sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Natal De 15 Minutos



A menininha e seu irmão cinco anos mais velho. Ambos ainda crianças, viajando no carro com seus brinquedos e suas picuinhas. Os pais, já acostumados, não tiravam os olhos da estrada e a preocupação da mente, pois ainda faltavam 600 km para o destino. Eram permitidos, aos quatro passageiros daquela Caravan, apenas duas pausas, sob alteração, sem aviso prévio, do diretor geral da excursão: o Pai da família, caso esse quisesse tomar uma água, ir ao banheiro ou fumar um cigarro. Aos outros três passageiros, as paradas só eram permitidas em caso de extrema emergência. E a menininha às vezes sofria com isso.
Amélia contava os dias para essa viagem desde outubro, quando fazia um calendário à mão e riscava os dias à medida que eles iam passando. Ansiava que o tempo passasse rapidamente para logo chegar àquele lugar maravilhoso, sentir o calor de agoniar e pular naquela piscina enorme e refrescante. Nunca fora tão bom sentir calor.
Porém, era preciso chegar lá de algum jeito, e sua família sempre escolhia o mais demorado. Assim, ela ia quietinha ao lado do irmão para evitar qualquer confusão e alguns murros na cara, mas ele não era capaz de ficar mais de meia hora ao lado dela sem implicar com alguma coisa. Dessa vez, ele arrancou de suas mãos a sua querida boneca de pano, abriu o vidro do carro, e a pôs para fora, ameaçando soltá-la. Era-lhe regojizante olhar para a irmã e ver sua cara de desespero, implorando para que ele lhe devolvesse a sua bonequinha. Amélia olhava para Vic, com as longas pernas arqueadas para trás, quase se quebrando contra o vento e os seus cabelos de lã se enozando bem ali à sua frente, e ela sem nada poder fazer. Chorava, esticando as mãos para o irmão devolver sua filha querida, enquanto ele perdia o ar e respirava com dificuldade de tanto rir. A mãe e o pai, no banco da frente, ouviam tudo sem assistir ou interferir. Já estavam acostumados.
Nove horas depois, a família chega ao seu destino. Amélia sai do carro com a Vic bem presa em seus braços e, depois de algum tempo com a cara emburrada, ela olha ao redor, e todo aquele verde e aquele calor a fazem abrir um sorriso de orelha a orelha. Ela perdoa o irmão e o chama para irem juntos à piscina, mas ele finge que não a escuta e sai correndo na sua frente em direção ao quarto. Amélia olha para a mãe, buscando ajuda, mas ela está ocupada demais tirando as malas do carro. Portanto, ela e Vic saem juntas para dar um passeio por aquele hotel maravilhoso e ver se conseguem juntas achar um momento de verdadeira felicidade.
A menina e sua boneca deram uma volta pelo hotel, passando por enormes piscinas, jardins com flores de todas as cores e playgrounds gigantescos. Tudo lembrava um paraíso em Terra, não fosse sua família não lhe dar atenção. Eles a levavam para os melhores lugares, mas praticamente a obrigavam a aproveitá-los sozinha. Seus pais sempre falavam para ela fazer amigos , por mais que fosse a única criança no hotel, e seu irmão estava sempre com tanto mau humor, que ela tinha até medo de convidá-lo para fazer algo. Mas o lugar era lindo e seus pais sempre pensavam “como eles são felizes” ao esbarrar com ambos por algum corredor.
Em um desses dias, resolveram ir todos juntos fazer um passeio até as Cataratas do Iguaçú. Saíram do hotel carregados de câmeras fotográficas, chapéus, óculos escuros e protetor solar, feito turistas estrangeiros, e pegaram um ônibus turístico que ia direto para lá.
Amélia, apesar de já ter visto as Cataratas algumas vezes, ainda encantava-se com o volume que a natureza podia dar à mesma água que saía da sua torneira ou que molhava suas plantinhas na escola. Adorava descer a trilha cansativa, para logo se refrescar com as gotas que vinham das próprias evasões e depois, ainda encharcada, deslumbrar o belíssimo arco Iris marcado nos céus, próximo ao rio que corria lá embaixo.
