quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Conto Portunhol



Diversificar é preciso e, esta semana, receio que o tema me encanta. Receio porque tudo que me atrai se torna ou perigoso ou vulnerável. Mas enfim, vou contar uma historinha que ouvi por aí.
Lá estava Alejandro, agachado apertando o parafuso que fixava el enchufe na parede. Tradição dos homens de sua família, a profissão de eletricista manteve os lares de quatro gerações da Família Hernandez. Levantou-se, passou o lenço na testa e tomou um copo d’água gentilmente servido por Anita, uma doce e jovem morena, de olhos cor de jaboticaba e jeito cativante.
Anita, não escondia seu encanto por Alejandro e não hesitava em debruçar-se em la ventana para mirá-lo passando pelo outro lado da rua. A primeira vez que o viu foi na venda do Sr. Jose. Entrou apressada por causa da chuva, tirou a capa e pendurou em la percha. Quando virou-se, lá estava Alejandro, de olhos verdes como esmeraldas, muy guapo, caliente. Ele levantou a aba da boina em sinal de cumprimento, esboçou um sorriso maroto e desceu la escalera em direção à calçada. Anita ficou hipnotizada, seu corpo começou a arder como fogo e já nem lembrava mais o que a tinha levado até o armazém. Passou noites sonhando com o moço, bastava deitar em la almohada para aquellos ojos saltarem em seus pensamentos. El balcón era seu lugar preferido nas noites enluaradas, pois podia ver a pracinha de bares boêmios, local preferido de Alejandro. Muito galante, sempre que a via, beijava um cravo e lhe oferecia seguido do sorriso que a fazia incendiar.
Certa noite, Alejandro ousou subir até Anita. Tomou-a em seus braços e a arrastou até el dormitório. Certificou-se que el arrofo estava seguro e delicadamente aproximou-se da moça, beijando fortemente seu cuello, arrepiando todo seu cuerpo, enquanto entontecia a moça com palavras envolventes e juras de um amor cierto. Hola, que tal? Adiós, menos mal.
Que casualidade desta moça deixar-se levar por este camelo.

Angelica Carvalho

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Quando meu sangue latino fica quente






Quando meu sangue latino fica quente...

É melhor meu inimigo sair da frente!

Pois rodo a minha saia estilo bata de cola...

E toco, rapidamente, minhas castanholas!



Viro a cigana Carmem com seu punhal...

Feito do luar mais puro e natural!

Quando meu sangue latino fica quente...

Meu espírito fica bastante diferente!



Sapateio tocando a brava melodia...

Do solado no chão com harmonia!

Bato palmas fortes e brilhantes...

E delas saem estrelas cintilantes!



Se for para escandalizar e dançar,

Que seja em ritmo latino...

De um bolero a luz do luar,

Falando das travessuras do destino!



Sua batata está assando...

E ela é batata-salsa...

Num ritmo que está mudando...

E que nunca será valsa!



Sempre danço um trágico e tango,

Quando alguém toca meus lábios de morango!

Minha vida é uma rumba cubana...

No meu destino louco de cigana!



Quando meu sangue latino fica quente...

Solto um gemido escandaloso e fremente...



Então coloco uma rosa grande e carmim...

No meu cabelo longo e escuro...

Dançando na noite sem fim...

Para espantar o inimigo obscuro.




Luciana do Rocio Mallon

terça-feira, 28 de setembro de 2010

O meu sangue ferve!


Esse meu sangue, que da mesma cor da paixão, também tem cor quente e de raiva quantas vezes já ferveu. Foram tantas, que só de lembrar, o sangue já sobe: quantas vezes ele borbulhou pelo amor não correspondido, pela paixão doentia, pela amizade falsa, pelas situações traiçoeiras, pelas trapaças de conhecidos, pelas pessoas mesquinhas, pelas mal-humoradas, pelas que queriam tirar vantagem, pela indiferença das pessoas, pelas mentiras deslavadas, pelo silêncio dos justos, pelo grito dos inocentes, pelos assassinos, estupradores, pelos padres pedófilos, pelas pessoas que maltratam animais, pelos governos tiranos, pelos ataques, pela bomba atômica, pelas guerras, pelas armas, pela exploração, pela injustiça, pelo ódio, pelo desamor e por muito mais. Quantas coisas que esse sangue latino já sentiu. Mas não importa se é latino, brasileiro, norte-americano ou mulçumano: por muitas coisas nosso sangue ainda há de ferver!




Bianca Nascimento

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Tema da Semana: Quando Ferve Meu Sangue Latino

Pacato



- Amor, o que você fez hoje durante o dia?
- O de sempre João, depois que você saiu para trabalhar, ajeitei a casa, dei uma olhada nas crianças na rua, fiz almoço, arrumei a merenda e levei os Dulce e bento para escola...
- Ta, mas e de tarde?
- Ai Ramon, depois que cheguei em casa lavei a louça, limpei a cozinha, fiz umas arepas para o café, dei uma organizada na bagunça das crianças, fui buscá-las na escola, dei de comer, ajudei na lição, e fui fazer seu jantar meu bem. Só isso, aliás, só isso que tenho feito ao longo de toda a minha vida aqui, não é João?
- Mas Dolores meu amor, você sabe que eu dou um duro danado lá no serviço, para te dar do bom e do melhor... Se pudesse, te deixava no salão o dia inteiro e pagava babá pras crianças, mas sabe como é nossa vida. Meu trabalho também não foi nada de diferente, a mesma labuta de sempre, daquele jeito, igual naquele filme de Carlitos...
- Já te disse que não é Carlitos, João, aquele lá é um artista, Charles Chaplin, Carlitos é um personagem que ele fez homem.
- Não importa Dolores, o que importa é que ta assim a vida, trabalho demais, diversão de menos. E por falar em diversão, que tal a gente namorar um pouquinho, heim?
- Ai João, você acha que essa vida de dona de casa é fácil? Acha que eu fico só deitada no sofá o dia todo? Pois vou te contar que não, estou muito cansada, na minha terra as mulheres também cansam. Namoramos amanhã.
- De novo Dolores? Aonde foi parar aquele teu sangue caliente?
- Esfriei na beira do tanque! Boa noite.
E assim se passaram os pacatos dias de João, caboclo nascido no sertão, que se encantou com Dolores ‘muy bonita y hermosa’, ainda quando fazia construção na cidade grande. Dolores aqui tinha vida pacata, João trabalhava, Dolores também, ele saia e ela ficava, as crianças na escola, e a vida seguia.
- Eu quero saber agora o que está acontecendo na minha cama Valentim?!
- João meu amor, não é nada disso que você está pensando, não está acontecendo nada.
- Ah não Dolores? Então me explica o que vocês estão fazendo na minha cama, grudados nessa hora da tarde? Logo hoje que sai cedo do serviço pra te fazer surpresa, e até flores te trouxe... Você é uma vadia mesmo, teu sangue quente esfriou foi na pele desse maldito Valentim que se fazia de meu amigo o tempo todo, mas isso não vai ficar assim.
- João não, o que você está fazendo? Nós somos amigos, tenha piedade homem, ela que me seduziu!
- Que gritaria é essa minha gente? O que está acontecendo aqui? Meu Deus! João o que foi que você fez?
- É o que a senhora está vendo Dona Aninha, eu posso ter sido corno daquela vadia, corno daquele maldito, dei abrigo pra ela, confiei nele, fiz da minha terra a terra deles, mas não Dona Aninha, quando ferve meu sangue latino, não existe latino que não pereça!








