segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Semana de Tema Livre


Longa espera



O medo de Jéssica sempre foi a solidão, desde criança teve medo de ficar sozinha no quarto, em casa, dentro do carro. Jéssica sempre foi uma garota meiga e carismática, talvez esse medo de se sentir sozinha a fizesse gentil, afinal, pessoas se deixam conquistar pela gentileza.
Sempre buscou agradar aos pais, tios, avós e amigos, muito prestativa, ótimas notas, vários cursos, sempre solícita e solicitada. Ocorreu um tempo em que os amigos aprontaram todas, conheceram o suposto lado bom da vida, enquanto Jéssica estava lá, fazendo a maionese de domingo, assistindo um filminho com a mãe no sábado de noite, cursinhos pré-vestibular durante a semana e festinhas no feriado não eram sua melhor dobradinha, preferiu as Ongs, preferiu os projetos sociais.
Jéssica lutou pela vida, em suas infinitas facetas, lutou desde cedo e sempre, em projetos sociais, formou-se assistente social, teve sorte na vida, pode patrocinar causas próprias, pela vida animal, pela vida vegetal, pela vida humana, seja qual fosse, era a vida que brilhava aos olhos de Jéssica. Essa insegurança reprimida, esse medo da solidão a fizeram querer bem a vida acima de tudo, na sua opinião, uma pessoa que se mantém vida e não deixa a chama da esperança de apagar, é sempre uma boa companhia. Os anos foram passando, sua juventude foi se perdendo e Jéssica sempre muito querida e gentil por todos que tiveram oportunidade de passar por seu caminho, na luta pela vida Jéssica esqueceu da própria, não se casou, não teve filhos, chegou um momento que a luta pela vida dos pais perdeu por w.o, tem coisas que por mais que queiramos são inalcançáveis, a longevidade eterna é um exemplo.
Tudo bem, Jéssica sabia que nem seus pais, nem ninguém viveriam para sempre, um pedaço do seu coração se foi com eles, mas não se sentia tão sozinha, entre asilos, orfanatos, abrigos e recantos, Jéssica passava todo seu tempo e todos seus dias o amor, a fé e a caridade foram objetivo de sua vida, e quantas vidas Jéssica salvou, foram tantas crianças tiradas das ruas, foram tantas árvores mantidas em pé, tantos animais protegidos e cuidados, na sua velhice Jéssica já havia perdido as contas, de quantas pessoas passaram por sua vida, não se orgulhava, tão pouco ostentava seus méritos e realizações, apenas manteve ao longo de sua vida a sensação de missão cumprida, de espírito puro e tranqüilo. Jamais dormiu coma luz pagada, jamais passou uma noite sozinha, deixou esta vida no dia da comemoração da casa de abrigados que levara seu nome, em meio à festa e a gratidão de muitas pessoas, deixou ainda ensinamentos de humildade e compaixão, não em palavras, mas em atitudes, e é isso que devemos aprender hoje e levar para nossas vidas.
Bate o sino do recreio, a professora de literatura fecha seu livro de contos, o silencio é quebrado pela ávida espera do intervalo, quando no corredor os comentários dentre todos os alunos da oitava série era o exame de matemática no dia seguinte.




Fernanda Bugai

Nenhum comentário: