domingo, 10 de agosto de 2008

O homem proibido do show business



Em 21 de janeiro de 1997, morreu Tom Parker, um dia após ter sofrido os devastadores efeitos de um AVC: do alto de seus 87 anos, o coronel partia reconhecido por ter sido o bem sucedido empresário do rei do rock. O que na época passou ao largo foi a declaração, dias antes de seu falecimento, de que a ascensão de Elvis Presley teve, nos bastidores, a participação de um (segundo Parker) visionário consultor de “frisson moral”. Nash Permut, que nunca sequer chegou a constar no quadro de funcionários da RCA Records, foi, garantiu Parker, o grande guru no lançamento de qualquer novo astro do selo. Não se sabe se a declaração, dita à boca pequena em roda de amigos, foi um rompante de sinceridade ou de peso de consciência do mega empresário. Alguns dizem ter sido uma última piada em vida, contada entre doses de Martini, e juram que o tal Permut não passava de um bon vivant que só circulava pelos corredores da gravadora à busca de inocentes artistas em início de carreira, deslumbradas com as vitrines do sucesso. Outros (a ala mais discreta e pouco dada a celeumas da Sony BMG, detentora de boa parte do acervo da RCA) declaram nunca ter sequer ouvido falar do suposto consultor de Parker.
A excêntrica história poderia passar por delírio de um octogenário com muito dinheiro no banco, pouco tempo de vida e um bocado de senso de humor em estoque. Poderia, não fosse uma simples porém bombástica entrevista, lançada sem alarde em um simples fanzine novaiorquino no final do ano passado. O Subway 57, nome que faz referência à estação de metrô na qual o periódico era distribuído quinzenalmente, cobria assuntos inocentes, como a vida noturna de Manhattan e a divulgação de contistas aspirantes a Paul Auster. Curiosamente, uma suposta figurinista de família do Espírito Santo (embora não haja qualquer menção ao Brasil na entrevista), radicada há sete anos em Nova York, foi quem teve a oportunidade de encontrar e entrevistar Nash Permut em pessoa, em um encontro que parece ter sido previamente planejado, no Zinc Bar. O local é um reduto de amantes do jazz que, reza a lenda, também é freqüentado por celebridades não tão discretas quanto Permut, como o cineasta Woody Allen. A autenticidade da entrevista é questionável, visto que a edição de número 73 do fanzine simplesmente sumiu de circulação e não há mais exemplares disponíveis para se confrontar os conteúdos. A tradução a seguir tem sido distribuída por e-mail, mas há especulações de que se pode fazer o download do áudio na íntegra pelo e-mule e outros programas de compartilhamento de arquivos. Os que ouviram a entrevista dizem que a gravação é péssima e cheia de sons do bar misturados às falas, mas que é divertido constatar que o rabugento entrevistado parece falar tudo dando risada (algo difícil de se perceber no texto quando lido). Há algumas considerações que abrem a entrevista, como a de que Permut aceitou falar sobre aquilo que chamou de “regras de jogo moral do show business” contanto que não tivesse de comentar sobre sua carreira como consultor de superstars, mesmo porque ele garantiu que nem tinha contato com os astros, apenas com seus empresários. Este pedido lançou uma nuvem de poeira sobre a carreira de Nash, pois especula-se que sua interferência e aconselhamento foram de Elvis Presley a Britney Spears. No decorrer da entrevista se pode constatar a presença de uma série de XXXXXXXXXXXX que não se sabe ao certo o que significam, tanto podem ser trechos censurados quanto intervalos na conversa. Outros mistérios rondam o texto. O próprio nome Alexandra Lauren (da entrevistadora) muitos acreditam ser pseudônimo de Aline Lobato, esta sim uma figurinista que trabalha também com make up no sitcom “Park Park” (ainda inédito no Brasil). Como Aline desmente ter sido autora da proeza (não se sabe se falando a verdade ou para não se comprometer) e como a comunidade brasileira não localizou nenhuma figurinista chamada Alexandra Lauren em Nova York, o mistério aumentou ainda mais. A comunidade artística tratou de desqualificar a entrevista, classificando-a de especulativa e sem qualquer crédito. Porém, como a referida edição do Subway 57 passou a ser procurada como relíquia, e muitas revistas ditas confiáveis passaram a publicar trechos da entrevista, foi inevitável a polêmica e a volta da discussão em cima da afirmativa do finado Tom Parker. Tentar ignorar a repercussão da entrevista não foi uma atitude bem sucedida, então a tática mudou para colocar em descrédito a autenticidade da matéria. Só que aí é que os cronistas e a crítica especializada entraram em defesa do entrevistado, afirmando que: ele pode nem ser real, mas o que diz é. Leia e tire suas próprias conclusões.