Fernanda Bugai

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Serve pra isso...


Era um sábado ensolarado. Ela não estava acostumada a andar de ônibus e ainda se mordia de raiva pelo pai que não pode levá-la ao shopping. O avô fora internado, e poderia receber alta a qualquer instante para deixar o hospital. O pai tinha que estar a mercê.
Que raiva ela sentia. O shopping era tão pertinho, não custaria nada que alguém a levasse até ali. Mas, lá estava ela, já há 10 minutos dentro daquela máquina de tortura. Como era horrível! Aquela gente toda, tudo tão feio, sujo, e pobre.
Ela não via a hora de encontrar logo com as amigas e contar à elas sobre a péssima experiência que teve. Até que renderiam boas risadas.
Mas enquanto estava lá, a menina não conseguia se distrair. Todos os passageiros pareciam olhar para ela, como se fosse um monstro, ou quem sabe uma princesa. Que nojo, ui. Ainda bem que tinha seu IPod Touch 32 Gb para lhe fazer companhia.
Deu Graças a Deus quando chegou no lugar aonde tinha de descer.
Que muvuca! Até pra sair tem que ser desse jeito! Bando de mal educado!
E saiu empurrando todos que via pela frente, discretamente é claro. Vexame é feio em qualquer lugar, até na favela.
Já olhando para o shopping belo e imponente à sua frente, quando estava prestes a respirar ar puro e saltar de alegria pela rua, uma coisa chamou sua atenção.
Uma família de seis pessoas estava parada em frente à catraca, do lado de fora. Havia um senhor mais velho, de mãos dadas com uma senhorinha grisalha. Ambos de chinelo de dedo, muito humildes. Tinha também uma mulher gorda, de cabelos emaranhados e oxigenados com as raízes pretas já grandes. Ela levava no colo uma criança negrinha, já bem cabeluda. Outras duas crianças, uma menina e um menino, se agarravam a suas pernas e puxavam a barra de sua saia com insistência.
- Mãe, também quero colo.
A mãe não conseguia se concentrar. Mexia desesperada em sua bolsa em busca da moeda que completasse o valor da passagem, até que a vózinha pegou com gentileza em sua mão, e com um sorriso sincero, falou:
- Calma filha, o pai paga. Afinal, pai é pra essas coisas né…
A senhorinha olhou para o marido, que retribui com uma gargalhada gostosa, e concordou com a cabeça, e disse:
- Toma filha, vamos.
A mulher da raiz preta sorriu como uma criança, como a própria que carregava em seu colo e tinha sobre a barra de sua saia.
A menina do ITouch notou que a família humilde estava na verdade bem vestida. Os dois senhorzinhos estavam sim de chinelo de dedo, mas pareciam ser os melhores de seus guarda-roupas. A mulher das raízes estava maquiada, exibia uns beiços vermelhos muito mal pintados, mas não importava. Ela tinha se arrumado. As duas meninas estavam de sandalinhas rosa cheia de miçanquinhas e usavam maria chiquinhas no alto da cabeça.
A família aproveitou o sábado para passear, e ali, o papel do pai era pagar a passagem da filha e dos netos. Era isso o que ele podia fazer, e todos ficavam contentes, e agradeciam com um sorriso sincero.
Nossa menina lembrou do próprio avô internado, e lembrou do último almoço que tiveram, com toda a família reunida. Uma churrascaria no Batel. Depois, ainda passaram no Mac, e sem querer ela deixou respingar um pouco do sundae no banco de couro do carro do pai. Discretamente, claro.
Huum, como ela amava sundaes!
Quase chegando no shopping, ela aumentou o volume do IPod e foi direto para a Praça de Alimentação.
Simples assim.



Letícia Mueller

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Uma Vez Alice, Sempre Alice.


Mais um daqueles finais de expediente sem graça. Depois de um dia exaustivo de trabalho, só o que Alice precisava era de um bom banho. E depois um jantarzinho, uma sopa talvez, fácil de preparar. Seus dias eram monótonos, travava uma luta pessoal contra as contas, não tinha mais tempo pra se cuidar e namorar já nem lembrava mais como era. Uma rotina, no mínimo, tétrica de uma pessoa acomodada com sua condição de ser vivente, se é que se pode dizer que vive uma pessoa assim. Particularmente eu indicaria sessões de terapia e sexo casual, mas não sou psicóloga, então que cada um faça o que bem entender com sua vida.
Mas, aquela tarde tornou-se diferente e mudaria a vida da doce e aguada Alice. No caminho para casa, tropeçou em uma pedra e caiu estatelada no calçadão. Já se achava uma perdedora e agora tinha certeza. De quatro, sem saber se olhava pra cima ou ficava chorando de vergonha ali mesmo, deu de cara com um bilhete de loteria. Quem pensaria em pegar um bilhete amassado no chão depois de uma cena dessa? Fala sério, nem eu. Mas a garota era tão descrente de tudo, que juntou a porcaria do papel, como se quisesse se desculpar consigo mesma por ter caído, do tipo, eu queria mesmo esse papel!
Levantou-se, ainda com o joelho meio doendo e continuou sua caminhada para casa, não sem antes passar pela padaria pra pegar os mesmos cinco pãezinhos frescos de todos os dias. Na fila do caixa, ficou prestando atenção no noticiário. No anúncio, os números da loteria que premiavam um ganhador. Um único ser tinha levado a bolada e Alice riu para si mesma, pensando: sortudo! Lembrou do bilhete que encontrara no chão e, só por curiosidade, conferiu: 07-19-35-38-44-52-59. Quase caiu no chão de novo. Como assim? Os mesmos números da TV? Ficou vermelha, começou a suar, mas não queria passar por mais uma vergonha. Vai que ela tinha lido errado, ainda iam rir muito dela. Amassou o bilhete, pagou sua conta e correu para casa, sempre olhando pro chão, cheia de livros nas mãos e sonhos em sua mente.
Subiu correndo pelas escadas, bateu a porta do apartamento e foi jogando tudo pelo caminho. Pegou novamente o bilhete em suas mãos e ligou a televisão na esperança de ter os números ditados novamente. Nada. Lembrou do notebook em cima da mesa, ligadinho esperando. Entrou no site e pimba! Não deu outra... eram mesmo seus números. Acabou a solidão, a vida chata, a falta de dinheiro, ficar na vontade nunca mais. Gritava e pulava como louca, sem ter com quem mais dividir aquilo, mas agora não importava. Poderia comprar amigos se quisesse. Rasgou todos aqueles trapos que chamava de roupas, agora poderia comprar o que quisesse nas boutiques mais caras e ai de quem não a tratasse bem. Jogou todas as flores no lixo. Pra que flores? Antes elas serviam de companhia, agora não passavam de um estorvo. Foi se desfazendo de tudo o que lembrava a sua triste e pobre vida, afinal sempre se achou uma vítima do destino, uma pessoa perseguida pelo azar, tudo dava errado e a culpa... do destino. Sonhava mais e agora poderia fazer tudo.
Passou a noite tomando a única garrafa de vinho que tinha guardado pra uma ocasião especial, jurou ao mundo uma vingança pelos anos de sofrimento, jogou a taça longe e foi dormir. Infartou fulminantemente na mesma noite e morreu dormindo.
É Alice... ainda não foi desta vez.




Angelica Carvalho

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Já olhou para as suas mãos hoje?


