sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Rápido Retrato Urbano Em Prosa


O destino parecia ter pregado uma peça em todos nós dentro desse ônibus. Estávamos enclausurados e sem nada para fazer, a maioria com apenas a companhia da própria mente. Nem mesmo podemos observar as pessoas que passam lá fora, em plena liberdade, pois os vidros das janelas que nos prendem estão embaçados, e a única visão possível é a de um jogo de luzes de diversas cores, sem forma e de difícil compreensão. Eu estou em pé no meio do ônibus, com ambas as mãos segurando o apoio, me equilibrando como uma surfista iniciante treinando na areia. Os bancos pretos, já com manchas brancas descascadas, apesar de estarem todos ocupados, estão visivelmente molhados, e derramam uma lágrima no piso a cada instante.
Talvez o motivo para ninguém gostar de situações como essa, é porque ficam sozinhos com seus pensamentos. Nesse ônibus, todos buscam um meio de não ter que aturar sua própria presença seja por meio do celular, MP3, jornal ou até mesmo com um grande pirulito, na mão de um homem já adulto, que parece não se importar que os outros o olhem e o chamem de louco apenas por tirar do escuro o seu lado que ainda não cresceu. A mulher sentada bem ao meu lado exala um delicioso perfume com um toque amadeirado e, combinando com a fragrância fresca, usa um conjunto floral esverdeado. Uma exceção no ônibus parece perdida em seus pensamentos, com um sorriso estampado no rosto e os olhos negros brilhando como a lua. O menino de cabelo espetado, sentado no último banco, possui um fone em cada ouvido e com os olhos fechados, balança a cabeça num ritmo frenético, como uma criança concordando ironicamente com as recomendações do pai.
A menina loira em pé na minha frente fala em tom alto e exagerado, tentando chamar a atenção de um rapaz sentado logo atrás dela. Os outros passageiros, utilizando diversas técnicas, fogem de si mesmos, e assim como ocorre nos sonhos, correm, correm, correm e não conseguem sair do lugar.





Letícia Mueller

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns pelo texto!
Eu nunca escuto MP3 ou walkman dentro de um ônibus. Pois, para mim, o coletivo é um lugar de reflexão onde eu observo o comportamento e escuto as conversas das pessoas, que servem de base para montar meus textos.
Tenha um excelente Carnaval!
Com carinho,
Luciana do Rocio