás, nem era seu e Aninha não fazia a menor idéia de quem pudesse ser. Deixa pra lá, afinal a camisa já estava rasgada mesmo, seu cabelo mais parecia uma vassoura e sua roupa fedia a cachorro.
Não passaram das três da tarde e sua barriga parecia conter uma montanha russa, certeza que eram os bolinhos de bacalhau que foram cortesia do chinês hoje. Pronto, começou a tarde de rainha da aninha do trono para o trono, até que a moça da limpeza, preocupada com aquilo tudo resolveu ir ao supermercado comprar papel higiênico e de quebra trouxe uma coca com maizena para a coitada da estagiaria. Aninha já estava abaixada no canto da sala de seu chefe, esperando pela bronca, quando acorda toda suada, olha para os lados e descobre que tudo não passou de um pesadelo, vira de lado e aproveita os últimos instantes de sono.
As 7 da manhã seu despertador alardeia a hora de levantar, quando Aninha feliz e sorridente vai para seu banho matinal e descobre que a energia acabou...


Fernanda Bugai

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Conversando Com O Mundo



Há anos não comprava nada de novo, ou de velho. Gostava de manter as coisas estáveis, como eram, sem grandes mudanças. Aprendeu a apegar-se aos seus pertences não por materialismo superficial ou mesquinhez, mas por ser o seu único refúgio da solidão.
Não se lembra quando passou a nomear cada objeto que havia dentro de sua casa. Não que houvesse muitos, mas de qualquer forma, dar nomes é sempre algo complicado. Mais difícil ainda era gravá-los, mas com o tempo, ela não só o fez, como inventou apelidos para tudo. Agora, cada coisinha na casa de Fernanda é nomeado e apelidado.
Como quase tudo que tem nome, ela passou a manter conversas com Joana, a chaleira, Tulio, o prato lascado nas bordas, Rita, a batedeira, e até mesmo com a Neusa, a vassoura mau-humorada que só sabia grunhir de reclamação.
No início, as conversas eram breves e inúteis, mas com o tempo, a relação entre Fernanda e suas coisas foi se estreitando de tal forma, que hoje ela não precisa mais ir a manicure ou chamar uma diarista uma vez por mês para desabafar sua angústia.
Sua mãe era a única coisa que lhe restava do mundo lá fora. De vez em quando, ela aparecia para ver como as coisas andavam e, como se fosse algo automático, bradava críticas sobre a aparência da filha, cada vez mais semelhante com a do apartamento bagunçado. Tentava pôr as coisas no lugar, arrumar a cama, pendurar as roupas, o que deixava Fernanda irritadíssima. Era uma das poucas vezes em que ela saía do sério e ficava vermelha de raiva. Não conseguia entender porque a mãe acreditava que aquilo era uma bagunça, sendo que, se ela lhe pedisse qualquer coisa, mas absolutamente qualquer coisa, Fernanda seria capaz de achar em menos de 10 segundos.
Desordem seria organizar a casa a maneira de sua mãe. Suas mãos tremiam ao imaginar os objetos supostamente organizados, dispostos de maneira diferente depois de anos com tudo devidamente acertado.
A senhora, sua mãe, também se irritava com os modos da filha, e não conseguia permanecer ali mais de duas horas sem que algo horrível acontecesse. Vários ataques histéricos já a levaram instintivamente a pegar o primeiro objeto que visse e atirá-lo contra a parede Geralmente as vítimas pertenciam a coitada da família Fernandes, que já perdera vários membros despedaçados de maneira que nem SuperBonder ressuscitaria.
Quando isso acontecia, a senhorinha sabia qual o próximo passo a ser dado, caso quisesse sair ilesa, e corria porta a fora, só descansando no sinaleiro a duas quadras dali. Ofegante, ela ainda conseguia esboçar um leve sorriso, disfarçando a tristeza que a corroia. Olhava pra trás, e pensava em alguma solução para o problema da filha, mas sempre desistia nos primeiros dois minutos.
Enquanto isso, Fernanda se consolava conversando com seus objetos. Aliás, eles definitivamente odiavam a dona Gioconda, a senhora sua mãe. Sua visita geralmente resultava na perda de algum amigo querido, danos irreparáveis.
Um certo dia, dona Gioconda apareceu na porta de Fernanda, e estendeu uma enorme caixa para a filha, embrulhada em um papel de presente estampado com flores douradas.
Há anos não ganhava nada, pensou Fernanda.
Ela simplesmente pegou o pacote das mãos da mãe, e sem nem ao menos dizer obrigada, bateu a porta em sua cara e virou as costas.
Ansiosa, rasgou os papéis, as fitas e tudo o mais que escondia o conteúdo do presente com tanta raiva que chegou a se arranhar.
Até Felícia, a travessa de inox, sempre tão calma e tranqüila, irritou-se com a atitude de Fernanda e disse-lhe:
- Pare com isso menina, assim você estraga o presente antes mesmo de saber o que é.
Mas ela não lhe deu ouvidos e continuou com violência até conseguir ver o que era.
Quando descobriu o mistério, sua primeira reação foi de frustração. Um jogo de panelas? E ainda por cima roxo? Mas ela já tinha panelas o suficiente, e roxo era uma cor que não lhe agradava muito.
- Coitado do KiKo, o vaso de flores lilás, se ele não fosse tão roxo não viveria atrás do armário, longe de meus olhos, pensou Fernanda.
E agora, o que faria com aquilo ali?
Conversou com suas coisas, e juntos, chegaram a conclusão de que o novo jogo de panelas tinha de ser incluído a família.
Um pouco a contragosto, mas fazendo juz a democracia que sempre reinava naquela casa, ela preparou o arroz utilizando o mais novo membro da família.
É claro que tudo ocorreu como o esperado. Afinal, panela é sempre panela, e o máximo que muda de uma para a outra é o formato do cabo ou a cor, mas nunca a eficiência.
Todos estavam contentes que tudo tinha se saído bem. As coisas de Fernanda não gostavam quando a dona se irritava com algo. Já viram muitas calças jeans, acessórios de cozinha e aparelhos eletrônicos serem rejeitados e jogados no lixo. Às vezes, Fernanda se irritava tantpo, que acava jogando as coisas indesejadas pela janela. Quando isso acontecia, o clima ficava tenso, e ninguém conversava com ninguém até que tudo se acalmasse.
Ela jantou sem pressa, colocou os pijamas, escovou os dentes, e quando já estava pronta para ir se de deitar, lembrou que tinha loça para lavar.
A máquina de lavar louça fora quebrada e já há duas semanas estava na casa do Julio, o medico da família.
Fernanda, com sono e mau humor, lavou os talheres, pratos e copos, e deixou o mais difícil por ultimo.
Porém, espantou-se com a sua nova panela. Ao contrário das outras, ela era tão lisinha e fácil de limpar que em menos de 15 segundos, estava tinindo como se não tivesse sido usada.
Todos observaram o que acontecia com um misto de ciúme e raiva. Nunca Fernanda gostara tanto de alguém. Nem mesmo de Doli, seu travesseiro de penas de ganso.
Ela secava as mãos enquanto olhava para a nova panela com admiração, rodeando-a e olhando cada detalhe.
Até que o roxo que a revestia não era assim tão feio. Tinha lá seu charme. E seu cabo, era…bem, incrível! Que formato! Que finura!
Não sabia nem como descrever o Teflon. Tão perfeito, escorregadio e maravilhoso! Nada tinha a ver com suas outras panelas, tão velhas e feias.
E se bem que, pensando bem, o arroz tinha ficado mais gostoso sim. É claro que tinha! Estava muito mais molhadinho e solto, até mais branco ele estava parecendo!
Que panela perfeita, magnífica!
Olhou para o resto de sua cozinha, e desconfiada, agarrou sua panela com rapidez, prendendo-a bem junto ao peito. Tinha medo de que lhe roubassem, aquelas coisinhas que viviam ali, tão sujas e desgastadas. Horrorosas!
Ela foi se deitar, e depois de anos sem uma única mudança, fez o que achava que tinha de ser feito.
Resoluta, deitou-se na cama pronta para ir dormir, e trocou o travesseiro de ganso –como era mesmo seu nome? – pela nova panela roxa.
Seus objetos a olhavam com um misto de pena e assombro e se apiedavam de Doli, sua companheira que após anos de fidelidade e união fora abandonada por um simples pedaço de aço.
- Terá ele enlouquecido? Se perguntava o livro “O Alienista”.
- Deve ser um sinal do universo, respondeu o livro “O Alquimista”.
- Calma gente, e se a panela fosse uma máquina de sucatas? Não há motivo para pânico, dizia a boneca Pollyana.
O despertador, irritado com a conversa culta dos livros, apenas pigarreou, e disse:
- É tudo uma questão de tempo.
Como se aquilo representasse a mais pura verdade, todos se puseram a dormir, enquanto Fernanda já sonhava com carnes de panela, farofas, brigadeiros e tudo mais que coubesse em sua panela.