Hoje olhei para as minhas mãos. Olhei suas linhas. Percebi atentamente se talvez elas indicassem algum destino, alguma direção. Pensei no quanto de coisas elas já sentiram, quantas peles já haviam acariciado, quantos fios de cabelo enrolado. Quantas vezes foram elas que aliviaram o suor das febres que tive, que se fecharam pela raiva que já senti, que já se abriram diante do céu na busca de um ser para se agarrar. Quantos sinais por ela já emiti, alguns feios para quem merecia e para quem também não merecia. Quantas pessoas elas já apontaram e julgaram, deduraram ou simplesmente indicaram. E as estrelas: quantas vezes meus dedos já as contaram, quantas vezes para a lua minhas mãos acenaram. Quantos afagos já fizeram, quantas coisas já arranharam, quantos apertos de mão já apertaram, quantas batidas comemorando tantos aniversários, quantas portas já abriram, quantos documentos já assinaram, quanta comida já beliscaram e quantas preces já não fizeram. Quantos “adeus” elas já deram e quantos pães já dividiram. Fechei-as. Observei-as novamente. Lembrei que certa vez alguém me disse que uma mão fechada é do tamanho do nosso coração. E por isso, quanto mais minhas mãos forem leves, menos ásperas, mais segurarem as pontas e mais preces fizerem, mais meu coração se fortalecerá!











Bianca Nascimento

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Semana de tema livre

Chegada




Sua vida mudou depois daquela chegada, suas manhãs já não eram mais as mesmas, o ritmo acelerou, foram noites sem dormir, até que aquele pequenino ser pudesse reconhecê-la e se adaptar àquilo tudo, novo, temeroso, maior.
Os dias já não foram mais iguais, havia necessidades exigíveis, horários certos a família teve de habituar-se àquele pequeno ser, que aos poucos, aos tropeços, foi trazendo luz e alegria, de uma forma amável e carinhosa.
Já não se podia levantar tarde, já não se podia amanhecer nas ruas, as refeições balanceadas e bem nutridas, o horário do sono, a hora da brincadeira, ensinar bons modos e costumes, o respeito hierárquico, o amor maternal, agora um cedeu ao outro seu coração, formavam todos uma família, o apego era tanto e intenso, dia a dia, minuto a minuto, a carência de atenção e a necessidade de cuidado fizeram laços se estreitar e um amor incondicional surgir.
Ela já não pensa mais em si, sem antes pensar naquele, seus valores e interesses já não direcionam para futilidades, beleza, moda e lazer, necessidades maiores gritam. O medo de perder, a necessidade do cuidado, alimentar, educar, dar amor, ter certeza de que está agindo corretamente, saber lidar, repreender com atenção, não deixar surgir o medo somente o respeito.
Foram tantas coisas que vieram, são tantas coisas que estão por vir, que depois de sua chegada, aquele lar tornou-se mais feliz, a doçura de um olhar, a nobreza de um afago, o entender de uma preocupação, agora tudo gira em torno daquele pequenino que cresce a cada dia, um filhote canino que soube despertar o melhor do coração humano, pois como dizia Fritz Von Unruch “ o cão é o único animal que te ama mais do que a ele mesmo”.


Fernanda Bugai

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Planeta Roxo


Aninha tinha apenas 6 anos de idade, mas já era gente grande, sim senhor! Morava em uma cidadezinha bem pequena no interior do Paraná. Contava até um milhão e duzentos e oitenta mil bilhões, sabia escrever “Aninha” e “ Sorvete de Creme” e já tinha se desfeito de suas 24 bonecas, ficando apenas com uma, mas só porque Filomena, aquela uma que restara, não tinha como dar pra qualquer um.
Aninha era inteligentíssima. Já sabia prender o cabelo sozinha, amarrava os cadarços do tênis em 16 segundos (recorde entre as amigas da escola e do bairro), sabia de cor a receita de nega maluca e já tinha lido um livro de 52 páginas, coisa de que mais se orgulhava.
Aninha tinha uma irmã mais velha, de 15 anos. Marcela até que era legal, mas perto das amigas ficava insuportável, com ar de irmã mais velha.
Um dia, enquanto assistia à televisão, Marcela chegou em casa com uma amiga e nem sequer lhe deu oi. Aninha, como que dando uma bronca, falou a irmã:
- E eu não ganho oi, não, maninha?
Marcela apenas tirou a cabeça pra fora da cozinha, e olhando seriamente pra Aninha, falou:
- Oi.
Virou as costas e se foi. Aninha continuou a ver TV, fingindo que não se importava com o desdém da irmã.
As duas voltam da cozinha com um balde enorme de pipoca, e uma bandeja cheia com as suas bolachinhas recheadas preferidas. Animada, ela desliga a TV e senta-se junto com as duas meninas mais velhas, puxando assunto. Fala para a amiga de Marcela:
- Oi, tudo bem? Qual seu nome?
- Daniela, e o seu?
- Aninha. Na verdade Ana, mas ninguém me chama de Ana. Só de Aninha. Mas na verdade, meu nome mesmo, é Ana.
- Os dois são nomes muito lindos. Eu ficaria feliz de ter dois nomes que nem você.
A menina sorri, um pouco envergonhada. Então, se aproxima mais de Daniela, fica bem ao seu lado, e olhando em seus olhos, em tom solene, pergunta:
- Porque seu cabelo é roxo Dani?
- Ora, porque ...porque ...
Marcela interrompe, querendo debochar da irmã:
- Da onde que o cabelo dela é roxo sua loca? Você não ta vendo, não? É super loiro, mais loiro que o seu.
Aninha ignora Marcela.
- Sério Dani. Eu nunca vi um cabelo assim, igual ao seu. Só vi na TV. Mas minha mãe sempre me diz que nada do que passa na TV é de verdade.
- Ah Aninha, eu também nunca conheci uma menina que tivesse dois nomes. Nem na TV, responde Daniela.
- Ai vai dizer que você não entendeu? Meu nome mesmo é só Ana, mas...
Marcela interrompe novamente.
- É claro que ela entendeu sua anta. Ela ta só tirando com você.
Aninha parece se encolher no sofá, e com os olhos cabisbaixos, finge não se importar com o comentário da irmã. Quando se levanta para ir ao seu quarto, Daniela fala:
- Então, meu cabelo é roxo mesmo. E você sabe como ele ficou assim?
Aninha responde, já um pouco mais animada:
- Não sei não. Porque também nunca vi uma tinta roxa pra vender. A minha mãe passa uma que fica parecendo com a cor do meu cabelo, só que um pouco mais feinho, sabe? Até ela diz que meu cabelo é o mais lindo do mundo.
- Então, eu vou te contar porque meu cabelo é assim, mas você não pode contar pra ninguém. Pra ninguém mesmo.
- Nem pra Marcela?
As duas meninas mais velhas se olham e dão uma risadinha discreta. Daniela responde:
- A Má já sabe. Mas tirando ela, mais ninguém sabe, então não conta pra ninguém, ninguém mesmo.
- Sim, sim, pode deixar. Eu juro de dedinho que não falo pra ninguém, nem pra mamãe.
Daniela chega o rosto próximo do ouvido de Aninha, que está cheia de expectativas:
- Eu tenho cabelo roxo, porque sou um ET.
- Sério? Ai que mentira. Como assim, ET?
- ET ué, eu venho do espaço. Lá onde eu moro todo mundo tem cabelo roxo.
- É verdade?
Sem esperar a resposta, Aninha já pula de excitação.
- Nossa, que legal! Eu tenho uma amiga ET! Mas Dani, me conta uma coisa, como que você veio parar aqui?
- Minha família me deixou aqui de férias. Daqui uns 30 anos eles passam me buscar.
- 30 ANOS? Mas é muito tempo pra ficar longe da mãe e do pai. Acho que você não aguenta não.
- Aguento sim, porque o tempo pra a gente não é como o de vocês.
- Ah, entendi. Que legal isso, adorei. Mas, me diz uma coisa, todos os ET´s tem cabelo roxo?
- Lá do planeta que eu venho, sim.
- Mas então você é a única ET do seu planeta que tá aqui na Terra, né? Porque Dani, é sério, eu nunca vi nenhuma pessoa, nenhuminha, que tenha o cabelo igual ao seu.
- Até tem Aninha, mas é que aqui nessa cidade o pessoal não vem muito não sabe. Eles gostam de agito, de cidade grande.
- Haaaaaam. E como é lá no seu planeta? É parecido com aqui?
- Não é não. Lá é muito mais legal. As casas são todas feitas de doces, as piscinas são de gelatina, todos os brinquedos que a gente quer nascem no jardim... É muito legal.
- Nossa, quero ir pra lá. Muito! Como faz?
- Não faz, né Aninha. É impossível.
- Não pode ser impossível. Como que você faz se está em uma emergência e precisa ir pra casa?
- É só eu ficar lá fora e chamar.
- E porque se eu for lá fora e chamar eles não vão aparecer?
- Porque você não é eu.
Aninha responde pensativa:
- É verdade. E também porque eu não tenho cabelo roxo.
- É, também tem essa.
Aninha se despede rapidamente das duas meninas, e sai correndo pela porta, não sem antes pegar alguns trocados deixados pela mãe em cima da mesa, em caso de emergência.
No outro dia de manhã, procuraram por Aninha por todos os lados e não conseguiram encontrá-la em lugar nenhum.
Só Daniela espantou-se ao ver um vidro de violeta genciana vazio em baixo de sua cama.



