sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

O início de todas as coisas




O lugar estava entulhado de coisas. Pessoas se moviam de um lado para outro em um ritmo frenético, apressadas com os ponteiros do enorme relógio de quase dois metros de altura. As estantes estavam cheias e no chão, era impossível andar sem pisar em algo. Vozes ordenavam para outras vozes, que nada ouviam a não ser os seus próprios pensamentos, que em uníssono, gritavam:
- Corram porque o tempo está acabando!
Ninguém conseguia ajudar ninguém, tanto era o trabalho a se fazer. Se algo se perdia no assoalho, o certo deveria ser esquecê-lo e partir para outra ação, mas isso era impossível. Tudo deveria ser feito com minucioso cuidado. Nada poderia ser deixado para trás.
Era assim à décadas, milênios. Desde que a sociedade se entende por gente.
O galpão parecia um ninho de formigas elétricas, angustiadas e ansiosas. Nem um ponto sequer ficava imóvel. Se os cadarços desamarravam, que assim os deixassem. Se o nariz escorria, que escorresse em paz. Se a fome fazia arder o estômago, que agüentasse por mais alguns minutos. Não havia mais nada a se fazer, a não ser correr, e deixar tudo preparado.
Só havia tempo para desviar os olhos para os relógios, que naquele dia, lutava contra todos ali presentes. Estava rápido demais. Parecia haver algo de errado. Mas todo ano era assim. Só restava-lhes correr ainda mais.
O tempo era curto, cada vez mais curto.
Sem pedir licença, e sem nenhum constrangimento, o relógio bate meia-noite.
O silêncio reina. Todos voltam-se para ele, constatando se os seus olhos confirmavam a informação.
Sim, já era meia-noite.
O chefe aparece à porta, de braços cruzados. Tem pouquíssimo tempo para examinar se está tudo ok.
Sim, está. Sempre está.
Abrem-se as portas do enorme galpão. Lá fora, um céu aberto repleto de estrelas, e mais nada. Um vento forte invade o lugar. Sinal de dever cumprido. Os trabalhadores respiram aliviados.
Com uma palavra mágica, ainda desconhecida, Papai-Noel chama suas renas, e com alguns ajudantes e seu trenó, sai céu a fora. Feliz, pois o mundo que servia ainda não havia acabado.
Começava o Natal.


Letícia Mueller

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