Letícia Mueller

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Eu Seria Livre Se...



Liberdade eu teria se
Bordasse uma toalha de centro
Cortasse um bolo com a mão
Amarrasse um pedaço de fita no pulso
Andasse de pé no chão

Eu seria livre se
Todo trabalho causasse alegria
Problema virasse magia
Pensar fosse só hobby
Todo dia tivesse um show do Moby

Livremente andaria se
Domada pela sociedade não fosse
Tabu tivesse gosto de doce
Regra só pra sorriso insosso
Correntes são o fundo do poço

Livre, leve e solta
Corre minha imaginação
Misturando romantismo e paixão
Vou fazer uma poção

Galhos secos de otimismo
Umas gotas de encanto
Palavras doces e de fé
Equilíbrio eu busco tanto

Ainda que eu procure
A sonhada liberdade
Em minha alma escondida
Sempre esteve, é verdade?

Sei que amo mesmo flores
Que mesmo em fartas cores
Famílias e odores
Conseguem viver em paz
Todas, juntas, enfim
Todas no mesmo jardim.




Angelica Carvalho

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Boa intenção só não adianta



“O caminho do inferno está pavimentado de boas intenções”, já dizia Karl Marx. E é exatamente neste inferno que vivemos hoje: o planeta terra. Um planeta distinto, onde mais de 6 milhões de pessoas, conseguem não fazer NADA. Isso mesmo: na história, temos diversos pensadores e pessoas, inclusive Marx, que são considerados, elevados e glorificados por seus feitios (como criar a energia elétrica, o avião, descobrir o processo da evolução humana e outras particularidades). Porém, o que vejo hoje é que esse bando de gente não tem servido para grande coisa. E o que impressiona é que esses mais de 6 milhões de pessoas ainda é pressionado por um número mínimo de pessoas, ou seja, os políticos. Esses “mundaréo” de gente ainda acredita que é a minoria de quer mudar tudo e que sendo assim, não será possível. Que o mundo é muito grande e as coisas não mudam da noite para o dia, que uma pessoa só não consegue mudar tudo. Tudo bem: ai vem aqueles que dizem que todas as pessoas, como eu, que acreditam que as pessoas são a mudança, são loucas e utópicas, que tudo tem que ser assim mesmo e é isso ai, estamos condenados e pronto. E mais de 6 milhões de pessoas esperam entre si que a “outra” pessoa que comece. E assim, tudo continua na mesma.
Por outro lado, vejo uma série de coisas que poderíamos fazer e alguns fazem. Doar sangue, dar um prato de comida a alguém na rua, discutir sobre política, jogar o lixo no seu devido lugar, dar a vez para algum carro, sorrir ao menos uma vez para alguém na rua, ir a um hospital visitar um doente, doar medula, conversar com um velhinho num asilo, guardar uma graninha para alguma instituição, orar por alguém, adotar um cão de rua, denunciar maus tratos animal e crimes ambientais, deixar de comprar alguma coisa que faça mal ao meio ambiente, economizar água, comprar mais coisas saudáveis, presentear alguém....ah, são tantas coisas que podemos e está ao nosso alcance!Mas ainda assim, esperamos que o outro faça e comece. E assim, a minoria acaba fazendo, pois a grande maioria ou tem muita fé, pois espera um milagre do mundo mudar, ou só pensa em si mesma. Mas pensando em si mesma, não estará pensando na verdade em ninguém, pois ela precisa cuidar do planeta e das pessoas que vivem para que um dia seus netos possam viver bem aqui. Precisa entender que o mundo não irá mudar, mas pode melhorar e isso só depende de nós. “As boas intenções têm sido a ruína do mundo. As únicas pessoas que realizaram qualquer coisa foram as que não tiveram intenção alguma”, disse Oscar Wilde. Se o inferno que é este mundo está cheio de intenções, que tal dar um jeito de botá-las enfim na prática?