Letícia Mueller
Concorda?



Quem nunca contou uma mentirinha? Dessas que de tão boba, chegam a ser engraçada? Adolescência e velhice que o digam:
- Vou dormir na casa da Aninha mãe.
- Já tomei todos os remédios filho.
E por ai vai e vai, é virose para faltar no trabalho, gripe para fugir de prova, dor de cabeça para evitar sexo, indisposição para fugir da faxina, visita em casa para não precisar sair, passear com as amigas para ver o namorado, são tantas e são inúmeras. Bom mesmo é quando as mentiras são mentirinha, não afetam e não corroem, essencial quando não se tornam vício, porque o pior e inaceitável, são as mentiras destruidoras, as ilusões sedutoras, as histórias mirabolantes e os vícios constantes.
A pseudolalia é uma doença, um vício e grave, afinal de contas mentir por mentir, criar situações fictícias, enganar e corromper faz mal para a pessoa e principalmente faz muito mal para os de sua volta, ninguém gosta de ser enganado, correto? Então já pensou conviver com alguém que mente sempre, sobre tudo? Essas situações imaginárias envolvem os demais numa atmosfera, mas envolve ainda mais o mentiroso, que seja por prazer ou deficiência emocional, cria e recria situações, e conseqüentemente, uma mentira é necessária para suportar à outra, até que pronto, está feito o bolo de neve, que, se descoberto, traz tanta dor aos que querem bem, e dor maior ao que mente, humilhação, vergonha e inevitavelmente solidão. Ah a solidão, nada pior que a solidão, como é bom estar rodeado de pessoas que nos amam e querem bem, como é boa uma companhia agradável e um ombro amigo, e por inequívoco, como é boa a sinceridade. Amo a sinceridade, faço ah como perdi falsos amigos por isso, como afastei falsos demagogos por isso, é, porque tem gente que só gosta de ouvir o que faz bem aos ouvidos, mesmo quando está metendo os pés pelas mãos, e não há mentirinha que agüente e abra aos olhos, tem gente que também não merece nossa sinceridade, merece mesmo a solidão.
É necessária a verdade, sempre, acima de tudo, mas quem nunca mentiu nada na vida que atire a primeira pedra, mentirinha é perdoável, não sei se inocente, porque imagino pelo ato de mentir já esteja inserido um quê de maldade, mas coisas simples, que não comprometam nada e ninguém vale, né? Como aquelas situações, de desculpa esfarrapada para pegar o telefone do gatinho na balada, descobrir a marca de sapato da chefa tirana, despistar aquele grude insuportável ou aquelas chatas de galochas, concorda? Nada, além disso, nada que machuque, que destrua e que corroa, nada que comprometa a vida alheia e nada que altere o destino de alguém, ok?




Fernanda Bugai

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Formigas



Grão de areia sozinho não é nada. Palha em meio à plantação, também não. Não que não sejam, mas não é comum dar-lhes o valor devido quando parecem tão ínfimos ou pouco significantes ao nosso mundinho particular. Dá-lhes valor quem os conhece com o tato, quem sabe diferenciar pelo toque a mais pura simplicidade.

Lembro-me de que quando era criança que adorava brincar com formigas. Formiguinha passeando na calçada não é nada, pensava, e então ia lá, atazanar a pobre coitada. Ela seguia seu caminho e eu colocava um galhinho na trilha, para forçá-la a achar uma saída. Rapidamente, andava pra lá e pra cá até dar a volta e passava por cima se fosse preciso. Forte, obstinada. A cercava por minutos a fio, rindo com inocência infantil. Então eu a fazia subir pela minha mão e ela, seguindo a luz ou algo que eu não sabia o que era, continuava a caminhar, a extrapolar, a querer chegar sabe Deus onde.

Então, pra dificultar, eu cortava-lhe uma perninha, mas ainda assim ela continuava viva. Então, tirava-lhe outra e sem entender como, ela persistia. Fácil mesmo era cansar de tudo aquilo e então, pah! Com um pisão acabava com a história. E fácil seria se fosse assim com tudo na vida. Querer não ir à escola e dizer que “não vou”, querer não comer feijão e deixar no prato, querer se molhar na chuva e simplesmente ir e, pah! Pronto.

Mas quem disse que a formiguinha anda sozinha? Já pisei em formigueiro e senti a família inteira subindo por minhas pernas, picando a cada movimento e fazendo minha circulação se transformar em um pesadelo de angústia e dor. Quanto mais você se debate, mas arde e parece que elas nunca vão sair todas do seu corpo, sempre sobra uma e ela te machuca como fossem cem.

E por falar em cem, o que dizer da força que tem a bichinha, que carrega cem vezes o seu peso? Andando em grupos, porque trabalham em filas, podem erguer um castelo e abrigar milhares de seres iguaizinhos e tão fortes quanto. Podem se enfiar pelas frestas e tomar uma casa inteira ou abrigar-se em qualquer espaço quente onde possam procriar e dominar. Milhares, que sozinhas não representam nada, só que uma puxa a outra e dá a vez no seu caminho.

Poderiam ser mais uma pequena vida se ficassem lá no seu mundinho sem ninguém pra mexer com elas. Mas sempre tem alguém que vai querer desafiar sua força. E aí, de inocentes não tem mais nada. Mesmo parecendo tão frágeis, leves e ao menor estalo se despedaçarem, tem a sorte de voarem com o vento. Então, ninguém segura. Recomeçam tudo sozinhas e quando se vê estão com mais um exército formado pronto a defender-se de quem as queira cortar as perninhas. E lembrando, a formiguinha nunca está sozinha e por isso jamais será extirpada por completo, mesmo você sendo o maior sádico do planeta.

