sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Continuo sendo eu



Um homem realmente se torna adulto quando comete uma grande covardia.
Claro, ele só vai reconhecer essa culpa anos mais tarde. É tão raro quanto um mar realmente azul no Sul do Brasil que esse reconhecimento aconteça imediatamente.
Já para a “vítima” da covardia é diferente.
Um processo rápido e violento. Ela é obrigada a crescer em segundos, três dias, uma semana no máximo. Ela cresce tanto que pode, nestes segundos, chegar mesmo a envelhecer, ter rugas e morrer.
A “vítima” ganha a oportunidade de nascer novamente em uma outra vida porque se torna outra pessoa... ou... de cometer a sua grande covardia, recusando a maturidade e impondo-se uma infância ou loucura ou casamento falso que vai roubar sua vitalidade e energia, consumindo-se nessa mentira, fingindo que ainda é livre e que a morte vai demorar a encontrá-la.
Hoje, olhando esta água com meu sangue que escorre pelo chão eu penso nas minhas covardias e sei que neste momento aparentemente simples de existência eu estou crescendo.
Como todas as mulheres, em todos os cantos remotos e escondidos, a natureza se impões sobre mim, domina meu corpo e me obriga a voltar a ela.
Nunca poderemos, como alguns homens, por morar em uma grande cidade ou não tocar uma única árvore em semanas, fingir esquecer o ciclo da vida.
Existem remédios que nos impedem de sangrar, mas ainda assim ovulamos e parecemos em um mês com todas as estações. E qualquer olhar atento que nos acompanhe com amor pode perceber e nos revelar essa verdade dura.
Fechando os olhos hoje, a menos de uma hora, junto com Amir, o personagem de um belo livro, eu tentei lembrar um momento de grande felicidade. Tentei dividir os anos, pensar por cidades onde morei, paisagens, grupos, queria recordar uma grande alegria. E nada foi mais especial, na verdade nada apareceu além das palavras de meu atual companheiro na primeira noite em que ficamos juntos: “fica comigo”. Eu estava deitada sobre ele com o rosto entre seus dedos e aquele pedido foi sincero. Eu me senti livre e com uma oportunidade maravilhosa diante de mim, que era aceitar aquela condição, atender aquele pedido.
Como uma cena tão patética, novelesca, cinematograficamente comum podia ser a minha principal lembrança de felicidade?
Comecei a tentar recordar outras tantas cenas “clichê” que vivi e que pareceram na hora fantásticas e delirantes, e, até agora, escrevendo isso, não recordei nenhuma delas. Nenhum eu te amo, nem olhares ao por do Sol e passeios apaixonados na praia.

Eu me sinto uma MULHER.

Presa a esta condição obvia da qual não tinha me dado conta. Como minha mãe e minha avó, e até atrasada por estar com 26 anos – quando elas tinham no mínimo três filhos criados.

Querer uma vida de amor e família. Eu posso ter tudo isso e ser eu.

Lembrei de um texto:
“Queria lhe escrever uma carta, uma carta verdadeira. Desabando as paredes de rocha e argila que a vida foi sedimentando sobre todas as coisas. Lhe diria que continuo sendo eu e que conservo sonhos.” (Sal, peça do grupo Odin Teatre)

Posso querer todas as coisas simples como filhos, marido e amigos e continuo sendo eu: merecedora de todas as coisas.

(escrevi este texto em dezembro de 2007 em minha agenda. Meu relacionamento durou 11 meses e está acabando agora, depois de termos vivido muitos momentos de alegria).



Sheylli Caleffi é atriz, Preparadora de Elenco e Desaforada X

4 comentários:

Anônimo disse...

Sheylli, poético e intenso, como você.
Beijo, garota, e muito sucesso em sua nova fase agora em SP.

Mario

Larissa de Freitas disse...

adoreii...
é verdadee.. nos tempos de hoje, é difícil ter realmente momentos felizes...

Anônimo disse...

Você devia ouvir Agalloch.
Faz bem pro seu tipo de alma...^^


=Uma dica: capacidade de síntese pode ser algo que ajude as pessoas a terminarem de ler aquilo que você escreve. (serve pra mim tb hjauhuahuahua)


mas Vc é boa.
Tem futuro

Unknown disse...

Obrigado Bonita...