Bianca Nascimento

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Semana de Tema Livre

Entre nascer e morrer


Nascer e morrer é inevitável. E o que fazemos nesse meio tempo? Desperdiçamos ou aproveitamos? Vejo tantas pessoas que sabem apenas reclamar da vida que levam, da vida que tem, e não percebem que o bem maior elas já possuem, a própria vida!
O meio termo entre o nascer e o morrer é conseqüência, das nossas atitudes, da nossa bravura e de nossas fraquezas, também tenho dias depressivos (vários), mas tem gente que leva uma vida inteira deprimida, credo, talvez seja o karma de cada uma, ou talvez não sejam forte o suficiente para lutar. Engraçado, sempre que faço uma dedicatória para alguém, essas coisas de aniversário, natal, nascimento etc, sempre desejo saúde para lutar e sabedoria para vencer, não que eu pense que a vida é uma arena romana, mas acho que cada dia de nossa vida terrena é um desafio, e não só podemos como devemos superá-los, acredito, que qualquer pessoa que dispõe de saúde física e mental, e tem sabedoria, possui todas as chances de obter sucesso.
Reclamar não adianta, quem dera que o pranto derramado e os maldizeres pronunciados mudassem nosso destino, se fosse assim, haveria muita gente bem de vida, e aposto um doce que ainda assim, reclamariam, porque quem reclama muito é porque gosta de reclamar e pouco se importa com a vida que leva e constrói.
A vida não é fácil para todos, e ninguém nos disse que seria, mas temos que viver, e da melhor maneira que conseguirmos, isto não significa abundância material, mas abundância de emoções e sentimentos, amor, alegria e tudo mais, pois um sorriso dado nunca será desperdiçado. E já que não sabemos quantas outras vezes estaremos por aqui, entre nascer e morrer temos mais é aproveitar tudo de bom que a vida nos oferece a cada dia, afinal até as dificuldades e desafios nos apresentam oportunidades, e o bom humor torna qualquer pessoa agradável, melhor se pudéssemos nascer todos os dias para o bem e deixar morrer toda a maldade.


Fernanda Bugai

domingo, 17 de outubro de 2010

Hoje é dia de estreia de Desaforada X.

Viviann Chrystini Andrade (ou apenas Viviann Andrade, como prefere) tem 21 anos e já se aventura pelo mundo das letras: escreve crônicas, poemas e está em processo de gestação de três livro simultaneamente (embora assuma que ainda há muito o que burilar neles). Ama ler, escrever e declamar poemas. Ou seja, Desaforada por natureza. Bem-vinda ao time, Viviann.

Tô mentindo?



Começo dizendo que não sei mentir, também não sei se é algo que se aprende, aparentemente é fácil, mas é preciso administrar as mentiras contadas, pois uma mentira mal contada ou contada em várias versões - que nem quem a contou saberia para quem falou e qual a versão utilizada - pode desencadear uma perda de confiança nesta pessoa que, querendo ou não, acaba sendo conhecida como mentirosa.O meu caso, acredito ser parecido com aquela antiga historinha do menino que mentia que o lobo estava vindo e todos acreditavam, mas com o tempo ninguém mais acreditou nele e quando o lobo efetivamente apareceu todos acharam que era outra mentira do menino. Porém, no meu caso ocorre o contrário, sempre procuro dizer a verdade e se um dia eu mentir ninguém vai acreditar que estou mentindo, ou seja, acreditarão na minha mentira.Por isso, eu preciso aprender a mentir, nada prejudicial, somente mentirinhas inocentes e quando eu souber irei mentir que sei escrever bons textos e se quem os ler acreditar que são realmente bons, então estarei aprendendo. Ficou muito bom este texto, não?



Viviann Andrade

sábado, 16 de outubro de 2010

Tininha e o Seu Herói



Tininha era uma menina, muito travessa, que era filha de uma mãe-solteira e atéia. Um certo dia, a professora disse:

- Hoje como lição de casa vocês terão que escrever uma redação com o título de “Meu Herói”.

Ao chegar a sua casa, Tininha pensou:

- Que herói preciso escolher para minha redação?

- O Homem-Aranha, o Batman, o Robin eu não devo eleger porque usam máscaras e um dia eu vi a seguinte frase pichada num muro:

- O verdadeiro herói é aquele que não usa máscaras!

- Apesar disto, há muitos protagonistas de histórias em quadrinhos que têm dupla personalidade e minha avó disse que possuir vários jeitos de ser tem o nome de esquizofrenia e não de heroísmo.

- Já sei: escolherei o He-Man!

- Pois ele só vira homem quando pega na espada.

- Mas, pensando bem, ele tem dupla personalidade também. Pois às vezes ele é o príncipe Adans e quando alguém está em perigo ele vira o He-Man.

- Bem, eu posso colocar o Super-Homem. Mas acho que não seria uma boa escolha, pois ele morre de medo da “criptonita”, que é uma pedra insignificante e bem menos preciosa do que a esmeralda.

- Uma vez eu vi um cartaz onde dizia: Seu Pai é o Seu Verdadeiro Herói.

- Eu poderia escrever sobre o meu pai. Mas o problema é que nunca vi este homem. Além disto, minha mãe vive dizendo que ele é bêbado, covarde e nunca quis me conhecer.

