sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

In Conveniência


Turco miserável. Desde que entrei aqui com meu mais recente novíssimo marido, ele não pára de nos olhar. Fica ali, sentado atrás do balcão, disfarçando seus olhares furtivos com um jornal aberto. Que absurdo!
Imagine se eu, ex Cristina Batista e a mais nova integrante da família Hauer, portanto Cristina Hauer, mereço ser julgada e olhada dos pés a cabeça como se fosse não apenas uma mera cliente, mas uma ladra. Justamente eu, com uma ótima formação, que casei na melhor igreja e fiz a mais linda festa do ano no melhor salão de Curitiba.
Ah se esse turco soubesse disso, não estaria me olhando como uma vigarista, mas me admirando e até quem sabe me desejando.
Ah se ele soubesse que estou em lua de mel, com quem estou casada, aonde moro e qual é o carro que eu tenho na garagem, não só no Brasil, mas aqui mesmo, em Miami. O Roberto não só tem bom gosto para carros, mas tem dinheiro para bancar seus desejos de consumo. O seu único problema é que às vezes ele não quer esbanjar. Hoje, por exemplo, quis sair a pé do nosso hotel 6 estrelas, enquanto nosso Porsche conversível ficou mofando na garagem só porque o sol brilhava lá fora e essa loja de conveniências fica a apenas duas quadras. Mas hoje ele aprende, mesmo porque aqui eu não volto mais.
Turco miserável, está me medindo dos pés a cabeça. Parece que tudo que eu estou colocando no carrinho ele está anotando mentalmente. De propósito, vou pegar o que há de mais caro aqui só pra ver a sua reação. Aquele vinho ali de 60 dólares, que eu e o Roberto poderíamos tomar todo dia no lanche da tarde, vou colocar no carrinho.
Pego o vinho na prateleira, ergo-o na altura de meus olhos, e quando estou prestes a colocá-lo no carrinho, Roberto tira-o da minha mão e fala:
- Pra que isso meu amor? Sessenta dólares é muito dinheiro. E você não tinha dito que aqui só tomaria Cherry Coke pra não se esquecer do gosto?
Olho para o turco e sinto um leve riso de sarcasmo em seu rosto debochado.
Como ele não entendeu nada do que Roberto falava, agi com inteligência e falei no tom mais amável possível e de um jeito que até uma alienígena entendesse o que eu dizia mesmo sem saber falar nenhuma língua humana.
-Meu amor ,é claro que vou tomar muitas Cherry Cokes. Mas vamos levar esse vinho para hoje a noite – tiro o vinho de suas mãos e coloco-o no carrinho.
Roberto me olha com cara de espanto e mal começa a falar, eu dou uma risada alta e um longo beijo em sua boca, pego em sua mão e continuamos as compras. O turco continua nos olhando e coçando a barba com ar de confuso.
Enquanto eu estou comprando algumas bolachinhas importadas, entram na loja dois rapazes de péssima aparência. Seus Cabelos sujos, barba por fazer, camiseta rasgada e chinelos puídos me dão a certeza de que, finalmente, o foco do meu mais novo inimigo vai se deslocar para o verdadeiro perigo. Chego quase a desejar que eles realmente tentem alguma coisa com a loja, só para que eu os impeça e surpreenda o Turco. Até imaginei ele, com todo aquele tamanho e aquele turbante na cabeça, se ajoelhando, me pedindo perdão e agradecendo a Alá por eu ter aparecido para salvá-lo. Olho para meu mais novo inimigo, imaginando que finalmente ele desviara a sua preocupação, e vejo que estou totalmente enganada. Ele não só não se incomodava com os mal vestidos, mas até gostava de suas presenças. Quando eles foram pagar, conversaram como velhos amigos, e o pior, pareciam que falavam de nós. Os dois maltrapilhos nos olharam e falaram algo em uma língua estranha, provavelmente árabe, e saíram da loja desconfiados.
A minha ira aumentou ainda mais quando vi que Roberto não notava nada do que estava acontecendo e até parecia gostar daquela lojinha e de seu dono.
Eis que do nada, Roberto, extremamente calmo e distraído, comenta sobre a variedade dos produtos e a decoração simpática do lugar. Eu não me contenho e falo aos berros:
- Roberto, você é cego? Essa espelunca aqui não vale nada! Ou você ainda não viu aquele turco FDP que não pára de nos olhar achando que somos líderes de uma gangue assaltante de lojinhas furreba? Enquanto você fica aí, apreciando tudo como um turista indefeso, ele fica sentado atrás do balcão te medindo com os olhos, provavelmente só esperando a polícia chegar.
Roberto, corado, me pega pelos ombros e implora pra eu falar mais baixo.
- Falar mais baixo? A única língua que esse MERDA deve saber falar é a do país dele. Quer ver só? Seu F&$^* DA @$&*, M$@* A DO %A@#LH*, IMBECIL, IDIOTA, RETARDADO.
Roberto espera eu me acalmar e vamos pagar para acabar logo com tudo.
O turco empacota nossas compras com extrema tranquilidade, nos dá o troco, e eu falo, arrogante e com sotaque:
Thank you!
Ao puxarmos a porta para irmos embora, ouvimos:
- De nada!
Primeira lição aprendida durante nossa lua de mel:
Sempre tem um turco que fala português.




Letícia Mueller

3 comentários:

!lili! disse...

Adoro suas histórias.... sua imaginação vai longe....

Bj

Anônimo disse...

Eu tenho um episódio meio similar: em Barcelona fique um tempo tentando entabular conversa com uma garota - eu usando meu péssimo inglês e ela o dela. Até que descobrimos, quase simultaneamente, que somos brasileiros. Enfim, brasileiro tem em toda parte, não tem jeito. rs
Beijo, Fofulety.

Mario

Karime disse...

Guria, embora a tua historinha seja um tiquinho preconceituosa com meus descendentes árabes (e não turcos), eu adorei!!! Tua criatividade é sensacional e teus textos incríveis!Um dia fiz algo similar com um casal de lésbicas que morava no meu prédio (quando vivia com meus pais): falei em inglês com a minha mãe, algo do tipo "como são femininas". E minha mãe lascou: "Filha, elas falam inglês perfeitamente."
Mas hoje não tenho preconceito nenhum com a opção sexual das pessoas.
Beijos!!!