domingo, 17 de agosto de 2008

Dois bicudos


Ainda bem que existem os computadores para botarmos a culpa. Devido ao famigerado “erro no sistema” (leia-se programação ajustada para “opostos se atraem” e não para “convergir compatibilidades”), um improvável casal acabou entrando nos arranjos de uma agência de relacionamentos, que agendou um encontro às escuras entre um adepto da vida saudável e uma adepta da vida loka, Nando e Cida. Se houvesse uma caixa preta no carro dele, a conversa ouvida seria esta.
- Então, vamos aonde, fofo?
- Eu estava pensando em um restaurante oriental que eu conheço que tem um Alu Bringel Panir Babji incrível.
- Oba, parece... interessante.
- Vamos para lá então. Bote seu cinto.
- Ei, a porta do carro tá com problemas?
- Não, por quê?
- Porque você abriu ela pra mim. Pensei que estava emperrada.
- Não. Foi uma gentileza.
- Ah. Ei, quer que eu retribua a gentileza?
- Como?
- Te fazendo relaxar?
- Ãhn?
- Primeiro, toma um gole.
- “Se beber, não dirija”, já ouviu isso?
- Ué, então estaciona ali.
- Não, eu não bebo nem parado.
- Sério? Por quê? Doença?
- Não. Eu não coloco para dentro do meu corpo nada que me turve o raciocínio.
- Uau. Então não vai me deixar acender um aqui?
- Credo! Não!
- Mas é um careta.
- Não.
- Vamos numa boate ao invés desse restaurante? Sei de uma que rola swing.
- Swing no sentido de ritmo?
- Hmmm... é, tem de ter ritmo sim.
- Não posso. Amanhã acordo cedo para o cooper no parque perto de casa.
- Mas amanhã é domingo.
- Sim, se fosse sábado seria dia da natação.
- E em qual dia você se diverte?
- O que?
- Nada não.
- Ei, tenho que avisar que sua saia está subindo?
- É mesmo?
- Sim, e sua perna está encostando na minha.
- Que rapaz reparador.
- E tenho de alertar que você esqueceu de botar a calcinha.
- Cuidado!
- Uf! Por pouco!
- Iuuuuuuuuuuhhhhhhhuuuuuuuuuuuu!!!
- A gente quase morreu debaixo daquela jamanta!
- Vem cá, o que você vai contar para os seus netos? Que eles têm de escovar os dentes e comer seus vegetais?
- Sim, mas vegetais orgânicos porque não contém agrotóxicos. E você?
- Eu não vou ter netos.
- Não vai envelhecer?
- Não vou me reproduzir.
- Tem algum... problema ginecológico?
- Não, sou fertilíssima. Você terá de esporrar numa camisinha blindada.
- Ei!
- Vai recriminar meu palavreado agora, porra?!
- Você é meio desequilibrada, não é não?
- Você me deixa assim.
- Mas você mal me conhece?!
- Vem cá, você sabe se divertir?
- Olha, vamos parar com esse assunto, que já estamos quase chegando no restaurante.
- Eu perdi o apetite.
- O que quer fazer então?
- O que você faz da vida?
- Sou professor de uma academia de fitness.
- Hmmmmmmm... você bem que poderia pegar a chave e a gente ir lá pra brincar na piscina.
- Não posso.
- Não tem a chave?
- Não, eu não trouxe minha sunga.
- Ai, como é difícil.
- Como é que eles colocaram nós dois juntos lá na agência?
- Não sei, acho que sortearam.
- Tipo roleta?
- Roleta russa, você quer dizer.
- Chegamos.
- Eu preciso fumar urgente.
- Então, espera eu estacionar.
- Aí tem de comer com pauzinho?
- Não. Tem talheres.
- Tem carne? Massas, essas coisas gordurentas?
- Não.
- Eu bem que imaginei. Vamos embora.
- Tá, diga de uma vez qual o programa que você quer fazer?
- Baurete, cerveja, sexo selvagem no alto do prédio abandonado ao lado da minha casa, com pizza cinco queijos na seqüência para acabar com a larica. Sua vez.
- O que é um baurete?
- Responde logo.
- Esse restaurante oriental, casa, um sono reconfortante e fazermos cooper juntos amanhã de manhã.
- Ah, me poupe.
- Somos bem diferentes, né?
- Como eu disse, você é um rapaz reparador.
- Eu te deixo em casa.
- Não. Deixa ao lado de casa, no prédio abandonado.
- O que você vai fazer lá?
- Não te interessa.
Nando deixou Cida no local indicado, e ela bateu a porta do carro pensando "agora sim, está emperrada". Pelo retrovisor, Nando a viu caminhando a passos rápidos pela rua enquanto acendia um cigarro. Na manhã do dia seguinte, logo cedo, Nando corria pelo parque quando se deparou com uma visão: parada à sua frente, Cida, ainda com a roupa extravagante da noite anterior, segurando uma caixa de papelão achatada e hexagonal, tendo dentro dela a pizza cinco queijos.


Mario Lopes

Um comentário:

Anônimo disse...

Pô, Marião
Mais do que um "way of life" completamente distintos, você encontrou um verdadeiro xarope para acompanhar a moça, hein?

Está bem, a vida natural tem as suas qualidades e a moça mostrou-se bastante saidinha para uma primeira noite o que pode ser bom e ruim, mas o cara foi tolinho demais. Será que ainda existe gente assim nesse mundo? Ok, ok não precisa responder...rsrsrsrs

Abs

W.