- Numa linda manhã a professora de Religião disse que Jesus Cristo é o único herói que houve na Terra. Porém, a minha mãe vive falando que Deus não existe e Jesus foi uma fábula inventada pelos próprios homens.

- Mas, pensando bem, heróis como: Super-Homem, Batman, Homem-Aranha e Lanterna-Verde também foram inventados pelos seres humanos.

- Jesus tem todas as características de um herói: fez o aleijado andar, curou uma mulher que não parava de sangrar, derrotou seu inimigo no deserto, foi crucificado pela humanidade, reapareceu três dias depois que seu corpo estava morto, multiplicou pães e peixes.

- Então, a idéia é esta: escreverei uma redação falando do meu verdadeiro herói: Jesus Cristo.

- Poxa, usei tanto a cabeça que ligarei o rádio para relaxar.

Quando a menina ligou o rádio, a voz do locutor disse:

- Agora traduziremos a música interpretada pela cantora Mariah Carey chamada Hero:

- Você tem um herói dentro de você...

Após escutar estas palavras, a garota disse:

- Esta música veio bem a calhar com a redação que escreverei e com as lições que professora de Religião ensinou. Afinal, ela disse que o homem é a imagem e a semelhança de Deus. Isto significa que se o ser humano for bom ele pode ser um herói como Jesus.

- Pois é, Jesus é o herói dos heróis. Não interessa se ele existiu, realmente, ou não. Pois o que realmente importa são as lições de vida que o seu heroísmo deixou e que cada um de nós pode deixar. Afinal, existe um herói no espírito de cada ser humano.



Luciana do Rocio Mallon

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Meu herói invisível


Ele foi meu herói logo nos meus primeiros gritos para a vida. Lá estava ele me fazendo abrir os olhos, e do jeito dele enxergar o mundo. Estava quando dei meus primeiros passos para a vida, tanto os carnais quanto os passos emocionais. Foi ele quem conduziu meus primeiros movimentos, ações, descobertas à medida que crescia, e ele crescendo junto comigo. Me fez ter as primeiras amizades, a primeira compaixão, a primeira paixão e a primeira decepção.
Me ajudou a decidir o que queria fazer da vida, a enfrentar os meus medos por mim mesma, a me entregar naquilo que faço.Estava lá, sempre esteve. De uma forma ou de outra, sempre me impulsionou, me motivou, me inspirou. Sem ele, não teria certamente me dedicado e me inspirado em todas as coisas que já fiz. É ele: meu herói, meu muso inspirador, o AMOR!



Bianca Nascimento

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Mais Fácil Sair Do Que Entrar



Quando escolhi minha vocação eu tinha uns 6 anos. Brincava com minha prima, que sempre era dentista (minha heroína) e com minha irmã que sempre era a paciente (nossa cobaia). Eu era a secretária. Vivia no meio de papéis (muitos papéis) e telefonemas e auxílio à “doutora”. Mais tarde, num teste vocacional na escola, descobri afinidade para biológicas e humanas e pensei: “É, tá dentro, eu acho!”
Então chegou o ano do vestibular. Eu, com 16 anos, tinha que escolher um curso. E já no início do ano porque o simulados eram direcionados às áreas. Mas, e como eu ia escolher o que ser pro resto da vida se eu não sabia nem quem eu era até então? Ah, eu sabia de uma coisa. Adorava o Guns n Roses (meus heróis) e antes de pensar em começar a ir pro cursinho me joguei no Rock in Rio II pra ver os caras. Bom, mas isso é outra história.
Escolhi Medicina Veterinária. Ah, eu gostava de bicho e parecia uma profissão... interessante, afinal eu tinha uma amiga que cursava e ela era minha heroína, atual. Mas isso na Federal, porque na PUC eu queria mesmo era Engenharia Civil, porque eu gostava de um garoto que ia tentar também, meu segundo herói. Então fui perguntando pros meus amigos o que eles queriam “ser quando crescessem” e fui fazendo minhas opções mais ou menos de acordo com a opinião deles. Não é muito digno, mas é sincero, pra uma menina de 16 anos.
Enfim que, no primeiro vestibular não passei, o que foi ótimo, me tirou um peso das costas sobre o que eu seria na vida e que tipo de ídolo me tornaria pros meus filhos um dia. Então me decidi. No ano seguinte tentei Publicidade na PUC e passei. Nossa, foi demais. Quem esperaria passar já na primeira chamada. Eu contei que, na época namorava um menino, e que ele tentou e não passou? Ele ficou indignado por eu ter passado e ele não.
Primeiro dia de aula, uma moçada na sala, gente alternativa, a gente se misturava nos corredores, meio perdidos e sabendo que poderíamos levar trote a qualquer momento. E por incrível que parecesse, primeira semana de aula já tinha matéria de verdade. Os professores entravam em sala, se apresentavam rapidamente e enquanto desconfiávamos dos seus comportamentos, eles já estavam passando a listinha de livros pro ano. Acho que porque pareciam muito novos pra profissão de professor de faculdade, sei lá. E tudo a gente tinha que ir atrás, né. “Virem-se”. Acabou a festa de comidinha na boca e mamãe deixando na escola. “A vez é de vocês garotada, vão atrás”. Foi em 1991, quando entrei na PUC-PR e a biblioteca estava em fase de acabamento. Mas lembro que era enorme, eu me sentia bem em estar lá dentro, uma universidade particular, com uma estrutura decente. Lembro que tínhamos aulas de datilografia, porque computadores eram raríssimos. A aula que eu mais gostava era Filosofia porque o professor era maravilhoso, sabia muito sobre o que estava falando e ele se tornou meu herói em meio a tantos outros que eu achava que sabiam menos que eu. Só que minha vida lá dentro, neste ano, não durou muito. A mensalidade ficou caríssima, houve uma greve de dois meses que não resultou em muita coisa e eu resolvi parar. Depois de oito meses de curso e já estagiando em uma agência em Curitiba, achei que era despesa demais e desisti, influenciada por eu namorado, aquele, que não tinha passado. Não durou muito mais o namoro.
No tempo em que eu estava com a faculdade trancada, tentei outras opções, trabalhei e passei em Informática na FESP-PR. Descobri que números realmente não eram a minha vida, o que foi a primeira escolha feita unicamente por mim. E depois de dois anos e meio voltei ao curso de Publicidade. E eu era meu orgulho.
Enfim voltei, com uma visão um pouco mais experiente, conhecendo pessoas novas, professores novos, revendo alguns antigos e me posicionando melhor sobre carreira e futuro. Descobri a vocação para escrever, Redação Publicitária tornou-se meu forte, seguido de Cinema e TV. Nos dois primeiros anos aprendi muito, apesar de não ter aproveitado nem metade do que eu aproveitaria hoje da estrutura que a PUC oferece. Muitos estágios eram divulgados, mas como eu trabalhava com teatro, não queria me enfiar em uma agência tão cedo, porque achava que era um ambiente de muita correria para uma grávida pesando 20 quilos a mais. No terceiro ano, engravidei do meu primeiro filho e então a faculdade tornou-se a segunda opção. Sempre tirei boas notas e para compensar a licença maternidade fazia muitos trabalhos escritos, o que intensificou ainda mais o apreço por estudar e manter-me conectada ao que estava acontecendo. Nesses 4 anos, muita gente saiu, desistiu, passou em outros vestibulares, voltou. O que de certa forma foi um alívio, afinal eu sabia então que a indecisão e pressão por que passam os adolescentes de 16 anos não era privativo a mim.
Me formei em 1998, com mais ou menos metade da turma que havia iniciado em 1994. Morei um ano em São Paulo, trabalhei com algumas peças, mas nunca fui adiante realmente na profissão, até porque engravidei da minha segunda filha. Em 2007, passei no concurso do Banco do Brasil o que me proporcionou iniciar uma pós-graduação em Engenharia Financeira. Hoje, eu trabalho com Licitações (muitos papéis), faço parte de um grupo de comunicação interna do Banco, sou pós-graduada com nota máxima no artigo de conclusão do curso. Ainda tenho muito a aprender, a desenvolver, a criar. Hoje sei que tem tempo pra tudo nesta vida.
Duas conclusões até aqui: primeiro, heróis servem para te determinar ao que NÃO fazer. Segundo, entre a sala e o boteco, fique com o boteco, mas só no primeiro ano.




