sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Como Desejar


Em um imenso salão de festas, inteiro enfeitado com rosas brancas e vermelhas e contrastado por bonecos de personagens da Disney, quem reinava era Maitê. De todos os convidados elegantes que bailavam em seus vestidos bordados e ternos de risca sobre a gigantesca pista de dança, Maitê, em seu pequenino conjunto branco cheio de babados e sapato envernizado, era irrevogavelmente a mais bela presente. Todas as atenções voltavam-se para ela, desde sempre tão bajulada até por pessoas que a viam pela primeira vez. Seus pais, representantes mor da sociality, como faziam questão de que Maitê já fosse apresentada a sociedade desde cedo e não tivesse que esperar até seus 15 anos para debutar, prometeram a si mesmos que em todos os aniversários da filha seria dada a festa mais linda já vista, que só seria arrebatada no outro ano, quando a menina completasse mais um ano de vida.
Com apenas dois anos de idade, Maitê, com toda sua simpatia e graciosidade, já construíra sua reputação e se tornou a nora dos sonhos de muitos pais jovens, afinal, o que mais um pai poderia querer para seu filho além de uma bela moça com boas condições de vida? É claro que ainda havia muito a se descobrir sobre sua personalidade, mas todos achavam que bondade e inteligência seriam apenas mais um bônus para uma menina que por si só, e pelos pais, já era perfeita.
Porém, obviamente a aniversariante mantinha-se alheia a todos a sua volta, vivendo seus dois anos de idade da melhor forma que podia, pondo na boca tudo que via pela frente, mordendo os braços dos coleguinhas, coitados, que mal podiam reclamar para seus pais, e divertindo-se com sua coleção de bonecas. Durante sua festa, enquanto era passada de braço em braço e tinha suas bochechas rechonchudas apertadas por gente que nunca antes vista, Maitê apenas gargalhava e batia palmas para todo aquele pessoal engraçado.
A hora do parabéns era a sua preferida. As dezenas de luzinhas sobre o enorme bolo de chocolate iluminando todo o ambiente e a euforia daquelas pessoas batendo palmas e sorrindo para ela, deixavam Maitê extasiada. E depois da cantoria, vinha a melhor parte da festa. Não que não gostasse dos deliciosos brigadeiros ou dos cajuzinhos, ou de ter sua visão ofuscada no momento da foto e ser beijada e receber cócegas dos que vinham lhe dar parabéns, mas nada se comparava a sensação de chegar bem pertinho do bolo, sentir o maravilhoso cheiro de chocolate misturado à fragrância quente das velas, encher todo seu pulmãozinho com ar até ficar vermelha e... FÚÚÚÚÚ! Ver todas as velinhas sendo apagadas, algumas mais facilmente, outras nem tanto, exigindo até 4 assopradas. Depois disso, Maitê sentia que poderia ir dormir, pois seu aniversário fora concretizado. Pronto, já fiz 2 anos, e já está na hora de eu ir para a cama. Mas onde estão meus pais?
O pai e a mãe custavam a notar o cansaço e o sono da filha, então ela sempre acabava dormindo sobre algum sofá e acordava no outro dia em sua cama.
Todos os aniversários seguintes foram assim, um sempre infinitamente mais belo que o passado, mas infinitamente menos belo que o seguinte. Porém, houve um aniversário em específico que marcou e mudou a vida de Maitê para sempre.
Quando completou 7 anos e chegou o momento tão esperado de assoprar as velas do bolo de chocolate, alguma voz irreconhecível gritou de algum lugar, enquanto ela já estava de pulmões preparados:
- Faça um pedido! Não esqueça de fazer um pedido!
Maitê, ao ouvir isso, sentiu que tudo ao seu redor desaparecera. Não haviam mais convidados, pai e mãe, coleguinhas para morder, personagens escolhidos para a ocasião, música ou docinhos. Havia sobrado apenas ela e o enorme bolo de chocolate exibindo seus de pontos brilhantes cheirando a cera queimada. Fazer um pedido? Foi isso o que realmente ouvira? Sabia que sim, mas o que aquilo significava? Que se no momento em que soprasse as velas mentalizasse algum desejo ele viria a se realizar? Poderia ser apenas uma superstição, iguais as outras que ouvia e das quais já havia tentado algumas, como a de deixar o guarda chuva aberto em casa para fazer com que a mãe desaparecesse. Mas a sua mãe estava ali o tempo todo, e a única vez em que sumiu por mais de algumas horas foi quando teve que viajar para fora do país a negócios. Também já havia quebrado vários espelhos e pelo menos por duas vezes um gato preto passou a sua frente, e nada de mal veio a lhe acontecer. Mas, sem saber bem o porquê, Maitê arrepiou-se ao ouvir “Faça um pedido”.
Aos poucos, foi saindo de seu transe à medida em que os convidados foram ficando impacientes com sua demora e teve que decidir logo o que fazer. Fazer um pedido parecia perigoso, mas deixar de fazê-lo parecia desperdício. E Maitê, como era uma menina nem um pouco covarde, pôs-se a pensar em algo para pedir. Olha para toda aquela gente e aqueles doces, e sem hesitar, fecha os olhos e pede para que, durante todos os outros dias do ano, tenha um bolo de chocolate igualzinho ao que está vendo em sua escrivaninha ao acordar. Soprou as velas com tanta força que chegou a engasgar, achando talvez que a chance de seu pedido se realizar era igualmente proporcional à força com que apagasse as velas.
