quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

O Circo E A Pequena Maria


De todas as culturas, todas as cores, todas as alegrias e temores Maria não conhecia ainda o que a fizesse mais feliz que o circo. Feliz no sentido de esquecer todo o resto e estar somente ali. Vou contar e você pode comparar e ver, e se deixar levar pela diferença.

Maria foi a um circo quando era bem pequena. Mas não ligava não. Seu lugar preferido mesmo eram parques de diversão. Lugar comum a vários públicos, com espaço pra correr, brincar. Muita gente ia ao “parquinho”, como docemente chamava. E essa mistura era o primeiro sinal de que seu pai não a levaria lá de novo tão cedo. Era divertido pra ela, mas um estresse pra ele, ter que ficar se batendo entre a multidão, lutando por um espaço e não podendo tirar os olhos da filha. Além disso, se chovia, não tinha parquinho. E lá se ia o domingo tão esperado, tão idealizado, em uma pequena decepção, a primeira desilusão, a segunda, a décima. Afinal, chuva não acontece apenas uma vez na vida, vem sempre. Algumas vezes mais forte, outras, mais fraca. O bom é que sempre passa, ainda que demore.

Um pouco mais moça, outra opção era o cinema. Adorava ver filmes. Os que mais gostava eram os dos Trapalhões ou as comédias infames que sempre tinham os textos ruins, mas uma interpretação única dos atores palhaços. De “Os Três Patetas” até “Porky´s”, passando da infância à adolescência, o cinema trazia, também, desagrado aos seus sentidos; cheirava a mofo e a sala era escura demais pro seu gosto, tinha um pouco de medo do que não podia enxergar. Em geral, esse medo vem mesmo junto com os hormônios e com a obscura idéia de que você não sabe nada sobre o que vai querer fazer da sua vida. Ou se sabe, prefere manter o segredo e a incerteza.

O teatro apareceu já quando Maria era adulta. Como no circo, atores, palco e luzes. E o bom é que o teatro estava sempre ali. Só mudava a peça, o local era o mesmo. Maria podia escolher o que ia ver, então achou que seria então sua opção. De vez em quando, via as histórias clássicas com seus personagens bem caracterizados, cenários luxuosos e música vibrante. Drama, comédia, ou ópera, tanto fazia, desde que ela estivesse lá. Prestava atenção sempre na história, pouco se apegava a quem a contava ou interpretava. Exatamente como alguém que passa anos na mesma rotina de vida, se acostuma com ela e depois de um tempo nem sabe mais porque está vivendo aquilo.

Estava cansada, começou uma busca por algo diferente, até que descobriu que Stanislavski, o “pai” do realismo, a atraía mais. Sua técnica em que a base era o ator, somente o ator e nada mais que o ator despertou na pequena Maria o “ser” e deixou de lado finalmente o “estar”. Stanislavski chegou e Maria partiu. Percebeu que o teatro era feito de momentos que não eram os seus; e que sua vida até poderia ser uma peça, mas que no final o que seria realmente importante não seriam os cenários, as luzes ou a música que não representavam nada sozinhos. O ator, a atriz, esses sim eram importantes, eles determinavam todo o caminho.

Maria já tinha aprendido muito. Em seu tédio particular, e já cansada de tanto brincar - já se iam os 30 e poucos anos - passava um dia pela rua movimentada da grande cidade. Olhou para o alto e viu uma enorme lona colorida, com bandeirinhas em pontas de mastro e cordas que a esticavam firme no chão. Do lado de fora, alguns traillers e caminhões, um carrinho de pipoca e outro de algodão doce. Do lado direito uma placa que anunciava: “Espetáculos às 16h00, 18h00 e 20h30”. Não havia muitas pessoas por ali, olhou no relógio e notou que eram 17h00. Lembrou que em um dos seus passeios de menina, foi a um circo e um sorriso despontou. Resolveu entrar e ver o que o show apresentava.

Tecidos coloridos que vinham do alto do picadeiro até o chão desenrolavam-se trazendo artistas dançarinos. Luzes coloridas iluminavam o centro. Chegou a vez dos trapezistas, dos malabaristas, do mágico e dos palhaços. Ah, ela nunca lembrou tanto da infância como quando assistiu aos palhaços. Seu ar de deboche, sua cara pintada, roupa de cetim toda desgrenhada. Não viu o tempo passar e aplaudia mais e mais até olhar pro lado pra contar sua euforia a alguém. E percebeu-se praticamente sozinha. Olhou novamente pro centro do picadeiro e viu o palhaço afastar-se para trás das cortinas, não sem antes a agradecer com um sorriso triste. Jogou-lhe uma flor de plástico e saiu. Ao passar os olhos a sua volta, não sentiu solidão maior, ao perceber que não poderia compartilhar o que mais ninguém entendia, a não ser ela e aquele palhaço.

Poucas pessoas, do tempo de Maria, freqüentavam o circo. Algumas, por não ter mais interesse, outras por não ter oportunidade. Ainda, as que não tinham tempo, as que deixavam pra outro dia, as que tinham “coisa melhor” pra fazer. As que nem sequer conheciam ou imaginavam. A vida passará a essas pessoas como passou por muito tempo para Maria. “No teatro vai muita gente, no circo não vai ninguém”. Concluindo isso, Maria soube que estava no lugar certo e que já tinha encontrado, no mesmo lugar onde já havia estado quando bem pequena, o que buscava tão longe.

Maria viveu até os 92 anos. Levou consigo apenas sua flor de plástico.

Prestigie o Circo: http://www.circodossonhos.com/Circo_dos_Sonhos/Home.html





Angelica Carvalho

5 comentários:

Karime disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Que lindo Angelica! Parabéns :D
Sou apaixonada pelo circo!!! um universo que me encanta...

Beijos
Fer

Anônimo disse...

Te sinto leve e doce neste texto... e me pergunto em que fase estas!!??? To com saudades... bjs. Katia

Anônimo disse...

Lindo texto!
É como dizia a minha vovó:
O destino é um grande circo, onde nós somos os engraçados e sensíveis palhaços.
Desejo-lhe um ótimo feriado!
Viva o circo!
Com carinho,
Luciana do Rocio.

Karime disse...

Ange, teu texto lembrou minha infância, quando literalmente, curti a pureza do circo.
Estar na fase do Stanislavski, me dá um certo medo, às vezes.
Beijos!!!