quinta-feira, 10 de março de 2011

Virtudes e Desvirtudes







Uma taça recém tocada e ainda com um resto doce de bebida, sinalizava a presença de alguém mais no quarto. Ao olhar o corpo mais de perto, notavam-se pequenos e profundos cortes, quase cirúrgicos. Quem o fez sabia a dor que causaria à jovem. Ao virar-lhe de costas, mais um espanto. Do dorso até o pescoço uma profunda incisão, as vísceras remexidas e no canto inferior do quadril a inscrição: “Depravada”.



O corpo nu foi encontrado entre os lençóis de seda champagne, embebidos com a cor rubra do seu sangue. Os cabelos estavam cuidadosamente escovados para o lado direito do colo. Os olhos muito azuis estavam abertos e guardavam, provavelmente, a última imagem registrada na retina. Sua pele branca era de incontestável beleza e seus lábios, mesmo já sem cor, continuavam a lançar o desejo na mente do jovem Arthur que, ajoelhado ao lado da cama, gritava aos prantos.



Padre Antonio foi chamado às pressas. Ao ver o corpo da jovem, fez o sinal da cruz e voltou seu olhar à Arthur, como se soubesse que algo que estava por vir. No quarto da bela Cecília, imagens de santos, um rosário de cristal, um crucifixo na parede. No criado mudo, a Bíblia Sagrada e um lenço branco bordado com a inicial “A”.



A menina foi entregue ao convento ainda criança. O pai deixou um bilhete dizendo que não poderia criar a “assassina de sua esposa”, morta no parto. Cecília, doce criança amaldiçoada, cresceu nos rigores da Igreja Católica, praticante assídua e devotada, mas com um olhar inquietante. Seu delicado andar, seu sorriso contido e sua parcimônia ao falar encantavam a todos que dela se aproximavam. Aprendeu línguas, matemática, ciências e Teologia com Padre Antonio, que nunca escondeu a afeição que tinha pela menina. Ele a tinha como um anjo, intocado, um retrato da perfeição feminina. Não tardou para que se tornasse seu confidente, válvula de seus pensamentos carnais e de suas dúvidas com relação à existência humana.



Naquela tarde, Cecília confessou ao seu protetor sentir amor por um seminarista com quem trocava cartas. Haviam marcado o encontro que selaria sua morte. Não revelou o nome do jovem, somente mostrou ao padre o lenço que ele havia lhe enviado com a última carta.

Arthur é preso e enforcado pela morte da amada. Padre Antonio foi lhe dar a última bênção. Orou por sua alma e fechando a Bíblia, olha firmemente em seus olhos: - Nada que é deste mundo vem do Pai. E o mundo passa com tudo aquilo que as pessoas cobiçam; porém, aquele que faz a vontade de Deus vive para sempre. Passagem de Paulo em Gálatas.

Arthur grita horrorizado: - Assassino!

- Devias ter estudado melhor as palavras de Paulo em Gálatas, filho, antes de tocares em meu anjo.



Angelica Carvalho





Fonte: http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2011/03/mostra-na-suecia-explora-500-anos-de-desejos-e-depravacoes.html


Foto: Reprodução/BBC

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