A. L.
Por que escolheu este lugar?

N. P.
Já começou?

A. L.
O que?

N. P.
A entrevista.

A. L.
Não, a pergunta não está valendo.

N. P.
Então desligue o gravador.

A. L.
OK, não precisa responder.

N. P.
Gosto da casa, só isso. Agora sim, pergunte para a entrevista.

A. I.
Quando tudo começou?

N. P.
Nós já havíamos combinado.

A. L.
Sim, eu sei, só quero o começo. A história do Elvis.

N. P.
Então, não deveria pedir para que eu repetisse. Sim, foi Elvis. Mas não desde o começo. Era tudo muito inocente. Não pedimos que fizesse nada que já não soubesse. No começo atropelamos tudo, até música gospel ele cantava.

A. L.
E...

N. P.
E é isso. Decepcionada?

A. L.
Não sei. Deveria?

N. P.
Se estava esperando que eu conte histórias fantásticas de idéias geniais, deveria sim.

A. L.
Mas e sua fama de guru?

N. P.
Nunca fui essa bobagem. Só dizia o que devia ser feito. E tudo era muito óbvio.

A. L.
Óbvio como?

N. P.
Vá perguntando que eu respondo com exemplos. Não me ocorre nada agora.

A. L.
Existe uma máquina de criar astros?

N. P.
Se existe eu não sei. Mas estou convencido de que com dinheiro se pode tudo.

A. L.
A história não aponta para isso?

N. P.
Interessante. Tem algo na manga?

A. L.
Jerry Lee Lewis afundou depois de casar com a prima adolescente.

N. P.
Mas isso não foi uma estratégia, não foi marketing, não foi polêmica, não foi nada. Se tivessem dinheiro para reverter a situação, casar com a prima viraria sensação na América.

A. L.
Antes de começarmos a entrevista você estava falando da indústria da proibição.

N. P.
Certo.

A. L.
Conte mais. Fale daquilo que falou antes.

N. P.
Eu não lembro o que tinha dito.

A. L.
Que a censura foi a turbina de projetos medíocres.

N. P.
Ah, sim, mas isso vem desde o Macartismo (política de perseguição implacável a possíveis comunistas implantada pelo Senador Joseph McCarthy). Muita coisa ruim se tornou “boa” simplesmente porque não podia ser vista, lida ou ouvida.

A. L.
Você disse que na RCA Records havia um departamento...

N. P.
Eu não falei em departamento.

A. L.
Usou um termo... Núcleo.

N. P.
Não havia nome para isso, era muito informal, até amador.

A. L.
Vamos chamar então de “Núcleo da polêmica”.

(Nash ri)

A. L.
Desculpe-me...

N. P.
Não é nada. É que demorou tanto tempo sem um nome e agora você criou um.

A. L.
Certo. Esse núcleo era encarregado de só criar celeuma?

N. P.
Eu combinei de não falar dos meus filhotes, você lembra.

A. L.
Não pedi isso.

N. P.
Bem, sem citar nomes, mas nós nos reuníamos e discutíamos o que fazer para vender mais discos. Era isso. E às vezes vinha a idéia de criar alguma polêmica. Acho que era a pré-história do marketing do escândalo.

A. L.
Mas você tinha um contrato só para fazer isso?

N. P.
Ei, eu menti. Os primórdios mesmo foram na Revolução Francesa.

A. L.
Por que a Revolução Francesa?

N. P.
Marquês de Sade.

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A. L.
Você ganhava bem?

N. P.
Eu tinha participação nas vendas. Mas era um percentual bem pequeno. Ainda tenho. Vivo dessa renda, sempre vivi.

A. L.
Mas e agora com os downloads?

N. P.
Menina, já percebeu que logo vou me juntar ao Tom?

(risos)

A. L.
Essa prática de criar fatos noticiosos era comum desde que você entrou no ramo?

N. P.
No começo, não. Mas depois passou a fazer parte do pacote. Com o tempo, cada artista passou a ser lançado já com um perfil a cumprir: “você vai ser mau, temos de fazer uma tatuagem aqui no pescoço, ei, você se dá bem com sua madrasta, ela aceita aparecer bêbada numa festa com você”?