Depois de alguns pisões em formigueiros dos mais diversos tamanhos, aprendi duas coisas: a olhar por onde ando e a respeitar os limites. Elas lá e eu aqui, no mesmo mundo e em mundos diferentes. E, pensando bem, como tudo na vida tem uma causa e um efeito, acho que, por bem, elas mereceriam um destaque pelas lições que me ensinaram.

Se pudesse escolher-lhes um codinome, seriam, “mentirinhas”... (acho que da próxima vez quero nascer tamanduá).




Angelica Carvalho

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Existe cor de mentira?


Certa vez me disseram que mentirinha branca não tem problema de ser contada. Mentira agora tem cor?Branca, amarela, preta, vermelha, verde, caramelo, azul, não importa: mentira sempre será mentira!
Começamos a ser bombardeados pela mentira desde crianças. Mentiram para a gente quando disseram que o “velho do saco” iria nos raptar se virássemos a esquina da rua, que a bruxa iria pegar se fizéssemos “arte”, que o Papai Noel e o coelhinho da páscoa invadiam nossa casa quando durmíamos. Meu Deus!Quanto tempo levou para que eu custasse a acreditar que “velho do saco” não existia e que não era todo velhinho que carregava uma sacola na rua que seria um, quantas vezes sonhei com essa bruxa feia e tive medo dela, simplesmente para não fazer alguma “arte” que na verdade toda a criança faz e quantas noites em anos e anos varei acordada esperando a porra do coelhinho vir, em compensação, fugia de medo do papai Noel (quem era ele para invadir a minha casa sem dar as caras?).
Pois é, não importa mentira sempre será mentira e faz mal. E o maior pecado está em acharmos que a mentira tem cor, que a mentira branca nunca irá atingir ninguém. Não existe mentir pelo bem de ninguém: uma mentira contada para “o bem” de algo ou alguém é apenas um ponto de vista da pessoa, que não esta se colocando na situação ou na pele da outra. É que nem traição: se alguém um dia lhe disser que não contou que viu seu namorado beijando outra pelo seu bem, dê-lhe um soco na cara. Isso mesmo: tem gente que acredita que viver na mentira dói menos!
Mentir que está feliz, mentir que comeu e que gostou, mentir que está satisfeita, mentir que ama e é amado, mentir sobre qualquer coisa tem suas conseqüências, nem que seja para você mesmo: o veneno da mentira fica contido em si e o único que sai perdendo é você. Nunca minta: fale somente aquilo que sabe que é verdadeiro e sincero. Mentira não tem cor e nunca terá.É invisível e assim que deveria ser: mas cuidado, se tu acha que cor ela tem, pode ser que ela vire uma mentira preta, isso sim. E aí, meu caro, será muito pior!





Bianca Nascimento

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Tema da semana: Mentirinhas inocentes

Maria Pinocchia e as Mentirinhas Inocentes


Era uma vez, uma menina chamada Maria Priscílaba que era fã da história do Pinocchio, pois achava as mentiras que o boneco contava muito engraçadas. Aos cinco anos de idade, esta garota estava jogando futebol dentro de casa, quando de repente, a bola caiu na estante e quebrou um vaso valioso. Quando sua mãe, dona Laura, chegou do trabalho e viu aquele estrago, perguntou:
- Quem quebrou o meu vaso?
Maria respondeu:
- Foi Tobi, o nosso gato de estimação!
O problema foi que dona Laura acreditou nesta história e sua filha sentiu uma sensação de alívio depois de sua primeira mentira. Deste jeito a criança pensou:
- Foi apenas uma mentirinha inocente.
Aos seis anos de idade, Maria foi ao Jardim da Infância e ao passar pela cozinha, da escola, viu que havia um delicioso bombom em cima da mesa. A menina, não pensou duas vezes, entrou às escondidas no recinto, roubou o doce e foi para a sala-de-aula. No meio da aula a cozinheira abriu a porta e indagou:
- Quem comeu o bombom que estava na cozinha?
Maria respondeu:
- Foi o bicho-papão!
Alguns alunos ficaram assustados e exclamaram:
- Bicho-papão, socorro!
Desta maneira Maria sentiu aquele alívio que vinha depois de uma mentira e refletiu:
- Foi só uma mentirinha inocente.
No primário, esta garota inventou um jeito novo de colar nas provas: como sentava atrás com a turma do fundão, ela colocava um papel com dicas da matéria no seu estojo e olhava para as resposta quando a professora estava distraída. Todo o final de bimestre, a mestra perguntava:
- Qual é o seu segredo para tirar notas boas, Maria Priscílaba?
Desta maneira a estudante respondia:
- Meu segredo é estudar bastante!
Assim ela pensava:
- Tudo o que disse agora foram apenas mentirinhas inocentes.
O problema era que a cada mentirinha inocente que Maria dizia, não era o seu nariz que crescia e sim o seu orgulho.
No segundo grau, Maria ficou bonita e virou representante do grêmio estudantil. Por ser muito popular, esta jovem tinha muitos namorados e usava a sala do grêmio para dar “amassos” nos rapazes da escola e a cada dia da semana era a vez de um moço diferente.
O tempo passou e Maria Priscílaba entrou na política e permaneceu anos dentro dela através de seu ar falso de dama respeitável. Porém quando ela completou sessenta e cinco anos de idade colocaram um vídeo, na Internet, mostrando esta senhora colocando dinheiro dentro da calcinha. Então, naquele mesmo dia, ao sair de casa uma jornalista perguntou à Maria Priscílaba:
- Por que a senhora estava colocando dinheiro dentro na calcinha?
A entrevistada respondeu:
- Como ainda sou bonita e gostosa, também, trabalho num bordel de luxo. As câmeras secretas me filmaram num momento em que eu tinha acabado de fazer um “streap-tease” e por isto os clientes encheram a minha “calçola” de: reais, euros e dólares.
Assim a repórter comentou:
- Está na cara que esta história é mentira...
- O nome da senhora deveria ser Maria Pinochhia!
Após isto a política disse:
- Não sei se aqui existe uma mentira inocente ou uma inocente sem mentira.
A jornalista falou:
- Aqui tem uma mentira sem inocente, isto sim.



Luciana do Rocio Mallon

sábado, 11 de setembro de 2010

Energia pura



Raio de sol que ilumina
Macarrão no prato
Sanduíche bem recheado
Um abraço apertado
Escalar a montanha
Ouvir a música que gosta
Dançar sem vergonha
Beijar com amor
Tocar a grama
Sentir a natureza
Perceber o som dos pássaros
Furar a onda
Fechar os olhos e respirar
Boas risadas e amigos
Praia, areia, cheiro de protetor solar
Cantar com emoção
Sexta-feira fim do dia
A praça, a feira
Crianças que brincam
Bolachinha com amendoim
Vodka com energético
Torcida de futebol
A história de um menino albino
Liberdade




