segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Tema da Semana: Abracadabra


Sincrético










Valquíria era uma velha e sabia sacerdotisa, sempre cultuou a mãe natureza e tudo que ela pode nos oferecer. Apesar de velha e cansada ainda acreditava no homem, acreditava no bem humano e na possibilidade de um mundo justo e sereno, onde todos pudessem ser livres e felizes.
Valquíria mantinha acesa a chama da esperança, mesmo sabendo que era tão somente seu coração que a matinha, quando se deparava com o mundo real, além daquela redoma natural, onde homens matam uns aos outros e sacrificam os animais por vaidade, sabia Valquíria que essa vaidade também era secular, tal como sua crença e suas origens. A deusa mãe sempre foi respeitada, cultuada e amada, os solstícios marcavam grandes eras, um tempo de fé, de paz, de amor e de alegria, a cultura, a fé, a religião, o trabalho e o lazer nunca foram pré-estipulados, mas entrelaçados dando um, vida ao outro, mesmo assim a evolução humana não trilhou por este caminho, o ódio, a inveja, cobiça, vaidade, a intensidade do mal fizeram crescer, sempre e muito, de uma maneira extraordinária que atravessou séculos de construção da sabedoria, do amor e da união.
Foi necessário unificar, agora trabalho, religião e lazer tem seus horários exatos e determinados, tudo foi sincretizado, a Deusa Mãe por vezes deu lugar ao Deus ouro, ao Deus Poder ao deus dinheiro, os solstícios são luzes de lamparinas que se acendem em lojinhas mercantis por todos os cantos, as culturas, essas já não são tão evidentes, não se sabe se o povo tem ou não tradição de onde vem, quiçá para onde vai, sincretizou-se, mistificou-se, unificou-se, mercantilizou-se e surgiu o natal, de um lado a grandiosa e não sem honra tentativa de unir todos num povo só, uma só crença um só amor uma só adoração, por outro, no entanto que tomou suas proporções meteóricas a tentativa de demonstrar o poder, de compra, de mando, de auto-afirmação.
As crenças antigas foram deixadas de lado, dando lugar à fábulas urbanas e comerciais, o mundo se prepara e é dada a largada para a temporada do Natal, o solstício? Ah, o solstício ficou para a geografia, para a física ou para os místicos doidões, o importante é aquele senhor, velhinho, gordinho, vestido de vermelho que estimula a compulsão, São Nicolau? Bem, esse fica para a história, para a literatura ou qualquer outro fanático.
Vendo tudo isso, Valquíria preferiu manter-se na sua redoma, mantendo suas tradições, talvez únicas, dando seguimento ao seu povo e a sua história, acreditou no sincretismo, acreditou na unificação, acreditou na possibilidade de mudança do homem. Aceitou o menino na manjedoura, porque acreditou, que uma família, uma vaca, um burrico, algumas ovelhas, três magos e uma estrela, são a mais bela história de um nascimento que se pode ter, aceito e abençoado pela Deusa Mãe a fim de salvar a humanidade, a fim de fazer nascer a luz, a serenidade, a humildade, a paz, manter acesa a chama do amor, a esperança da vitória do bem e divino, e assim renascer a todo solstício, nos 25 de dezembro de cada ano, ao longo de todos os séculos como num gesto de abracadabra.



Fernanda Bugai

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