domingo, 6 de dezembro de 2009

De pequenino é que se torce o pepino


Para Lucas, era sempre uma festa ir para a escola. Para suas professoras era sempre um sufoco, ainda estava para nascer menino mais incontrolável que aquele. Mas quem sofria sofrido mesmo era Ju, que sentava na frente de Lucas na sala de aula.
O dia inteiro ele ficava chutando sua cadeira. Enquanto ela demorava mais para terminar os exercícios, desenhando minuciosamente sua letra, ele, entediado, dava nós nos seus longos cabelos cacheados, cortava pedaços com a tesourinha de artes e, nos dias mais inspirados, escondia chicletes entre os fios que depois a mãe de Ju demorava horas para conseguir tirar.
Após um tempo, a situação piorou: além dos costumeiros puxões de cabelos (adorava prendê-los na sua mesa, só para ouvir o aiaiaiai de Ju quando tentava se levantar), aumentou as doses e a intensidades dos apertos e beliscões, deixando-lhe hematomas por várias vezes. Não dava um segundo de paz: colocava o pé quando ela passava só para vê-la desabar no chão; roubava sua mochila e a colocava no banheiro dos meninos, onde ela não entraria nunca, e era obrigada a esperar até que alguém fosse até lá e a devolvesse.
Ele esperava o peteleco, dessa vez era certeza, mas ele nunca vinha. A falta de reação de Ju só o deixava mais agitado, e o sermão que ouvia das professoras só o fazia pensar em novas formas de atazanar a menina.
O cúmulo veio no dia em que Lucas pediu para ver a pulseira nova que Ju mostrava para as coleguinhas. Ela esticou o braço rechonchudo, ele olhou... olhou... e não se conteve: pregou os dentes nela, que gritou desesperada e começou a chorar. A professora veio correndo mas já era tarde. Ele sorriu para ela e disse: “olha tia, agora ela tem uma pulseira e um relógio!”. No pulso de Ju a marca de todos os dentes de Lucas (exceto os que já tinham caído) latejava enquanto ia passando do vermelho para o roxo.
Chegando em casa o pai se revoltou. Queria ir na mesma hora achar o bandinho que deixara marcas na tenra carne de sua filha. A mãe, olhando maliciosamente para o marido, disse que, quando os homens gostam, fazem esse tipo de coisa mesmo. E que Ju devia dizer isso para Lucas que ele pararia.
Ela disse. E ele realmente parou no meio do que estava fazendo, prestes a dar-lhe o terceiro beliscão do dia. Ficou pensativo, desconfiado, e não incomodou mais Ju naquele dia. Nem ela nem ninguém.
No outro dia, crente de que Lucas nunca mais a machucaria, foi com surpresa que, antes mesmo de começar a aula, Ju levou um beslicão tão forte que a pele azulou na mesma hora. Foi com olhos cheios de lágrimas que viu, desfocadamente, Lucas, sem jeito, entregar-lhe um embrulho mal feito em papel de pão, amarrado com um nó frouxo de barbante.
Ainda amortecida de dor, pegou o embrulho e no mesmo momento recebeu um abraço tão forte que se pode ouvir um estalo e que a deixou toda dolorida.
Quando finalmente a soltou, Lucas saiu correndo, envergonhado.
Curiosa, Ju enxugou as lágrimas, fungando, e abriu o pacote. Ao deparar-se com apenas uma cabeça descabelada de boneca, não sabia se sorria ou se chorava mais. Só sabia que se o resto da vida ia ser assim, não seria nada fácil, não...




Ana Cordeiro

6 comentários:

Anônimo disse...

Bom - dia !
No meu primário sofri com um menino assim . O nome dele era Reginaldo . Ele sentava atrás de mim e ficava me incomodando : puxava meu cabelo , me chutava , riscava as minhas roupas , etc.
Uma vez dei uma surra nele e ainda por cima xinguei o cara de :
- VAGINALDO !
O problema foi que ele se apaixonou .
O tempo passou e eu soube que Reginaldo teve problemas com dependências químicas e foi morto por um traficante aos 20 anos de idade .
Esta é a realidade da vida !
Com carinho ,
Luciana do Rocio .

Anônimo disse...

Ana, larga de modéstia e escreva mais. Tem um menininho atrás da sua carteira que fica te atazanando, e o nome dele é Auto-crítica severa.
Beijo e bem-vinda, nova Desaforada.

Mario

Karime disse...

Oi, Ana! "Meninos" sempre tiveram medo de "meninas" e nem sempre sabem como demonstrar seus sentimentos ou então têm medo de se deixar envolver por eles. É uma pena, porque muitas vezes, eles tornam a brincadeira de roda, mais difícil do que precisa ser.
Bjo

Anônimo disse...

Caraca Luciana, fica feliz por vc nao ter se apaixonado por ele.
Ana...lindo texto.
Comigo nao me deram " relogios" de presente...foi de uma forma um pouco mais direta.
Digo: O unico sentimento que vc me desperta é o de desdém...hehehe..abstraí.

Alberto disse...

Nossa, achei lindo! Fantástico! Vc escreve pra caralho menina. Vou entrar sempre

Ana C. disse...

Eu sofria... mas no final das contas acho que mais bati que levei.
Isso deve explicar as dificuldades dos dias atuais: tudo na vida se equilibra.
Obrigada pela acolhida =)
Bjo!