Liliana Darolt

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Deixa pra lá



O tempo passa e os números no relógio ao canto da tela aumentam junto com minha respiração.
Que vazio, que branco. Não consigo pensar em nada além de matérias jornalísticas, resenhas sobre história da arte e dinâmicas em sala.
Minha mente é uma agenda da faculdade, vivendo cega em tempestades e dilúvios arrebatadores. Não sobra espaço para outros pensamentos.
Livros! Tenho ainda dois livros para entregar na biblioteca. Com atraso. Multa de R$ 12,00. Ah se não existisse esse último feriado…
Que vazio de idéias! Não consigo pensar em nada e isso é a mais pura verdade.
De repente, penso em dormir e extrair algo de um sonho, mas logo me lembro que há meses meu sono é como água parada. Dormir seria apenas perda de tempo.
Alguma referência? Nem Fernando Sabino ou Veríssimo poderiam me ajudar. É tudo minha culpa. Não há nada que viva em minha mente e deva ser escrito. Pelo menos, não por enquanto.
Até porque a sensação que tenho é que minha criatividade vive oca. Funciona até certo ponto, mas no baque da primeira pressão, rompe-se como porcelana.
Nada. Meus dedos não conseguem se mexer. Meus olhos rodeiam o escritório buscando uma inspiração, como se objeto algum no mundo fosse uma história com letra maiúscula e ponto final por si só. Isso não existe.
Eu não existo. A única coisa que eu faço (fazia) direito esvaiu-se de mim como um perfume que, no primeiro instante do banho, ao sentir as gotas tocarem a pele, aproveita para fugir daquele que não o merecia.
Perfume não foge, criatividade sim.
Mas e agora, aonde achá-la?
Talvez seja um castigo por eu estar escrevendo durante o expediente. Um castigo inconsciente, um auto flagelo, uma maneira que minha consciência arranjou de me fazer parar de divagar enquanto estou no trabalho.
Não importa. Preciso escrever.
Ainda não tomei a injeção. Pior que não terei tempo antes das aulas começarem. E nem quando acabarem.
Terei de ir a farmácia durante o intervalo. Vou perder o intervalo. Que maravilha. Eu ia passar na biblioteca pegar algum livro que me avivasse a criatividade, mas não vai dar tempo. Tudo bem.
Não ia adiantar mesmo.
Uma hora. Esse é o limite para minha bomba relógio explodir.
Tenho sorte de estar sozinha por aqui. Todos foram para reunião, só eu fiquei. Talvez se houvesse um pouco de barulho, eu pensasse em algo…
Minha cabeça dói. Não gosto de perder tempo, preciso cumprir minhas metas, meus prazos, meus planos, meu sonhos…
Às vezes penso que tenho coisas demais. Preocupações demais. Compromissos, vontades, sonhos, desejos, pra que se necessita deles, se quando preciso de uma boa história, eles só me esfumaçam a visão?
Adoraria um aspirador de problemas para a mente. Sim, para a mente. Afinal, o problema só é chamado assim porque eu quero, e porque eu o considero como tal. De nada adiantaria eliminar os obstáculos na vida real. O verdadeiro efeito se daria se eu os tirasse de meus pensamentos. Afinal, o que é uma conta atrasada no mundo concreto, e o que o é na minha mente?
É uma conta. Números, papel, códigos. Fatos a serem resolvidos amanhã, quem sabe. Não importa.
Quase consigo ouvir os mecanismos da bomba dentro de mim. Menos de uma hora. Tenho que finalizar isso.
Tenho uma mania horrível de não acabar o que começo. Aliás, nunca tenho bem certeza se realmente comecei. Isso é complicado.
Eu deveria começar um texto, isso sim que eu deveria fazer.
Mas para isso, eu preciso começar a ter uma idéia. E aí?
Vou procurar em outros sítios, e o texto fica pra semana que vem.




Letícia Mueller

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Picardia



Li num blog por estes dias maravilhosos de feriadão uma frase inteligente e bem humorada: “Não leve a vida tão a sério. Você nunca sairá vivo dela”. Resolvi começar por mim mesma e mudei o contexto. Ao invés de reclamar que a folga tá acabando e nesta quinta volto ao trabalho, postei no meu facebook: “Quarta... faltam dois dias pra sexta”. Questão de visão.
E é assim. Ver o lado bom da vida é uma questão de mudança de hábito, visão mais trabalhosa pra muita gente e por isso pouco aplicada em muitos casos. O cidadão acorda reclamando por que já é dia e depois segue reclamando que gostaria de mais tempo pro café. Adiante, reclama do trânsito engarrafado, da obra na via pública e quando consegue estacionar o maldito carro reclama ter que andar duas quadras até a empresa. Lá chegando reclama da demora do elevador, depois do cafezinho que tá ruim, da pilha de trabalho sobre a mesa, da hora do almoço que não chega e até do filho que liga perguntando sobre a lição de matemática. “Porra, por que não perguntou quando eu tava em casa?”, esbraveja o adorável ser humano. E seguem as horas e os dias e até do fim de semana que chegou reclama, porque tá calor demais ou tá frio demais, ou porque só faltam dois dias pra começar tudo de novo.
Chega a ser patético narrando, mas você já se analisou durante o dia pra ver quantas vezes reclama? Sabia que pensando 30 minutos positivamente por dia, estará exposto ao pessimismo do inconsciente coletivo por 22 ou 23 horas? Experimente se policiar durante um único dia e anote suas ações. Perceberá tristemente que por mais que não tenha reclamado, pensou em reclamar. Ah, pensou. Que vontade que dá de colocar a culpa em qualquer coisa que não seja a sua própria escolha né?
Trabalhar com a própria dor ou limitações não é fácil, mas é sim, uma questão de escolha. Você pode, sim, escolher a forma como vai passar o resto da sua jornada neste planeta. Ao invés de achar que a vida é uma luta e que a mudança será dolorosa, que tudo é difícil por que não experimentar a visão Charles Chaplin da coisa. Pense que a vida é uma oportunidade esplendorosa de aprendizado, que com o tempo você pode, sim, desapegar do que não te serve mais e seguir em frente aprendendo pra mais tarde dividir estas experiências com mais alguém.
Desta forma o dia pode começar com um sorriso e uma bela espreguiçada, um muito obrigado por mais um dia de trabalho, seguido de um café na padaria da esquina, e a decisão de deixar o carro em casa e ir caminhando ou de bicicleta por aquela ciclovia que foi construída. O elevador pode ser uma oportunidade de encontrar aquele colega que não vê há um tempão que te convida pra tomar um chá. O trabalho flui melhor depois que você organiza as prioridades e a hora que o filhote ligar você vai ter tempo e prazer em ouvir a voz do pequeno.
Concordo que rir de tudo pode até ser desespero. Mas levar a vida com bom humor é saber lidar com as percepções e descobrir que uma boa parte do que vivemos nesta vida não pode ser tão importante, nem tão sério ou tão grave. Salve a picardia...


Angelica Carvalho

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Aparências Poéticas



A única criatura e o único ser,
Guiado pela paixão e pelo prazer,
Quem nem liga para o que é parecido...
É o anjo misterioso chamado cupido!

Uma mariposa escura,
De vida obscura,
Apaixonou-se pela gravata à borboleta...
Do garçom com perfume de violeta!

Uma cobra que rastejava pelo jardim,
Entre a margarida e o jasmim,
Apaixonou-se pela mangueira,
Que jorrava uma água faceira!

O colibri perdeu-se no quintal...
E de um jeito natural...
Apaixonou-se pela couve-flor...
Com ardor, primor e louvor!

O pavão com todo o seu colorido,
Foi flechado pelo sapeca cupido...
E com toda a sua nobre e chamativa beleza...
Apaixonou-se pelo leque da princesa!

A única criatura e o único ser,
Guiado pela paixão e pelo prazer,
Quem nem liga para o que é parecido...
É o anjo misterioso chamado cupido.








