sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Nervos Congestionados



Eu nunca imaginei o quanto gostaria de estar em um ônibus, mesmo em pleno horário de pico, às 18 horas e 30 minutos. O trânsito estava infernal, com carros entulhados em longas filas que pareciam não ter fim, porém, nada que uma mulher delicada e sensível como eu não pudesse suportar com elegância.
Teria sido bom se eu estivesse sozinha, mas não estava. Bem ao meu lado, há menos de dois palmos de distância, dirigindo o carro, aliás, o carro em que eu estava, havia um homem ensandecido com o tráfico lento.
-Anda Puta que pariu!Que merda! Vai logo seu imbecil!
Às vezes ele me olhava, respirava fundo, e fazia alguma indagação filosófica, com ar sério de quem realmente entende do assunto. Quase um pós-graduado em fenômenos do trânsito em Curitiba no horário pós-trabalho.
- Sabe porque existe trânsito? Eu vou te dizer o porquê. Existe por causa de gente burra, como esse cara aí da frente, olha. Tá vendo o espaço que ele tem pra ir pra frente? Isso vai acumulando na fila lá atrás, o que faz com que muitos motoristas parem em cruzamentos. Assim que acontecem os engarrafamentos. Por causa de gente burra.
Apesar de achar esse monólogo um tanto quanto engraçado, devido à seriedade com que ele discorre sobre o assunto, como se aquilo tudo fosse algo realmente importante, e sua “teoria” o fizesse um verdadeiro Einstein do trânsito, eu gosto desse raro momento de calma, e tento estabelecer um diálogo. Parto para a estratégia da distração, para ver se ele esquece onde está e quem sabe até acredite que se encontra em uma mesa de bar, onde o único tumulto e impaciência é a cerveja que o garçom ficou de trazer a menos de meio minuto. Uma longa espera pra ele, é claro.
- Realmente Edgar, é incrível. É tudo uma questão de burrice. Eu nunca tinha parado pra pensar nisso.
- Como assim? Não é tudo uma questão de burrice coisíssima nenhuma. SAI DAQUI, EU NÃO VOU DAR A FRENTE PRA VOCÊ NÃO SEU MERDA. VAZA. Sério, não é não. Você entendeu errado.
- Você acabou de falar que a causa do trânsito congestionado é a ignorância das pessoas.
- Exatamente. Foi bem isso que eu disse. E não que é tudo uma questão de burrice.
- Se não é tudo então me diz o que que não é burrice.
- QUE FOI IMBECIL? TÁ BUZINANDO PORQUE? VEM AQUI E CHUP... Malandragem não é burrice, por exemplo.
Edgar afunda a mão na buzina sem nenhuma dó. Os músculos enrijecidos se contraem cada vez mais à medida que o som vai se prolongando, até que ele resolve parar. Seu corpo relaxa, e ele sem notar, olha pra mim com um sorriso:
- O que vamos jantar?
Eu viro o rosto e tento me entreter com as coisas lá fora. Um ônibus bem ao lado quase me faz chorar de inveja com os passageiros de rostos angelicais e serenos a balançar com leveza no balanço típico.
- AAAAAAAAAh! QUE BOSTA! EU QUERO IR EMBORA.
Agora, Edgar não apenas grita, mas também soca o volante do carro como se o próprio Hércules estivesse ali. De repente, ele me olha surpreso:
- O que foi?
- Eu quero ir a pé, cansei.
- Eu também canso de esperar, mas eu tenho paciência.
- Eu cansei da tua impaciência, não da minha paciência.
- Espera, a gente já chega.
- Então pára de fazer escândalo.
Aquele clima de tensão me deixava aflita. Eu não podia imaginar como aquele homem podia passar por aquelas sensações todos os dias. Ele realmente sentia raiva de tudo que estava acontecendo. Puxava os próprios cabelos, apunhalava o painel do carro, gritava coisas horríveis, fazia ameaças de morte.
O trânsito parecia cada vez pior. Ao longe, podia-se ver o sinal verde no semáforo contrastando com o movimento estático dos carros. Ele não colocava na terceira marcha há mais de 40 minutos, e o seu destino sempre estivera a uma quadra de distância.
Quando finalmente chegamos na quadra em que o congestionamento desembocava em diversas ruas e o movimento se amenizava, um carro cortou sua frente, tirando o seu “primeiro lugar” bem próximo à faixa de pedestres.
Vermelho, roxo, azul de raiva, ele gritou com todas as forças que pode, inclusive fechando os olhos para conseguir mais pressão.
- IDIOTA! EU NÃO ACREDITO QUE VOCÊ FEZ ISSO SEU FILHO DA PUTA! VOCÊ VAI VER A MINHA IRA, VOCÊ PEDIU! EU VOU TE ENXER DE PORRADA SEU...
Tomou um pouco de ar, e recomeçou.
-VOCÊS TODOS PEDIRAM. EU VOU VIRAR O HULK, VOCES VÃO VER! VÃO VER...
O sinal abriu. Edgar respirou fundo, e com o rosto fumegando, prendeu os cabelos pra trás e abanou seu rosto, como se estivesse com calor. O congestionamento estava desfeito.
Baixou o vidro do carro, colocou o braço para fora e calmo, disse:
- Então amorzinho, o que vamos jantar hoje?



Letícia Mueller

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