Angelica Carvalho

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Tema da Semana: Meu Herói

Super herói


Ao longo de nossa vida terrena vamos colecionando heróis, mesmo sem perceber, são vários os heróis e as heroínas de nossa existência. A começar pelos nossos pais que permitem nossa chegada a este plano, nos educam, mostram princípios, dão tudo deles para que sejamos sempre os melhores, destinam um grande amor aos filhos, mesmo que estes não compreendam. Depois dos pais, virão os médicos, as enfermeiras, as parteiras, ou seja, lá quem for que proceda mecanicamente para nossa chegada a este mundo, não deixam de ser heróis, qualquer falha deles interromperia nosso ciclo ainda naquele inicio.
Na infância, formamos tantas outras figuras heróicas, podem ser avós, padrinhos, irmãos, tios e tias, professores, todos aqueles que nos ensinam uma gota do oceano de surpresas que o mundo tem as nos oferecer. Já na adolescência nossos heróis serão u príncipe encantado num cavalo branco, o gatinho da novela matinê, o galã de Hollywood, as musas das copas, os namorados de escola, ou aqueles amigos de shopping, de condomínio, da escola. Na faculdade surgem os grandes professores, os notáveis profissionais e possíveis chefes, e no decorrer do tempo aprendemos a admirar as pessoas, notá-las e até mesmo venerar algumas delas, são todos, ainda que inconscientemente nossos heróis.
De todos estes, existe um herói que se destaca, aquele que por vezes menos percebemos, um super-herói que cada um possui. Sua aparência se distingue, cada um tem sua forma de ver, alguns seu próprio e outros dividem o mesmo, um herói maior, que na sua infinita bondade e igual diversidade, nos proporcionou este dom, de colecionar heróis, de ter uma vida e dentro dela aprendermos a amar e odiar, admirar e hostilizar, aquele que nos deu o livre arbítrio que por vezes fazemos mau uso, o mesmo que é subjugado no desespero e que neste mesmo desespero nos acolhe simbolicamente com seus braços abertos, seus nomes variam, sua materialidade também, tantos que acreditam, tantos que não.
Mas é o mesmo herói, que nos permitiu estar nesta vida, e em tantas outras talvez, justamente para isso, nos deu inteligência o suficiente para que possamos acreditar ou não em sua existência, suas formas de expressão, e que permite a cada um, a forma de adoração e gratidão que lhe convier. Que permite-nos acreditar na existência de uma força superior, que suporta a humanidade por tantas gerações, suporta tanto mal, tanto ódio e tanta dor, nos conforta e traz paz, nos guarda enquanto damos mil voltas até chegarmos em nossos destinos.
É este herói que hoje destaco, para mim, seria Ele um super herói, seja Javé, Bog, Ishvara, Alá, El, Yhvh, Krishna-Vasudeva, Hari, ou qual outra denominação for, para este ser abstrato e possuidor de infinita bondade e compaixão, dedico e prefiro chamar de Deus.