A. L.
Por que ninguém tem acesso a esses documentos?

N. P.
Porque não há documentos. É engraçado porque estou falando coisas óbvias, não são?

A. L.
Até aqui são.

N. P.
Se quer algo inédito, desligue o gravador e peça outro whisky que vai ser melhor.

A. L.
Quais as jogadas?

N. P.
Desculpe-me.

A. L.
Eu digo, quais as idéias que vocês tiveram?

N. P.
Ah, eu sempre acompanhava os lançamentos sem me intrometer muito, só gerenciava. Mas via muitas idéias interessantes. Você sabe quais são os casos mais famosos: as máscaras do Kiss, por exemplo, é tudo muito óbvio como eu disse antes.

A. L.
Você acha então que os verdadeiros gênios da música pop estão por trás da música?

N. P.
Não sei. Mas que são bem pagos para isso, isso são.

A. L.
Qual o maior caso?

N. P.
Em que sentido?

A. L.
Se fosse para escolher um factóide, qual o maior?

N. P.
No sentido de embuste?

A. L.
Sim.

N. P.
Você não precisava vir até mim para comentar isso. É outra obviedade.

(silêncio)

N. P.
Madonna.

A. L.
Mais que Milli Vanilli?

N. P.
Muito mais. Ou você acha que usar outra voz é o único tipo de embuste?

A. L.
Mas ninguém foi tão longe.

N. P.
Você faz o que quiser com a sua voz em um estúdio. Não precisa comprar dos outros como eles fizeram.

A. L.
Mas por que Madonna?

N. P.
Porque conseguiu se fazer na base da polêmica como nenhum outro artista. Era para ser apenas uma cantora de músicas pop palatáveis mas indigeríveis. Só que virou ícone. E isso só porque escancarou sua intimidade. E conseguiu apoio da comunidade gay. Uma estratégica visionária. Ficou inatingível justamente por ter se tornado vulnerável. Enquanto os paparazzi caçavam celebridades com suas reflex, ela abria a porta do quarto e dizia entrem.

A. L.
Mas e ela não tem méritos?

N. P.
Lógico que tem, é uma obcecada pelo sucesso. Sempre foi.

A. L.
Nada além disso?

N. P.
Ela é a vitória da persistência sobre o talento.

A. L.
Explique.

N. P.
Eu digo que me dá preguiça explicar coisas tão óbvias assim. Você assistiu àqueles consertos do Al Gore pelo fim do efeito estufa?

A. L.
Sim.

N. P.
Viu o da Madonna?

A. L.
Não lembro.

N. P.
Ela dublava um solo de guitarra. Dá para acreditar?

A. L.
Tem certeza?

N. P.
Absoluta. Fazendo microfonia e poses de Jimi Hendrix. Eu realmente não consigo acreditar como alguém com um mínimo de sensatez pode pagar 500, 600 dólares para ouvir alguém fazer playback. No Japão dizem que chegam a pagar 1.200, não sei se é verdade.

A. L.
E no cinema?

N. P.
Madonna? Você está brincando?

A. L.
Mas por que então o Alan Parker a chamou?

N. P.
Porque ela insistiu muito. E porque ele sabia que atrairia os olhos da multidão para seu filme chato. A carreira cinematográfica da Madonna só não é pior que a do Sting e da Mariah Carey. Em Buenos Aires pichavam nas paredes que Evita era uma santa e Madonna uma puta. A questão estava toda errada, o problema não era terem escalado um cantora ou uma puta, era não terem escalado uma atriz. Dizem que ela agora quer atuar num remake de Casblanca, dá para acreditar?

A. L.
Você conhece o Malcolm McLaren (ex-empresário dos Sex Pistols)?

N. P.
Pessoalmente?

A. L.
Sim.

N. P.
Não. Mas nos falamos por telefone uma única vez, quando ele quis fazer um revival da banda lá pelo final dos anos 80. Por quê?

A. L.
Pensei que houvesse um clube?

N. P.
(ri alto) Não, nem há uma associação de consultores de polêmica no show business. As gravadoras nos chamam e dão participação nos lucros. Quer dizer, me chamavam porque agora estou aposentado.