Luciana do Rocio Mallon

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Prazer feminino



Esta história de que mulher precisa de homem para ser feliz já está passada. Principalmente a felicidade diz respeito ao prazer sexual. Isso mesmo: apesar de ainda ser um tabu, o prazer feminino pode acontecer de diversas maneiras, ainda mais quando estimulado pela própria mulher.
Muitas vezes há um pensamento invisível em nós de que só o homem tivesse prazer e a mulher fosse um pecado ter, ou no míninmo, vergonhoso para se confessar. Nenhuma menina diz quando “pegou” no mal sentido um homem, quantas vezes já se masturbou e como faz para sentir prazer (coisa que homens fazem, contando uns aos outros). Tudo bem, mulher não fala, mas faz tudo isso. Então, já que fazemos e sentimos, pois temos o mesmo organismo, sentimentos, sentidos e sensibilidade do homem, por que não fazer isso da melhor maneira possível? Para isso, aqui vão três dicas quentes para a mulher que gosta de si mesma e de sentir prazer!

Chuveirinho: Sabe aquele chuveirinho que todo mundo tem em casa?Já sabe então o que fazer da próxima vez que tomar banho. Uma dica é tirar o chuveirinho e apertar a boca da mangueirinha pressionando com o dedo, para que o jato fique mais forte.

Vibrador: pode parecer passado, mais os vibradores ainda são uma das melhores formas para que a mulher atinja o clímax. O segredo está em qual comprar e em como usar. Hoje há vibradores de diferentes maneiras, com diferentes funções. Uma dica é usá-los no clitóris ao invés da vagina, pois a estimulação será muito maior.

Orgasmo clitoriano: A mulher não precisa apenas sentir orgasmo vaginal, geralmente ocasionado em relações sexuais. O orgasmo clitoriano é uma ótima pedida. A dica é saber estimular bem o clitóris, sem para (vale o uso do vibrador ou cruzar as pernas para ajudar).


E aproveitando a ocasião, ontem (06/09) foi o Dia do Sexo. Então, para de ler esse texto e vá logo experimentar estas dicas!

Fonte: masturbacao.feminina.vilabol.uol.com.br/




Bianca Nascimento

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Semana de Tema Livre

Aproveitar agora


Muitas pessoas no mundo dizem ter vindo para esta vida para vencer, que só os fortes vencem, que o mundo é dos espertos e coisas neste sentido. Depois de vencer obstáculos a meta é de conquistar, tudo aquilo que se pode, bem materiais, pessoas e sentimentos, conquistar tudo e todos. Depois de vencer e conquistar é necessário multiplicar, aqueles bens, aquelas pessoas, o status, o conhecimento, os sentimentos.
Em meio a tantas metas ambiciosas, esquecemos de manter, de aproveitar, de pensar que estamos por aqui de passagem, e seja um bom dia desconhecido, a brisa do vento em nosso rosto, a chuva mansa de madrugada, o mendigo na rua que nos dá oportunidade de ser generoso, seja o gesto mais singelo, a coincidência mais infeliz (aparentemente), devemos aproveitar, aproveitar cada instante, cada momento e cada oportunidade. Aproveitar esta vida terrena, apreciar o mínimo, o pequeno, respeitar aos outros humanos e animais, poderíamos também tentar ser bons, melhores que ontem, não em matéria mas em espírito.
Não sabemos quantas vezes voltaremos em cada lugar, quantas vezes mais veremos cada pessoas, a vida é cheia de imprevistos. Estar aqui agora pode não significar estar daqui a pouco, poderíamos disseminar amor ao invés de guerra, plantar o bem junto com as árvores, fazer da competição ato de união, tudo agora, porque às vezes pode ficar tarde, pode não dar tempo, pode ser que não consigamos ouvir aquele assunto importante daquela pessoa que convivemos todo dia e deixamos para depois, pode ser que não possamos contar para alguém como é importante em nossa vida, porque tudo passa, a vida passa, o tempo passa, e depois o que fica é a saudade.


Fernanda Bugai

domingo, 5 de setembro de 2010

Defeitos e virtudes


Bonitinho, mas ordinário
Rico, mas mercenário
Querido, mas grudento
Amigo, mas ciumento
Humorista, mas inconveniente
Ousado, mas inconseqüente
Charmoso, mas orgulhoso
Verdadeiro, mas rancoroso
Agradável, mas envergonhado
Popular, mas abandonado
Simpático, mas bajulador
Elegante, mas impostor
Parceiro, mas interesseiro
Compreensível, mas fofoqueiro
Atraente, mas bruto
Desenvolto, mas astuto
Contagiante, mas exagerado
Romântico, mas estereotipado
Observador, mas inseguro
Conquistador, mas imaturo
Carismático, mas tratante
Comunicativo, mas desgastante
Inteligente, mas perturbado
Cavalheiro, mas desastrado
Independente, mas vazio
Estiloso, mas vadio






Bruna Roveda de Almeida

sábado, 4 de setembro de 2010

Inevitáveis conclusões


O mundo queima, a violência bate na sua porta, cuidado!
Posso pensar diferente? Tenho direito? Obrigada.
Saber o que está falando e acreditar no que diz, é diferente. Preste atenção.
A velocidade impossível pode perder o movimento do dia pra noite. Perceba.
Um olhar, um sabor, um amor. Memórias, lembranças. Sorriso por dentro.
Um dia de sol, outro de chuva. São todos seus. Viva.
A vontade, o desejo. Mate-os, antes que eles consumam você.
Entre poder e sabedoria, escolha o que sabe usar. Pense bem.
Alegria e tranqüilidade em ser quem você é. Consciência limpa.
Olhe para todos os lados, sempre. Uma surpresa, um detalhe. Veja.
Capitalismo desenfreado, insanidade, exagero, falta de escrúpulos. Vergonha.
O que fez acontecer, como faz pra mudar? Tem saída? Dá tempo?
Se passar por mim, para, preciso entender. Descobrir o sentido. O motivo.
Corre solto, deixa rolar, também é bonito desse jeito. Natural.
Precisamos respirar e onde está o ar? Podemos dividir o último suspiro?
Desespero, sofrimento, cai na cabeça, tira debaixo dos pés. Urgente.
Cada um tem o seu, porque merece ou porque procura. Justiça.
O que fazer dos dias da vida, pra onde levar as expectativas? Futuro.
A dor, o amor, o calor. Apoio incondicional, esperança, paciência. Cura.
Tá difícil então cresce, é pra provar que dá pra se salvar. Pra já.
Perdão, sentimento nobre. Coração leve, mente pura. Liberdade.
Entre todos os contrastes, existe o tão buscado equilíbrio. Meta.
Na descoberta das respostas, na corrida pelo novo, pelo belo, no passar
do tempo, do vento, visionários pensamentos, curiosidade.
Está lá fora, abra a porta, aproveite esse presente.




