sábado, 19 de dezembro de 2009

Tião e Maria



O namoro de Tião e Maria era como um dia de calmaria, todos os dias. Não que fosse pouco o sentimento, apenas não era violento. Tinham a segurança de saber exatamente onde pisavam e o que queriam, e eram felizes assim, diferentes do resto do mundo.

Mas o resto do mundo não compreendeu vida tão singela e achou que havia algo de muito errado. Aconselharam Tião a não ligar um dia para Maria, pois ela nunca tomava a iniciativa, só para ver se ela realmente se importava, “ver se ela sente saudades”, disseram. E só uma vez Tião não ligou. Maria, mesmo estranhando, também não ligou, “ele precisa de espaço” disseram.

Sem resposta, nem no outro dia nem depois, Tião começou a se sentir vazio e perdido, “numa dessas ela cansou”, disseram. Via Maria de longe, na saída do trabalho, e o ar sereno dela o deixava ainda mais aturdido. Maria, sentindo que alguma coisa grave estava acontecendo, baixou a guarda e pegou o telefone, “tá doida!? Vai se rebaixar assim?”, disseram, e Maria não ligou, mesmo com o coração dolorido. Via-o de longe, no horário do almoço, e o semblante bem posto dele dava-lhe a certeza que já a esquecera.

Depois de tempos, cada um já estava absolutamente certo e resolvido consigo mesmo que a história que construíram juntos havia terminado exatamente como começara: sem muitas palavras e tormentas de verão.

Disposta a esquecer, só uma vez foi Maria Vai Com As Outras, resolvida a afogar as mágoas no baile de carnaval que se anunciava e no qual nunca se arriscara a ir. Perdida no meio de tantas cores, fantasias e máscaras, Maria sentiu que podia sim, que voltaria a encontrar um porto seguro e que o primeiro passo para isso era exatamente este: estar perdida.

Foi quando, em meio a toda aquela gente, surgiu um moço mascarado e o coração de Maria, sabe-se lá o motivo, falhou uma batida. Certa que ele jamais olharia para ela, também mascarada, estremeceu quando ele pegou na sua mão e sentiu, mais uma vez, vontade de se doar, esquecer Tião e recomeçar.

Só uma vez se aventurou e atirou-se em braços desconhecidos. No meio do baile resolveram despir a fantasia para que pudessem se conhecer também sem disfarces. Mas, ao tirarem as máscaras, o coração de Maria embranqueceu como embranquecem os cabelos. O que aconteceu foi que se deparou com um rosto muito parecido com o de Tião, era o irmão, João.

Constrangidos e culpados, não sabiam ao certo o que fazer dessa nudez em que se encontravam, nem conseguiam tecer explicações. Sem jeito e sem palavras apenas viraram-se as costas e partiram mas, desde então, Maria nunca mais sentiu como se o mundo desabasse dentro dela ao ver Tião, nem uma vezinha só.





Ana Cordeiro

3 comentários:

Anônimo disse...

É assim mesmo que a coisa se processa, Ana, desfechos prematuros por ocasião do "disseram eles", muito bem pontuado na narrativa. Acho que pra muita gente vai pintar um deja vu. rs
Beijo.

Mario

Karime disse...

Adorei a história de Tião e Maria, Ana! Graças a Deus, nunca tive um desfecho assim, por conta do "disseram eles". Máscaras são objetos que permitem uma série de análises paralelas.
Beijão!

Anônimo disse...

Ah, e parabéns pra Ana, porque hoje é também o aniversário dela! :-)
Aliás, aproveitando a oportunidade: é dia de comemorar também os aniversários da Bia e da Ange.
Parabéns em dose tripla, Desaforadas.

Mario