A. L.
E por que você não se tornou celebridade como o Malcolm McLaren?

N. P.
Há uma regra neste jogo: quem presta esse tipo de consultoria tem de manter sigilo. E jamais pode se tornar maior que o artista.

A. L.
Então, por que Malcolm McLaren quebrou esse acordo?

N. P.
Não há acordo, é uma regra informal.

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A. L.
Você tem formação em psicologia, antropologia, sociologia, marketing...

N. P.
Em nada. Esse tipo de coisa não se ensina e não se aprende.

A. L.
É inato?

N. P.
(resmunga algo) Tem de ser auto-didata. É como um apostador de cavalos. Uma espécie de faro. Não sei explicar, nem quero.

A. L.
Algumas vezes a polêmica é real, não?

N. P.
Você está perguntando se há malucos de verdade no show business?

(risos)

A. L.
Mais ou menos isso.

N. P.
A maior parte é fabricada em laboratório, mas, sim, existem os legítimos.

A. L.
E como dá para identificar?

N. P.
Os verdadeiros geralmente não dão certo nesse ramo.

A. L.
Cite um exemplo.

N. P.
Vou falar de farsas antes. Aquele cara do Guns’n Roses...

A. L.
Axl.

N. P.
Axl. Bateu na vizinha. Eminem, bateu na vizinha.

A. L.
É mais do que coincidência?

N. P.
Eles são de décadas diferentes, mas têm muito em comum. Claro que não é assim “vá lá e bata na sua vizinha”, mas eles são muito bem orientados a tomar atitudes agressivas, têm carta branca para isso. Bons advogados e muito dinheiro para a fiança.

A. L.
Noel Gallagher?

N. P.
Também, mas é fora do meu território, por isso prefiro não comentar.

A. L.
Sex Pistols também não?

N. P.
Também.

A. L.
Mas esses não eram mais legítimos?

N. P.
Acho que neste caso o empresário era um espertalhão, mas o produto não veio de proveta.

A. L.
Por que acha isso?

N. P.
Em algumas raras vezes você tem de deixar o tempo passar para saber se o projeto é ou não uma conspiração de marketing. Quando os Pistols se separaram não conseguiram novos filões, porque não sabiam se comportar como produtos. Johnny (Rotten, o vocalista) virou John Lydon e criou o Public Image Limited, o cara se saiu bem; mas Sid (Viscious, baixista) matou a própria namorada, ninguém faz isso para vender mais discos.

A. L.
Desculpe a observação, mas você não se acha estranho discutindo música jovem com a sua idade?

N. P.
Eu poderia me aborrecer com a pergunta.

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A. L.
Por isso pedi desculpas antes.

N. P.
Tudo bem, estou brincando. Mas a sua pergunta faz tanto sentido quanto perguntar a um pediatra se ele não se sente idiota convivendo tanto com crianças.

A. L.
Tem mais algum exemplo de malucos que não são farsa?

N. P.
Essa pergunta é engraçada. Mas você localiza os falsos malucos pelo falso proibido.

A. L.
Prossiga.

N. P.
Todos gostam de se sentir um pouco contraventores, e a arte nos dá essa possibilidade com segurança. Então, os agenciadores criam uma atmosfera de censura em seus agenciados.

A. L.
Alguém que você possa citar?

N. P.
Vários, mas vou ficar em um paralelo que vai deixar mais claro. Doors e Stones. Quando os Rolling Stones tocaram na TV americana, pediram para que mudassem a letra de “vamos passar uma noite juntos” para “vamos passar um tempo juntos”. Mick Jagger disse OK. Pediram uma coisa parecida para o The Doors antes de irem ao ar, que a letra mudasse de “nós vamos ficar doidões” para “nós vamos ficar legais”. Jim Morrison não só não acatou isso como também mostrou o pinto para a câmera. Entendeu? Stones se faziam de proibidos. Doors eram proibidos de verdade, não deviam ser vistos, deviam afastar as crianças da sala quando aparecessem.

A. L.
E é bom ter gente assim na TV?

N. P.
É legítimo. Não seria problema um artista avisar que está só brincando, que aquela cara de mau e toda aquela pose são só alegoria. Mas faz parte da fantasia do público acreditar que são assim na realidade. Alguns poucos são de fato rebeldes incorrigíveis. Mas esses acabam se dando mal, se matam, são imprevisíveis, a indústria não os quer. Só fica confortável quando eles morrem.