Liliana Darolt

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O que há de mais íntimo em público


Eu pegava o ônibus ainda um pouco vazio, quase no início da linha. Antes de entrar, eu sempre examinava os vidros e as portas. Quanto mais espaços em branco visíveis, maior era a chance de eu entrar. Aquele mar de gente que enchia os ônibus formava sempre uma massa escura fácil de ser identificada, e reprimida. Eu não entro em ônibus cheios.
Era cedo... Faltavam 2 minutos para as 6. Os trabalhadores ainda desligavam seus computadores, guardavam suas ferramentas e tiravam seus uniformes enquanto eu já estava dentro do tubo, imponente, a primeira da fila. Que fila?
Agora já começavam a chegar. Primeiro, uma moça de sandálias rasteira. A sola branca do pé manchava a pele cor de chocolate que desenhava a unha do dedão. Pele grossa, ressecada, dura. Nem precisaria de sandálias. Antes assumisse e andasse descalça que estaria mais protegida.
Chega um rapaz de terno e bolsa de couro. Alto, elegante, bem apessoado. Paga a passagem com o valor máximo. Uma nota de vinte novinha em folha.
Um homem de 50 anos, usando um boné com o número 13 e o nome de Dilma estampado em letras amarelas, trajando uma camisa puída e calças moletom, está do lado de fora, colocando as mãos no bolso em um ato de desespero. De tempos em tempos, junta todas as moedas na palma da mão, separando-as para um lado e para o outro em uma conta que só mesmo ele ou Deus para entender.
Mais cinco pessoas vão enchendo o tubo.
Entra uma menina jovem, de uns 25 anos. Bela, longos cabelos loiros, grandes olhos negros enfeitados com cílios curvos como de uma boneca. Usa salto alto, calça justa, blusa decotada que deixam a mostra os grandes seios siliconados. Vê-se pela bolsa que ela é uma universitária, que estuda em uma universidade particular, paga, cara. Ela parece deslocada naquele ambiente, como se o único motivo que estivesse andando de ônibus fosse por seu carro estar na revisão e todos os seus amigos e parentes não pudessem levá-la ao seu destino.
Entram mais pessoas. Chega o ônibus.
Vou direto para a porta 4, já me prevenindo contra os futuros e inevitáveis congestionamento de pessoas. Alguns companheiros de tubo parecem pensar como eu, e ficam perto da porta de desembarque, aonde alcança minha visão.
Uma jovem ao meu lado me chama a atenção. Encostada sobre um cano, ela parece não se mover com o balanço do veículo. Sua expressão, de tão estática, chega a assustar. Ela parece triste, braba, irritada, era difícil definir. Fácil era sentir uma vontade incontrolável de consolá-la, de dizer que ela logo logo estaria em casa.
Foi então, durante esse ímpeto de benevolência, que comecei a notar em seu perfil, a única parte de seu rosto visível de onde eu estava. Devia ter uns 20 anos, era morena, prendia os cabelos no alto da cabeça, e a franja, estava presa pra trás, formando um topete. Tinha olhos amendoados, grandes, e verdes, contrastando com sua pele levemente bronzeada. Os lábios eram carnudos, sensuais, e algo dizia que um lindo sorriso escondia-se por ali.
Era tão linda! Como eu queria ver seu rosto inteiro, de frente. Fiquei alguns minutos com o olhar preso nela, até que desisti. Nada no mundo a faria virar o rosto.
Um celular toca. É um daqueles toques antigos de música clássica, tipo Beethoven. Eu procuro pelo dono do celular, mas fui lenta demais. O telefone já havia parado de tocar.
O ônibus pára em uma estação e a sensação é a de que dezenas de pessoas foram desovadas ali dentro. Já são 18horas e 4 minutos, e o ônibus está cheio, lotado.
Mesmo próxima a porta 4, 3 pessoas disputam meu humilde lugar. Não se importam com a minha presença. Eu faço manobras pra evitar o máximo de contato corporal possível, mas parece tão difícil quanto plantar uma bananeira por ali. De repente, sinto o toque da mão de um homem tocar repentinamente em meu dedo, e como reflexo, tiro minha mão imediatamente. O senhor de 50 anos com o boné da Dilma, me olha constrangido e pede desculpas. Ele passa o resto do trajeto fazendo mil e uma macaquices, se concentrando para não encostar mais em mim. O senhor de camisa puída.
O telefone toca novamente, aquele com o toque do Beethoven. Me distraio por alguns segundos, e quando vejo, aquele homem elegante de terno e bolsa de couro está falando ao celular. Um celular velho, meio carcomido, feio. Quando noto que suas unhas combinam muito bem com o estado de celular, vejo que sua calça social está cheia de furinhos feito por traças e a bolsa de couro está toda desgastada. Enganou bem.
Aliás, a bela jovem loira universitária foi flagrada coçando os ouvidos, e logo em seguida, roendo as cutículas da unha. Talvez ela tenha esquecido o álcool gel dentro do porta-luvas do carro na revisão.
Mais uma parada. Estação Central. Como em uma maré, várias pessoas deixam e várias entram no ônibus. Foi no meio desse movimento que, discretamente, a bela menina misteriosa ao meu lado se dirigiu para a saída e eu tive uma das maiores decepções. A garota do perfil lindo tinha os lábios tortos, olhos caídos, e um queixo um tanto quanto avantajado. Resumindo: era feia, muito feia. Porém, poderia ser uma modelo de perfil.
Decepcionada, eu me viro para a janela, e não me movo enquanto não chego aonde tenho de descer.
Chego em casa pensando que deveriam proibir os passageiros de ficarem olhando um para os outros. É impossível, eu sei.
Nesse dia, fui dormir triste... envergonhada e triste.



Letícia

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Biografia


Fortemente inclinada à aventura, dona de si até demais, independente e até um pouco reacionária. Baixinha invocada, cheia de querer entender de tudo, acha que pode conquistar o mundo. Cheia de tatuagem, até piercing na língua já colocou, mas hoje se contenta apenas com três furos em cada orelha. Beijou cedo, perdeu a virgindade cedo, casou cedo, teve filhos cedo e acha que nunca é tarde pra recomeçar.
Se gaba do sorriso, dos olhos e do jeito infantil mas adora ouvir que sua boca é seu melhor pedaço. Se atira, não teme, cai, levanta, olha com vontade de morder e quando morde se refestela com o gosto molhado de suor. Pede quando precisa, grita quando quer, parece que nada vai parar essa menina, parece que nada lhe falta, que tudo ela pode, que tudo ela faz.
Mas nem de toda inconseqüência é feita a liberdade.
Nem toda aventura pode deitar ao seu lado.
Da independência lhe falta o abraço.
Reacionária que derrete com um sussurro, invocada só se o beijo não for de verdade.
De tudo um pouco, entender mesmo não entende, mas sabe amar só pelo tato, pelo trato, 0pelo jeito de olhar. Conquista devagar, vai se mostrando lentamente, pra poder confiar.
A roupa, o cabelo, a cor e o peso da maquiagem nos olhos só disfarçam. Se olhar fundo nos olhos encontrará a força, mas não sozinha. Colada está a paixão.
O beijo inocente tornou-se quente, impetuoso e desaforado. Antes quietinha, mansa, quase congelada. Em uma reviravolta, trocou o pudor por fervor, o lençol desarrumou, o vinho entorpeceu, o fôlego perdeu e queria sempre mais e mais e mais... Pode mostrar sua alma, sim, pode. Mas só depois, bem depois. Ensinaram a ela que o sorriso pode ser freqüente, mas na medida certa, se é que existe sentido para isso. Que os olhos são o caminho para a verdade então fixe os seus neles se quiser descobrir quais as pedras que encontrará no caminho.
Se for pra cair, levanta de novo, mulher, mas mais um passo em falso e desta vez está doendo. A menina começa a marejar os olhos e então pensa de novo em tudo o que precisa fazer. Levanta, mulher, e encara. As sementes precisam ser regadas e não serão suas lágrimas que conterão o líquido necessário ao crescimento das plantas.
Doce, mimada, manhosa, como resistir... Incisiva, determinada, segura, como entender? Não passa de uma afável valente.


Angelica Carvalho