quarta-feira, 26 de janeiro de 2011



Tombo vermelho






Em uma triste tarde, arrancaram-no de seu leito quando ainda era criança. Desmamaram os seus beiços do colo de sua mãe. Já era noite, quando o colocaram em um lugar escuro e silencioso. Nada mais ouvia. Acordou no outro dia aos gritos e berros. Não entendia muito bem aquela língua. Percebia o quanto aquelas pessoas que gritavam eram diferentes dele, mas que havia mais como ele lá.

A luz que enxergava tinha grades. Tentou pela pequena fenda de luz enxergar para tentar encontrar sua mãe, mas não adiantava: ele estava longe, muito longe dela. Passava horas comendo, sozinho, chorando e assim, foi crescendo.
Aos poucos, foi se dando conta que jamais voltaria a ver sua mãe. Que ela ou lhe tinha abandonado ou haviam roubado ele dela. Pensou quando era que sairia dali para brincar livremente e fazer o que queria. Queria correr na grama, passear junto com a família. Até que numa triste manhã, roubaram-lhe a última paz que tinha.
A corda era grande e sua espessura muito grossa.

Colocaram em seu pescoço e puxaram-no com tamanha brutalidade que sentiu que quase sufocaria ali mesmo. De repente, a antiga fenda de luz transformara num palco de luminosidade. Mas o que via refletido ali era muito diferente do que verdes pastos e água fresca que sonhava: era o cenário da mais bárbarie banalidade onde o protagonista da dor e tortura, era ele mesmo.

De repente, seu passado passou em um flash na cabeça. Fora roubado da mãe, crescera achando que viveria livremente quando na verdade, apenas vivera para sofrer até chegar o dia de sua morte.
Ali, estampados no jogo, estavam seus amigos amarrados. E aos gritos, aqueles homens lhe tentavam ensinar algo que eles não queriam, não podiam e não entendiam para aprender: simplesmente porque eles não haviam nascido para isso!
Em meio à luz e aos gritos, ele observou no fundo um vermelho. Instantaneamente, foi correndo ao encontro daquele pano colorido. E ali, todos os dias, repetiam a mesma cor do ódio e da paixão dos expectadores. A dor passara a ser sua verdadeira e mais íntima colega, isto porque nenhuma parte de seu corpo era perdoada: o puxavam, o irritavam, o caçoavam, e no final, servia as pessoas da chacota mais dolorida que poderia existir.


Um dia, enfraquecido, acordou pela fenda de luz. Já não agüentando mais as feridas, sabia que aquele era mais um dia de trabalho, mas não para ele e sim para aqueles homens trogloditas, que ainda alegavam e cochichavam que só faziam aquilo porque tinham famílias para sustentar., como se o mundo fosse pequeno o bastante para procurarem algo mais lícito para fazer na vida.

Naquela noite, viu as estrelas brilharem mais forte. Viu o branco dos dentes dos expectadores como nunca havia visto antes em meios aos largos sorrisos. Abriram-lhe os portões. Saiu, olhou e não viu nada. Eis que de repente, surge o pano. Sua ira não era somente pela cor, mas por tudo que ela representava para eles. Roçou suas patas na terra, abaixou a cabeça e correu como nunca havia corrido antes até bater no pano. De repente, só se via vermelho pelo chão. Não era o pano. Era o sangue do inocente que nasceu para morrer, mas que levou junto com ele o que nasceu para torturar e matar.


Bianca Nascimento



Fonte:http://www.guiame.com.br/v4/90470-1453-Toureiros-protestam-contra-referendo-sobre-proibir-as-touradas-no-Equador.html

Foto: site Instituto Marconi

Um comentário:

Anônimo disse...

O blog ficou com um longo hiato e demorou para decolar neste ano, mas aqui está ele. :-) Bem pertinente o texto, Bia, as touradas me dão vergonha de minha ascendência hispânica.
Beijo.

Mario