Fernanda Bugai

domingo, 10 de outubro de 2010

Pão E Circo



Cada nação merece o governo que tem. No país do futebol, do carnaval e das festinhas rave o lance é apagar da memória do cidadão o quanto ele já foi roubado, enganado e dilacerado moralmente e apelar para a “tiriricada”, o jogo de palavras e o interesse maléfico em manter o povo no seu lugar.
Depois do resultado que pude perceber nas urnas, cheguei à conclusão que o país não quer cultura, quer benefício. O país não quer atitude, quer ganhar cinquentão pra fazer piquete. A gente que grita por oportunidade é a mesma que a vende por uma ninharia porque pensa no que vai ganhar e não no que pode conquistar para suas futuras gerações. Melhor ganhar uma cesta básica do que lutar por uma mudança consistente. Melhor levar um colchão do que plantar uma semente de bom senso e colher os frutos da decência. Muito melhor garantir uma boa risada com o candidato palhaço que apareceu três meses antes das eleições do que acreditar no agente de mudança que trabalhou e mostrou resultados por quatro anos, que se aproximou verdadeiramente da realidade social e que teve um projeto limpo. Aliás, quantas dessas pessoas votaram conscientemente, foram conferir o que seus candidatos realizaram, ou o que planejavam para sua gestão?
Desculpem, mas minha desesperança já não se concentra mais na política, mas sim nesse povo que definitivamente não quer saber de tornar-se responsável por alguma coisa pra esse país dar certo ou não. Preferem continuar colocando a culpa no governo, no bandido, no colega de trabalho, na tia do cafezinho, no padeiro ou em qualquer um que não seja ele mesmo. Daqui a um ano vão estar reclamando que falta segurança, que falta educação, que falta uma revisão às leis, mas o que falta mesmo é vergonha na cara.
Não me admira mais que homens de vinte e poucos anos, fortes para o trabalho estejam acompanhando sua vozinha e te parem na rua pra pedir o dinheiro da passagem porque a pobrezinha teve que fazer um exame e agora eles não tem dinheiro pra condução. Nem me admira que o mesmo tiozinho esteja há anos no calçadão do centro tocando sua flauta ou rastejando com uma caixinha implorando por moedas ou vendendo balinhas no ponto do ônibus pra bancar um pão com leite no fim da tarde. Eles vão continuar ali, porque ali é o lugar deles, nesse país que mantém o povo no seu lugar.
O que esperar mais, se em época de mudança, o povo ainda coloca no poder pessoas que comprovadamente iludiram a população? Mestres na arte do abandono intelectual, uma afronta à integridade, voltaram ao poder políticos pelo voto das mesmas pessoas que pintaram a cara para derrubá-lo no passado. Alguém consegue explicar isso? Fichas remendadas, recompostas, maquiadas, verdadeiros monstros que escondem feridas profundas e que teatralmente são absolvidos pela inocência do cidadão simples e a indecência de quem quer garantir a comodidade da vida que tem. Ambos, comprados.
Esperar por o que daqui pra frente? Oras, teremos Copa do Mundo e Olimpíadas! Não tá bom?


Angelica Carvalho

sábado, 9 de outubro de 2010

Voto consciente = Consciência limpa



As eleições deste ano foram diferentes pra mim. Não que não achasse importante o voto, mas dessa vez foi mais forte. Senti e entendi uma conscientização no ar que, se o progresso realmente acontecer, as próximas histórias podem se tornar melhores.
Essa esperança, sinto, se movimentada por muitos, será capaz de mudar a direção e caminho que vamos percorrer.
Não vi nenhuma graça em observar que, cidadãos completamente desprovidos de comprometimento real com a situação, coloquem suas caras carimbadas por fatos nada inteligentes à mostra e ainda, pior, peçam votos fazendo piada e demagogia.
Além desse absurdo e ousadia, mais lamentável, muitos vencem. Dizem o que o povo ingênuo quer ouvir, fazem o que essas pessoas sem oportunidade precisam que seja feito. Tudo isso é fachada, claro.
Na hora de pôr a mão na massa, a parte gorda fica pra eles, a rebarba, pra quem pôs o indivíduo lá no poder. Essa gente não enxerga isso.
Infelizmente a massa burra que vive nesse país e que passa dificuldade é realmente maioria na hora do voto. Isso pra não dizer os que se envolvem realmente de alguma forma na roubalheira pra fazer valer a pena a doação de sua alma.
Em menos de 1 minuto muitas pessoas decidem o que vai ser do país por 4, 8 anos. Escolhem quem serão as figuras que vão nos representar, vão mandar e desmandar, ditar as regras. Construir uma realidade onde nós teremos que nos enquadrar.
Pena que a maioria não entenda que o buraco é bem mais embaixo. Justamente por isso tudo é que deveríamos obrigatoriamente saber em quem votamos, pesquisar o passado, a história e de jeito nenhum dar voto em quem não mereça.
Claro que podemos nos surpreender, vestir pele de cordeiro é fácil fácil na hora de pedir voto, depois é só arrancar fora e abocanhar o que estiver pela frente.
Ainda assim é possível se safar da ressaca moral após ter depositado seus votos.
Voto nulo e branco perderam sentido pra mim. Antes eu pensava em voto de protesto. Balela. Não é mesmo, você está simplesmente deixando que outras pessoas escolham por você. Afinal, a maioria vai chegar lá. Faça parte de um grupo que sabe o que quer e que não permite que ninguém coloque o seu na reta.
Política é jogo de interesses. Pessoas que ontem se odiavam hoje estão criando alianças pra chegar ao poder. Passando por cima de suas próprias palavras e ideais pra conseguir uma parte dessa... pizza. Dizem, é onde tudo termina.
Pois chega! Gente inteligente não coloca seu voto no lixo pra depois reclamar como eterno insatisfeito. Se todos que usufruem de conhecimento se unirem a favor da nova história, ela pode acontecer. Ela pode passar a existir. Devagar, pode mudar.
Mas tem que acreditar, não desistir, não fraquejar nem se entregar.
A bandeira que levantamos deve ser a nossa bandeira! Ainda dá tempo.