As trilhas eram repletas de bichos tropicais e pássaros exóticos, como araras, lagartos e seus queridos quatis. Desde sempre, Amélia olhava para todos os bichinhos maravilhada, mas o quati era seu queridinho. Queria tê-lo em casa, acariciá-lo, dar de comer e levá-lo para passear. Eram tão fofinhos e pareciam tão dóceis, que Amélia não entendia quando lia nas placas que não era permitido tocá-los ou dar-lhes de comer. E foi assim, no impulso do encanto e na ânsia de ter um desses dormindo ao seu lado, feito um bichinho de estimação, que Amélia arriscou pedir um desses para o seu pai lhe dar de Natal, e ouviu um sim. Sim, Amélia ouviu um sim.
Ela enroscou-se no pescoço do pai e encheu-lhe de beijos e carinhos. Estava mais do que feliz, pois, primeiro: seu pai não admitia bichos em casa, mas agora ela poderia ter o seu, e segundo: seu pai dificilmente lhe dava um sim como resposta, a não ser que este indicasse uma negativa ou algo contra sua vontade. Porém, passada a festa, o pai advertiu-a de que não seria assim tão fácil conseguir um quati, que teria de pedir autorização do IBAMA e provar que saberiam cuidar dele. Amélia não se deixou abater e respondeu com afinco: "Pai, pode dizer a eles que irei cuidar do meu quatizinho como se fosse a própria Vic!", E permaneceu séria olhando para seu pai, esperando uma resposta que não veio.
Faltavam poucos dias para o Natal, e a menininha aguardava pelo seu presente anciosíssima. Imaginava de que cor ele seria, se daquele mais escuro ou mais clarinho, o que ele gostaria de comer, se ele seria dorminhoco, agitado ou preguiçoso. Até a Vic, sua bonequinha de pano, estava feliz com a idéia de ter um irmãozinho. E seus pais assistiam à filha sem nada falar.
Chegou o dia e a hora do Natal, porque, para Amélia e quase todas as crianças do mundo, o Natal só chegava na hora de ganhar os presentes. Nas outras 23 horas e 45 minutos, era apenas o dia 24 de dezembro. Como eu ia dizendo, já estava na hora do Natal. A família estava reunida ao redor dos presentes, cantando músicas natalinas e rezando algumas orações esquecidas durante o ano. Era Natal.
Todos ao redor dos presentes, tirando fotos de sorriso no rosto. Nenhum papel desembrulhado. Ainda embrulhos inteiros. Mais fotos. Abraços, um por um, Feliz Natal! Feliz Natal! Os olhos olhando de soslaio cada presente sobre o sofá. Ansiedade e o pai diz: podem abrir os presentes. Obedecem sem hesitar, sorriso estampado, mais ânsia. Uma camiseta, ãhn. Uma blusa, o sorriso diminui. Enquanto os presentes mínguam sobre o sofá, o volume de papéis aumenta sobre o carpet. Meias, vestidos, um brinquedinhozinho, legalzinho até, mas inho. O sorriso cada vez mais forçado, a lágrima cada vez mais incontida. Até que os presentes acabam e Amélia olha para o pai. Braba.
Ele abre um sorriso discreto, e olha para o irmão, piscando o olho. Tira de trás do sofá uma caixa grande de papelão cheia de buraquinhos. Amélia demora um pouco, mais sorri. Abre os braços para agarrar a caixa. O pai a dá. Amélia sacode, barulhos, algo se mexendo. Sorriso aumenta. O pai olhando para o filho, o filho olhando para o pai. A mãe quieta, sem nada entender.
Amélia abre a caixa.
Pedras, pedras, pedras.
E acabou o Natal.



Letícia Mueller

2 comentários:

Karime disse...

Ai, guria...coisa mais séria esse pai e esta mãe, hein ? Que vontade de dizer um monte de palavrões! Diz prá Amélia vir prá cá, que dou um cachorrinho de verdade prá ela, de presente!

Beijos e FELIZ NATAL, Letícia!

Anônimo disse...

Deve ser o conto de Natal mais cruel de todos os tempos. Justo hoje, Letícia?! rs Meu consolo é imaginar o que a Amélia fez depois com as pedras, pedras, pedras. ;-)
Beijo, Fofulety.

Mario