A. L.
Como o casal Courtney Love e Kurt Cobain?

N. P.
Não são da minha jurisdição, mas acho que servem. Eu a acho uma boa atriz, sabia?

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

A. L.
O que quer dizer com não serem de sua jurisdição?

N. P.
Que não tenho informações confidenciais para falar com procedência.

A. L.
É verdade que você também prestou serviços para o cinema?

N. P.
Não. Não. Quem disse isso?

A. L.
Estou só perguntando.

N. P.
Gosto muito de cinema. Mas nunca precisaram dos meus préstimos. Ali deve ter gente ainda mais gabaritada do que na indústria da música.

A. L.
Por que diz isso?

N. P.
Intuição masculina (risos). Vá na sessão de DVDs de qualquer loja de departamentos e procure por um filme do Godard: você quase sempre só vai achar o Je Vous Sallut, Marie. Por quê?

A. L.
Porque foi o mais polêmico.

N. P.
E olhe que ninguém mais queria saber do Godard. Eu acho até que a indústria do cinema tem algum acordo com o Vaticano.

A. L.
Sério?

N. P.
Não, estou brincando. Mas usar as proibições do Papa como trampolim para o sucesso é uma ótima idéia. A Madonna fez isso, o L7 fez isso, o Scorsese fez isso... quem mais...

A. L.
Você acha que Hollywood paga os censores?

N. P.
Hmmm... não temos censores. Em que sentido você está se referindo?

A. L.
De colocar uma faixa etária maior só para um filme ficar mais cobiçado por adolescentes.

N. P.
Talvez. Mas daí é assunto para você perguntar a um cineasta.

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A. L.
Por que você acha que as pessoas querem tanto os artistas que tem uma aura de proibição?

N. P.
Você mesma montou essa pergunta?

A. L.
Por quê? Ela não faz sentido?

N. P.
Não, eu gostei do jeito que montou a frase, só isso.

A. L.
Está sendo sarcástico.

N. P.
Não estou não.

A. L.
OK.

N. P.
Então... qual era a pergunta mesmo?

(risos)

A. L.
Por que as pessoas gostam de artistas proibidos?

N. P.
É meio infantil e a explicação parecerá tola. Para a pessoa se sentir mais radical. É isso. O cara tem uma vidinha comum ou é um jovem pouco aceito, mas daí chega com aquela música cheia de palavrões que baixou no I-pod. Então pode dizer “veja, eu tenho algo aqui que meus pais não gostariam que eu ouvisse”.

A. L.
Isso é uma regra?

N. P.
É recorrente. Toda geração tem isso. Seus avós gostavam do Elvis porque o rebolado dele revoltava seus bisavós. Seus pais gostavam da Madonna porque ela fazendo ménage à trois em um clip revoltava seus avós. Você provavelmente gosta de Marilyn Manson porque ele exibindo seu pinto amarrado a um elástico nos shows revolta seus pais.

A. L.
Detesto Marilyn Manson.

N. P.
Foi só um exemplo, querida. Mas você entendeu. Seus filhos vão gostar de alguma outra coisa que vai revoltar seu estômago. E assim por diante. É como uma maldição hereditária.

A. L.
E desde quando vem esse comportamento?

N. P.
Daí você terá de investigar com um antropólogo, mas vem de muito longe mesmo.

A. L.
Início do século XX?

N. P.
Muito, muito antes. Uma vez traduziram num hieroglifo do antigo Egito algo como “nossa geração está perdida, os filhos não obedecem mais aos pais, onde esse mundo vai parar?”. Parece que o ritual de crescimento exige que você goste de coisas que seus pais consideram proibidas.

A. L.
Mas e o que se ganha com isso?

N. P.
Você está fazendo perguntas que não sei responder. Eu era pago para vender mais discos.

A. L.
Só que fazia isso com motivação comportamental.

N. P.
Parece discurso isso.

A. L.
Não quer responder?

N. P.
Não sei responder, é diferente.

A. L.
O que você suspeita então?

N. P.
Particularmente acho que a humanidade deve estar adotando um modelo errado há séculos. Sempre os filhos vão crescendo, ficando mais críticos e então percebem esse modelo. Daí não querem repeti-lo. E por isso procuram o proibido, porque lá pode estar a solução. “Já que meus pais não querem que eu veja e eles não são mais felizes por não verem, é sinal de que deve ser bom”. Além disso, tem toda aquela merda de conversa de auto-afirmação que todo psicólogo aprendeu na cartilha do Freud.