Tendo sido pela voracidade com que apagou as chamas ou não, o seu desejo foi realizado. Todos os dias, ao abrir os olhos, havia um grande bolo esperando por ela. Maitê, apesar de maravilhada, sentia que aquilo deveria ser um segredo e sempre depois que comia algumas fatias, escondia-o embaixo da cama para tê-lo a mão assim que sentisse fome. Desde o dia depois de seu aniversário, seu café da manhã e lanches permaneceram os mesmos, o que obviamente fez com que Maitê engordasse consideravelmente, a ponto de a mãe ter que levá-la a um médico para ver o que estava acontecendo. O acompanhamento médico de sua alimentação não surtiu efeitos e a menina engordava cada vez mais.
Como o seu aniversário já estava chegando, os pais preocupados com a saúde da filha, decidiram realizar uma festa inovadora, com um menu à base de frutos do mar, alimentos orgânicos e doces lights de frutas.
Maitê ansiava o momento do parabéns para fazer mais um pedido, apesar de não fazer idéia do que pediria. Pensava e repensava em hipóteses para seu pedido. Talvez uma nova boneca? Mas isso seu pai lhe daria no mesmo instante em que pedisse. Fazer com que aquele menino lindo da oitava série se apaixonasse por ela? Não, sabia que logo enjoaria dele. Sem conseguir pensar nada, achou melhor tomar a decisão na hora exata.
E no exato instante em que esse momento chegou, sob os olhares reprovadores daqueles que a olhavam em frente ao bolo, Maitê pediu com veemência: Quero voltar a ser magra como antes.
No outro dia, acordou esbelta e aliviada por não ter mais de ouvir as repressões de sua mãe, ao mesmo tempo em que se preocupava que seu segredo fosse descoberto. Como aceitariam o fato de ela ter ido dormir gorda e ter acordado magra?
Mas, para sua surpresa, ninguém parecia ter notado nenhuma diferença. Era como se as manhãs e as madrugadas comendo fatias e mais fatias de bolo nunca tivessem existido. Inclusive, os bolos de chocolate sobre a sua escrivaninha não voltaram mais a aparecer, o que para ela foi um sinal de que os seus pedidos traziam consequências concretas: Se queria voltar a ser magra como antes, teria que parar de comer como antes. E assim fez, até que mais um ano se passou e lá estava ela novamente em frente ao bolo, tentando pensar em algo para pedir.
Já sem muito ânimo e sem criatividade, Maitê pediu o que talvez, muitas meninas de sua idade pediriam: Eu quero ser adulta.
No dia seguinte, a menina acordou mulher de 30 anos, deitada ao lado de seu marido e com seus dois filhos, um de 3 anos e outro de 9, pulando sobre os travesseiros e pedindo para que a mãe acordasse para levá-los para passear no parque como havia prometido.
Maitê havia se tornado uma advogada de sucesso, casada com um médico cirurgião e morava em uma belíssima mansão, comprada à vista. Levava uma vida tão corrida e atarefada que mesmo nos fins de semana, levava processos para casa e não dava a atenção necessária a seus filhos.
Durante esse ano, poucas coisas mudaram e Maitê, um dia foi pega de surpresa pelos filhos cantando parabéns para ela às 6 horas da manhã. Nem havia se lembrado de que era seu aniversário. O seu marido veio logo atrás com um bolo de chocolate nas mãos e duas velas indicando que fazia 31 anos. Ao olhar as duas velas, ela percebeu que havia dormido durante esses anos todos, pois não sentira o tempo passar. Chorou como se sua vida tivesse se perdido em alguma curva, e ela já não soubesse o caminho de volta. Seu marido, ao ver as lágrimas em seu rosto, tirou as duas velas do bolo e as inverteu:
-Meu bem, parabéns. Não há motivos para chorar. Você sabe que o que realmente conta é a idade que se tem aqui, (apontou para sua cabeça) e aqui, (e apontou para seu coração) não é?
Deu um beijo carinhoso em Maitê, e falou para as crianças:
- Meninos, dêem os parabéns à sua mãe, pois hoje ela faz 13 anos de idade!
As crianças riram com a piada e falaram para a mãe apagar logo as velas, pois elas estavam famintas.
Maitê olhou o bolo, e mal seu marido falou para ela fazer um pedido, as velas já estavam indiferentemente apagadas, tal qual ela a um ano atrás.



Letícia Mueller

2 comentários:

absolutsubzero disse...

Oi Lê

Nossa, apesar de ser uma realidade distante da minha, deu para mergulhar bem no texto desta personagem. Se fizermos um exercício de observação ao nosso redor deve ter muitas pessoas que deixaram de aproveitar cada momento de sua vida e entrar numa viagem ao vazio sem conseguir fazer o retorno.

Uma pena que para Maitê a vida terminou aos 30, pois para tanta gente, como eu, a vida começou a ficar divertida depois dos 30.

Adorei seu texto
Beijos
Daniela

Karime disse...

Le, certo que todos nós já tivemos um momento Maitê.
A vida nos ensina a melhor forma de soprar as velinhas e fazer nossos desejos.
Adorei o post.
Beijos