sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Auto-controle Presenteável



Meiri odiava amigos secretos e parece que quanto mais fugia deles, mais eles surgiam.
Era amigo secreto na páscoa, no natal, no carnaval, nas férias de julho, no ano novo, no dia da árvore...ufa.
O pior é que ainda não aprendeu a negar sua participação na brincadeira. Uma vez até tentou, e conseguiu, ficou de fora do sorteio e não presenteou e nem recebeu nada de ninguém. Um alívio. Mas depois que todos revelaram quem pegou quem, ela foi tão excluída e debochada por não ter participado que decidiu que aquele era um fardo que teria de carregar para o resto da vida.
O que a incomodava no inevitável amigo secreto não era o fato de ter que dar presentes a quem não conhecia ou não gostava, e nem timidez ou a preguiça por ter de pensar em como revelar quem sorteou. Nisso ela até que se saía muito bem. Aliás, era uma das melhores e sempre extraía boas risadas dos colegas. E sobre pegar alguém que não gostasse, isso não se aplicava a ela, pois em toda sua vida, nunca deixou de simpatizar com alguém.
Também não a perturbava a escolha do presente. Ela tinha seus métodos e buscava conhecer ainda mais seu amigo para dar-lhe o objeto perfeito, fosse ele um livro, uma peça decorativa ou uma roupa. Examinava por dias e dias o seu sorteado até ter certeza de que o escolhido seria um dos ganhos mais inesquecíveis da vida do felizardo.
No âmago de Meiri, o que realmente a deixava aflita e acabava com a brincadeira que até aquele momento não lhe era tão angustiante, vinha depois da sua revelação.
Ela passava semanas pensando, estudando e analisando os desejos de seu amigo até ter absoluta convicção de que o que planejava dar faria um imenso sucesso.
Porém, ao olhar a expressão no rosto do seu amigo secreto após dar o que lhe foi delegado, Meiri murchava como uma criança que vira o sorvete cair no chão. Nunca um sorriso, um brilho nos olhos, um abraço ou um obrigado foram capazes de convencê-la de que o presente fora perfeito e muito adorado.
Ela simplesmente não conseguia enxergar alegria, admiração ou surpresa nos seus amigos presentados.
E isso doía-lhe tanto, que ela passava horas chorando amargurada, se sentindo culpada por ter dado algo inútil. E isso só acontecia nos amigos secretos.
Com o tempo aprendeu a lidar com a situação, e sempre que ia dar sua lembrança no momento da revelação, fechava os olhos, virava o rosto ou fixava o olhar em outra direção para não notar o semblante do seu amigo secreto. Mas até aquele momento, nunca deixou de escolher minuciosamente o que dar.
Uma certa vez, porém, cansada do desgaste emocional e psicológico que a brincadeira lhe causava, ela mudou sua tática e escolheu um presente aos léus. Nem mesmo viu quem havia pego, e foi na loja mais próxima escolher um presente “unisex”.
No momento da revelação, ela olhou rapidamente para o papel em suas mãos, descobriu quem era o seu amigo oculto, e suando frio, mas ainda sim curiosa por ver a sua reação, ela tomou coragem para ver rosto do colega Gilberto ao receber o embrulho vermelho de fitas douradas.
Gilberto abriu o pacote, e ao ver uma simples caixinha enfeitada com pérolas e inteira trabalhada em bronze, não conseguiu conter sua emoção e rapidamente, deu um abraço apertado e carinhoso em Meiri. A pequena caixa era idêntica a que a sua falecida mãe usava para guardar pequenas bijuterias, e que se perdera nas poeiras do esquecimento.
Ela, sem reação, retribuiu automaticamente ao abraço. Sem carinho, sem afeto, maquinalmente.
E, tirando o fardo do seu caminho, desistiu dos amigos secretos, limitando-se aos conhecidos, previsíveis e enfadonhos amigos conhecidos.



Letícia Mueller

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