Liliana Darolt

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Nervos Congestionados



Eu nunca imaginei o quanto gostaria de estar em um ônibus, mesmo em pleno horário de pico, às 18 horas e 30 minutos. O trânsito estava infernal, com carros entulhados em longas filas que pareciam não ter fim, porém, nada que uma mulher delicada e sensível como eu não pudesse suportar com elegância.
Teria sido bom se eu estivesse sozinha, mas não estava. Bem ao meu lado, há menos de dois palmos de distância, dirigindo o carro, aliás, o carro em que eu estava, havia um homem ensandecido com o tráfico lento.
-Anda Puta que pariu!Que merda! Vai logo seu imbecil!
Às vezes ele me olhava, respirava fundo, e fazia alguma indagação filosófica, com ar sério de quem realmente entende do assunto. Quase um pós-graduado em fenômenos do trânsito em Curitiba no horário pós-trabalho.
- Sabe porque existe trânsito? Eu vou te dizer o porquê. Existe por causa de gente burra, como esse cara aí da frente, olha. Tá vendo o espaço que ele tem pra ir pra frente? Isso vai acumulando na fila lá atrás, o que faz com que muitos motoristas parem em cruzamentos. Assim que acontecem os engarrafamentos. Por causa de gente burra.
Apesar de achar esse monólogo um tanto quanto engraçado, devido à seriedade com que ele discorre sobre o assunto, como se aquilo tudo fosse algo realmente importante, e sua “teoria” o fizesse um verdadeiro Einstein do trânsito, eu gosto desse raro momento de calma, e tento estabelecer um diálogo. Parto para a estratégia da distração, para ver se ele esquece onde está e quem sabe até acredite que se encontra em uma mesa de bar, onde o único tumulto e impaciência é a cerveja que o garçom ficou de trazer a menos de meio minuto. Uma longa espera pra ele, é claro.
- Realmente Edgar, é incrível. É tudo uma questão de burrice. Eu nunca tinha parado pra pensar nisso.
- Como assim? Não é tudo uma questão de burrice coisíssima nenhuma. SAI DAQUI, EU NÃO VOU DAR A FRENTE PRA VOCÊ NÃO SEU MERDA. VAZA. Sério, não é não. Você entendeu errado.
- Você acabou de falar que a causa do trânsito congestionado é a ignorância das pessoas.
- Exatamente. Foi bem isso que eu disse. E não que é tudo uma questão de burrice.
- Se não é tudo então me diz o que que não é burrice.
- QUE FOI IMBECIL? TÁ BUZINANDO PORQUE? VEM AQUI E CHUP... Malandragem não é burrice, por exemplo.
Edgar afunda a mão na buzina sem nenhuma dó. Os músculos enrijecidos se contraem cada vez mais à medida que o som vai se prolongando, até que ele resolve parar. Seu corpo relaxa, e ele sem notar, olha pra mim com um sorriso:
- O que vamos jantar?
Eu viro o rosto e tento me entreter com as coisas lá fora. Um ônibus bem ao lado quase me faz chorar de inveja com os passageiros de rostos angelicais e serenos a balançar com leveza no balanço típico.
- AAAAAAAAAh! QUE BOSTA! EU QUERO IR EMBORA.
Agora, Edgar não apenas grita, mas também soca o volante do carro como se o próprio Hércules estivesse ali. De repente, ele me olha surpreso:
- O que foi?
- Eu quero ir a pé, cansei.
- Eu também canso de esperar, mas eu tenho paciência.
- Eu cansei da tua impaciência, não da minha paciência.
- Espera, a gente já chega.
- Então pára de fazer escândalo.
Aquele clima de tensão me deixava aflita. Eu não podia imaginar como aquele homem podia passar por aquelas sensações todos os dias. Ele realmente sentia raiva de tudo que estava acontecendo. Puxava os próprios cabelos, apunhalava o painel do carro, gritava coisas horríveis, fazia ameaças de morte.
O trânsito parecia cada vez pior. Ao longe, podia-se ver o sinal verde no semáforo contrastando com o movimento estático dos carros. Ele não colocava na terceira marcha há mais de 40 minutos, e o seu destino sempre estivera a uma quadra de distância.
Quando finalmente chegamos na quadra em que o congestionamento desembocava em diversas ruas e o movimento se amenizava, um carro cortou sua frente, tirando o seu “primeiro lugar” bem próximo à faixa de pedestres.
Vermelho, roxo, azul de raiva, ele gritou com todas as forças que pode, inclusive fechando os olhos para conseguir mais pressão.
- IDIOTA! EU NÃO ACREDITO QUE VOCÊ FEZ ISSO SEU FILHO DA PUTA! VOCÊ VAI VER A MINHA IRA, VOCÊ PEDIU! EU VOU TE ENXER DE PORRADA SEU...
Tomou um pouco de ar, e recomeçou.
-VOCÊS TODOS PEDIRAM. EU VOU VIRAR O HULK, VOCES VÃO VER! VÃO VER...
O sinal abriu. Edgar respirou fundo, e com o rosto fumegando, prendeu os cabelos pra trás e abanou seu rosto, como se estivesse com calor. O congestionamento estava desfeito.
Baixou o vidro do carro, colocou o braço para fora e calmo, disse:
- Então amorzinho, o que vamos jantar hoje?



Letícia Mueller

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Deus castiga?


Alguém pode dizer que não, mas diariamente, vivemos nossas vidas sempre partindo de um pressuposto ou de uma motivação. Os motivos podem variar: ou porque queremos alcançar algum sonho, ou queremos agradar alguém, ou desejamos entender certas coisas e por ai vai. Ou seja, nunca estamos assim, pra lá e pra cá em nosso dia a dia por acaso.
Acontece que existem pessoas que vivem, ou melhor, que tentam viver de acordo com o que a bíblia prega. Há aquelas, por exemplo, que acreditam que Deus castiga e por isso tenta fazer de tudo que as escrituras recomendam. Afinal, Deus castiga?
Diversas teorias dizem que sim: Deus castiga, pois permite que seus filhos provem do seu furor. Isto porque antes não ouviram o que ele tinha para dizer. Outras já abordam um Deus bondoso, livre de maldades a ponto de não fazer ou permitir mal a nenhuma criatura.
Acontece que no mundo de hoje, as pessoas vivem os dois extremos disso tudo. Vivem ou demais temendo ou temendo muito pouco. Ou estão cegas de crenças, ou estão precisando de mais fé, pois nada tem. E isso não é bom. Podemos nunca entender se Deus era e é um ser que castiga que permite a fome, a miséria, a doença ou qualquer outra coisa que seja somente para nos provar daquilo que muita vezes nem conseguimos acreditar ou um Deus tão bondoso que nos perdoa de tudo aquilo que fazemos ou deixamos de fazer. Não importa o que está certo: o que importa é que devemos antes de tudo temer em machucar nosso próximo, fazer mal a quem nem conhecemos, entristecer aqueles que amamos e principalmente, faltar amor para aqueles que estão ao nosso redor. Isso sim devemos temer, pois se Deus castiga certamente castigaria aqueles que só pensam em si mesmos e em viver fazendo o certo somente para agradar a Deus e não ser castigado por ele.



