sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Planeta Roxo


Aninha tinha apenas 6 anos de idade, mas já era gente grande, sim senhor! Morava em uma cidadezinha bem pequena no interior do Paraná. Contava até um milhão e duzentos e oitenta mil bilhões, sabia escrever “Aninha” e “ Sorvete de Creme” e já tinha se desfeito de suas 24 bonecas, ficando apenas com uma, mas só porque Filomena, aquela uma que restara, não tinha como dar pra qualquer um.
Aninha era inteligentíssima. Já sabia prender o cabelo sozinha, amarrava os cadarços do tênis em 16 segundos (recorde entre as amigas da escola e do bairro), sabia de cor a receita de nega maluca e já tinha lido um livro de 52 páginas, coisa de que mais se orgulhava.
Aninha tinha uma irmã mais velha, de 15 anos. Marcela até que era legal, mas perto das amigas ficava insuportável, com ar de irmã mais velha.
Um dia, enquanto assistia à televisão, Marcela chegou em casa com uma amiga e nem sequer lhe deu oi. Aninha, como que dando uma bronca, falou a irmã:
- E eu não ganho oi, não, maninha?
Marcela apenas tirou a cabeça pra fora da cozinha, e olhando seriamente pra Aninha, falou:
- Oi.
Virou as costas e se foi. Aninha continuou a ver TV, fingindo que não se importava com o desdém da irmã.
As duas voltam da cozinha com um balde enorme de pipoca, e uma bandeja cheia com as suas bolachinhas recheadas preferidas. Animada, ela desliga a TV e senta-se junto com as duas meninas mais velhas, puxando assunto. Fala para a amiga de Marcela:
- Oi, tudo bem? Qual seu nome?
- Daniela, e o seu?
- Aninha. Na verdade Ana, mas ninguém me chama de Ana. Só de Aninha. Mas na verdade, meu nome mesmo, é Ana.
- Os dois são nomes muito lindos. Eu ficaria feliz de ter dois nomes que nem você.
A menina sorri, um pouco envergonhada. Então, se aproxima mais de Daniela, fica bem ao seu lado, e olhando em seus olhos, em tom solene, pergunta:
- Porque seu cabelo é roxo Dani?
- Ora, porque ...porque ...
Marcela interrompe, querendo debochar da irmã:
- Da onde que o cabelo dela é roxo sua loca? Você não ta vendo, não? É super loiro, mais loiro que o seu.
Aninha ignora Marcela.
- Sério Dani. Eu nunca vi um cabelo assim, igual ao seu. Só vi na TV. Mas minha mãe sempre me diz que nada do que passa na TV é de verdade.
- Ah Aninha, eu também nunca conheci uma menina que tivesse dois nomes. Nem na TV, responde Daniela.
- Ai vai dizer que você não entendeu? Meu nome mesmo é só Ana, mas...
Marcela interrompe novamente.
- É claro que ela entendeu sua anta. Ela ta só tirando com você.
Aninha parece se encolher no sofá, e com os olhos cabisbaixos, finge não se importar com o comentário da irmã. Quando se levanta para ir ao seu quarto, Daniela fala:
- Então, meu cabelo é roxo mesmo. E você sabe como ele ficou assim?
Aninha responde, já um pouco mais animada:
- Não sei não. Porque também nunca vi uma tinta roxa pra vender. A minha mãe passa uma que fica parecendo com a cor do meu cabelo, só que um pouco mais feinho, sabe? Até ela diz que meu cabelo é o mais lindo do mundo.
- Então, eu vou te contar porque meu cabelo é assim, mas você não pode contar pra ninguém. Pra ninguém mesmo.
- Nem pra Marcela?
As duas meninas mais velhas se olham e dão uma risadinha discreta. Daniela responde:
- A Má já sabe. Mas tirando ela, mais ninguém sabe, então não conta pra ninguém, ninguém mesmo.
- Sim, sim, pode deixar. Eu juro de dedinho que não falo pra ninguém, nem pra mamãe.
Daniela chega o rosto próximo do ouvido de Aninha, que está cheia de expectativas:
- Eu tenho cabelo roxo, porque sou um ET.
- Sério? Ai que mentira. Como assim, ET?
- ET ué, eu venho do espaço. Lá onde eu moro todo mundo tem cabelo roxo.
- É verdade?
Sem esperar a resposta, Aninha já pula de excitação.
- Nossa, que legal! Eu tenho uma amiga ET! Mas Dani, me conta uma coisa, como que você veio parar aqui?
- Minha família me deixou aqui de férias. Daqui uns 30 anos eles passam me buscar.
- 30 ANOS? Mas é muito tempo pra ficar longe da mãe e do pai. Acho que você não aguenta não.
- Aguento sim, porque o tempo pra a gente não é como o de vocês.
- Ah, entendi. Que legal isso, adorei. Mas, me diz uma coisa, todos os ET´s tem cabelo roxo?
- Lá do planeta que eu venho, sim.
- Mas então você é a única ET do seu planeta que tá aqui na Terra, né? Porque Dani, é sério, eu nunca vi nenhuma pessoa, nenhuminha, que tenha o cabelo igual ao seu.
- Até tem Aninha, mas é que aqui nessa cidade o pessoal não vem muito não sabe. Eles gostam de agito, de cidade grande.
- Haaaaaam. E como é lá no seu planeta? É parecido com aqui?
- Não é não. Lá é muito mais legal. As casas são todas feitas de doces, as piscinas são de gelatina, todos os brinquedos que a gente quer nascem no jardim... É muito legal.
- Nossa, quero ir pra lá. Muito! Como faz?
- Não faz, né Aninha. É impossível.
- Não pode ser impossível. Como que você faz se está em uma emergência e precisa ir pra casa?
- É só eu ficar lá fora e chamar.
- E porque se eu for lá fora e chamar eles não vão aparecer?
- Porque você não é eu.
Aninha responde pensativa:
- É verdade. E também porque eu não tenho cabelo roxo.
- É, também tem essa.
Aninha se despede rapidamente das duas meninas, e sai correndo pela porta, não sem antes pegar alguns trocados deixados pela mãe em cima da mesa, em caso de emergência.
No outro dia de manhã, procuraram por Aninha por todos os lados e não conseguiram encontrá-la em lugar nenhum.
Só Daniela espantou-se ao ver um vidro de violeta genciana vazio em baixo de sua cama.



Letícia Mueller

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