domingo, 3 de janeiro de 2010

Dois Olhares



Dira tem 26 anos, mãe de três filhos, típica brasileira que trabalha de sol a sol para criar seus rebentos, é audaciosa e cheia de ginga. Mesmo trabalhando durante toda a semana na faxina do Leblon, Dira ainda arranja tempo para o samba no final de semana.
Foi em um desses sambas que Dira encontrou Carmo, pescador do alto mar, cabra macho cheio de ginga, desses que conquistam apenas com um olhar, e dessa vez foi com olhar de Dira que Carmo encantou-se. Dançaram juntos a noite inteira, ela até esqueceu que as crianças estavam sozinhas, as horas passaram e o samba rolou... Combinaram de se encontrar no dia seguinte, no outro e em outro ainda! Passaram poucos dias e as crianças já tinham novo pai dentro de casa, desta vez este era animado, extrovertido e trabalhador, ficava semanas no mar e depois retornava com os bolsos cheios de balas para a criançada.
E desse jeito se passaram os meses, as semanas de trabalho e o fim de semana na batucada. Dira desta vez sentia que era para valer, que havia encontrado seu grande amor. Enquanto isso, o final de ano chegava, as faxinas diminuíram e a pescaria também. Começam os enjôos e tonturas de Dira, ela já sabia do que se tratava, mais um filhote para seu ninho, ah, mas agora seria diferente afinal é fruto de um grande amor, Carmo ia adorar a notícia pois gostava tanto de crianças!
Ela achou melhor fazer surpresa e contar na grande noite da virada com as bênçãos do ano novo.
Estava decidido e assim foi se ajeitando aqui, disfarçando ali, enquanto as semanas foram passando. Na última semana do ano ninguém mais trabalhou, todos se preparavam para a virada, as bençãos das águas na meia noite e o dia inteiro de samba.
Dira costurou vestes novas para toda a semana, uma camisa para Carmo e um vestido de renda para ela. Chegando a noite, pegaram os quitutes e desceram o morro rumo à areia, onde aguardariam o ano novo enquanto Dira ficava aflita e ansiosa por contar a boa nova.
E lá se foram... 4 3 2 1... feliz ano novo! E todos se cumprimentavam e confraternizavam felizes a noite de festa enquanto Dira leva Carmo para um lugar mais retirado, aonde, em meio a beijos e abraços, ela confessa o novo rebento que fará parte da família, que o fruto deste amor está por vir. Carmo meio surpreso, faz cara de contente, comemora a notícia, troca juras de amor com Dira sob a luz da lua cheia e a brisa do mar. Decidem esperar passar o dia de festa para comunicar ao resto da família.
No dia seguinte o samba está correndo desde a manhã na comunidade e o fogoso casal não haveria de faltar. Em meio a churrasquinho e a cerveja, Dira mostra o gingado da mulher brasileira quando vê Carmo acertando-se com os colegas pescadores e saem rapidamente antes que o samba termine. Dira, aflita atrás do marido, sai correndo e chega à beira mar. Já é tarde e o barco de Carmo já havia saído, ele puxava as cordas e essa foi a última vez que os olhares se cruzaram, enquanto mais um samba rolava.

Fernanda Bugai

5 comentários:

Karime disse...

Oi, Fe! Teu texto me lembrou uma música de Caymmi que meu pai cantava quando era criança: "Minha jangada vai sair pro mar,vou trabalhar...meu bem querer."
Bjos

Anônimo disse...

Já pra mim lembrou o golpe do cara que foi comprar cigarro e nunca mais voltou. rs Mas, como bom pescador, certamente ele terá uma bela história para contar de desculpa quando se arrepender e retornar à mulher amada.
Beijo pr'ambas.

Mario

Anônimo disse...

É como vovó dizia: Amor de Réveillon não dura o ano inteiro.Pois é igual paixão de praia, que não sobe a serra.
Parabéns pelo texto!
Com carinho,
Luciana do Rocio.

Anônimo disse...

Bem, neste caso o casal se conheceu numa roda de samba na praia do Leblon, por isto lembrei daquela frase da minha avó que diz que amor de praia não dura. Então o pescador desapareceu, no mar, bem no Réveillon. Talvez ele fosse o boto lendário que engravida as mulheres e depois some nas águas.
Por isto, gostei deste conto!
Com carinho,
Luciana do Rocio.

absolutsubzero disse...

Oi Fer

Eu acho que esta história pode gerar um monte de outras histórias e teorias com ela, afinal um pescador pode ter outras mulheres em seu caminho. Pode até amar elas e não amar nenhuma e pode estar esparando ou já ter filhos em outros portos.

Só resta saber como será o dia depois de amanhã de Dira.

Beijos

Daniela