Bianca Nascimento

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Semana de tema livre

Comando Eleitoral




É pessoal, e neste ano o eleitor surpreendeu não é?
Tanta gente, tanto partido e coligação comemorando a vitória antecipada, ou até comemorando o segundo turno e não é que todas as pesquisas, aquelas do tipo IBOPE, foram furadas? Surpreendemos.
E a surpresa é o melhor da vida, talvez os currais eleitorais já não estejam tão obedientes, talvez nós eleitores estejamos mais subversivos. E por falar em subversão, que ela se mantenha aos possíveis segundo turno, e principalmente, a partir do 1º de janeiro, quando então, toda aquela parafernália de propostas e promessas, terão de ser colocadas, no mínimo, em pauta, você não concorda?
Porque não basta surpreender, não basta contornar a pesquisa, inovar, mostrar diferença, transparecer que estamos evoluindo e usando além das mãos a cabeça na hora de votar. O próximo passo deve ser dado, a cobrança. Cobrar a promessa, cobrar a mudança, cobrar o andamento e a aplicação, há, porque prometer é fácil, querer fazer também é fácil, como se diz de boas intenções o inferno está cheio.
O necessário é fazer a diferença, e parece que o eleitor já começou a fazer sua parte, o que é animador, afinal, já havia tanta certeza em tantos resultados, que as mudanças repentinas naquelas urnas, foram uma feliz surpresa, que mostrou um principio de evolução e nos faz acreditar que talvez num futuro, distante ou não, nossa democracia possa de veras ser exercida. Afinal, o poder está ou não nas mãos do povo?



Fernanda Bugai

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Uma pra cada uma



- Fala a verdade Julio, você acredita em Deus?
- Oi?
- É. Deus, Jùlio, você acredita?
- Humm. – Júlio deixa escapar um grunhido indecifrável. Pera aí. Ô Garçom, garçom, amigão, traz mais dois chopps.
-Eu não quero um chopp, fala Adriana, indignada.
- Ah não quer?
Categórica, ela diz de nariz empinado, e olhando para as próprias unhas:
-Não.
O garçom parece incomodado com a discussão e seu rosto, parecendo um imã que atrai quando chamam seu nome, não pára de se virar para todos os lados. O bar está cheio, e todos parecem sedentos como se o mundo estivesse chegando ao fim.
-Mas então você não bebe?
-Você acredita em Deus?
-O que que tem a ver Deus com bebida?
- Tem a ver que eu perguntei primeiro e você não respondeu até agora.
- E nem vou responder.
-Ah, você não vai responder? – Ela fala com ar vingativo, ameaçador.
- Não.
- Ok.
-Ok.
O garçom também parece esperar uma resposta. Ficam em silêncio por 5 segundos, até que ele não resiste, e pergunta:
- Mas me fala linda, você não bebe não?

Duas horas depois, os dois, ainda sentados na mesa do bar, conversam sobre política, amores passados, filmes e música. Ele encoberto por 6 garrafas de cerveja, e ela ainda bebericando o mesmo suco que pedira quando chegara.
- Mas então Julio, me fala uma coisa, você acredita ou não em Deus?
- Adriana, posso saber porque tanto isso é importante, meu bem? Falar de religião a essas horas. O papo tá tão bom. Sempre dá merda quando a gente entra nesses assuntos mais pessoais.
- Mas eu acabei de te contar que já fiz um ménage com 3 caras, cada um de uma raça diferente, e você não quer me falar se acredita em Deus?
- Não.
- Não pode ser.
- Mas é.
- Não, não pode.
- O que que não pode?
- Você sabe o que que não pode.
- Não sei não.
- Sabe sim, você disse “Mas é”.
- Não, não disse.
-Disse sim.
- Ok.
Adriana parece calma. Respira com tranqüilidade, olhando para as pessoas do bar com ternura e sorrindo como uma candidata à vereadora. Até Julio se assusta com sua frase dita ao acaso, e aos berros:
- Fala logo se você acredita ou não! Fala, logo.
- E o que acontece se eu não falar?
- Sei lá, mas se você falar eu vou pra cama hoje com você.
Julio mexe-se de maneira esquisita na cadeira. Seu rosto parece passar por uma rápida deformação, mas logo volta ao normal. Adriana era bonita, gostosinha até. Os seios pareciam grandes o suficiente para encher a mão e, já fazia tanto tempo desde a última vez. Então, decidido, Julio é tomado por um arrepio da espinha até a nuca, e seu sangue fervente o faz gritar incontrolavelmente:
- Uh, Mi Dios! Que tetas calientes!
Silêncio.
- O que você disse?
- Eu não disse nada.
- Claro que disse. Todo mundo ouviu, tá todo mundo te olhando.
- Estão todos loucos.
- Você que é louco. O que você disse?
-Não vou falar.
- Fala logo o que você disse!
- Tá.
-Sério?
- Uhum.
- Então fala.
- Mas o que você prefere saber?
- Como assim?
- Se eu acredito em Deus ou o que eu acabei de falar?
- Ah então você admite que falou?
- Sim sim...
- Prefiro saber os dois. Trato é trato.
- Isso! Duas perguntas!
-É.
- Então cadê sua amiga pra eu te responder essa outra pergunta?
- Que amiga?
- Trato é trato, uma mulher pra Deus, outra pro espanhol.
E cruzou os braços decidido, esperando uma resposta.




Letícia Mueller