A. L.
Então, você acha que compram música só para dizer “pai, mãe, eu te odeio”?

N. P.
Não sei se chega a esse grau.

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

A. L.
Mas a música pop não é um cenário novo se formos considerar a história da humanidade?

N. P.
Sim, nesse sentido a arte e a tecnologia estão acelerando as coisas.

A. L.
Que coisas?

N. P.
Antes um jovem levava uma vida inteira para se rebelar contra seus pais, e quando isso acontecia era tarde demais, ele já tinha se tornado pai e daí só lhe restava perpetuar o modelo errado que recebeu. Agora, qualquer pré-adolescente pode baixar pela Internet um single da Aimee Mann que o faz entender melhor o mundo à sua volta e dá um refrão pegajoso exigindo que abra os olhos.

A. L.
Abrir os olhos em que sentido?

N. P.
Quando um adolescente veste uma camiseta com o Coolio fazendo careta é um ato de protesto doméstico. Um garoto vê seus pais brigando todo dia, sua mãe tomando remédios mais pesados que o baseado que fumou tossindo uma vez no colégio, seu pai num trabalho que não traz satisfação, e diz para si mesmo “eu não quero ser assim”. Daí ele olha para fora de casa e procura o modelo mais distinto possível de seus pais. É assim que funciona. Acho que é bem simples.

A. L.
Mas do jeito que você fala parece que só adolescentes consomem música.

N. P.
Claro que não!

A. L.
Sim, já faz um bom tempo que você só fala desse público.

N. P.
Não. A conversa se concentrou nos adolescentes, mas o mesmo raciocínio se aplica com adultos.

A. L.
Como?

N. P.
Ora, o cara tem um emprego medíocre, um biotipo nada ameaçador, uma rotina chata, então ele acaba escolhendo ídolos que lhe transferem alguma força. “Vejam, eu posso ser fraco, mas olhe como é pesado esse som que eu curto”.

A. L.
Você não está sendo cruel?

N. P.
Não. O modelo é que é cruel. E se perpetua por conta própria. Pais frustrados gerando filhos frustrados, e a música acaba se beneficiando. Sei que parece ser uma estranha regra de mercado. E é.

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A. L.
A sua visão de música pop acaba sendo bem diferente do comum.

N. P.
Sim.

A. L.
Como você definiria música pop?

N. P.
Um placebo social. Você pode se sentir alegre e até forte com ele.

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

A. L.
Por que não se canaliza o marketing da polêmica para a filantropia?

N. P.
Não sei se você elabora demais as suas perguntas, mas às vezes não entendo.

A. L.
Eu quis perguntar por que ao invés de polêmica não se faz marketing pessoal ajudando pessoas, como fez o Sting.

N. P.
Ah, porque isso só funciona no curto prazo. É muito dispendioso. E não é algo curioso, não chama muito a atenção.

A. L.
Mas a imprensa toda foi em cima do Schumacher quando ele doou cem milhões (de dólares) para as vítimas da tsunami na Ásia.

N. P.
O piloto? Como eu disse, muito dispendioso. Dá para gravar pelo menos dez bons videoclips com esse dinheiro. E os clips continuam passando pra sempre na MTV, dá pra vender em DVD, enfim. Pergunte se alguém lembra da doação do Schumacher.

A. L.
Mas talvez ele não tenha feito isso por marketing pessoal.

N. P.
Maluco.

A. L.
Você acha que a música é uma droga?

N. P.
Sempre foi. Ouça Sargent Peppers Lonely Hearts Club Band e você perceberá que deveria ser um disco confiscado pela FDA (Food and Drug Administration, entidade que efetiva o controle de alimentos e drogas nos Estados Unidos).

A. L.
Não acha que é um exagero?

N. P.
Não. Até oxigênio é droga: se você se privar dele, terá delírios.

A. L.
A indústria compartilha essa sua visão?

N. P.
Claro, do mesmo jeito que a de tabaco sabe que seu produto vicia.

A. L.
Isso é uma denúncia?

(risos)

N. P.
Se existe uma denúncia aqui é a de que as pessoas são ingênuas demais. As pessoas têm necessidade de acreditar na existência de heróis puros. E usam o produto desses heróis para se doparem e se travestirem de heróis também. É engraçado hoje se falar tanto no mundo virtual como uma realidade paralela. Isso já começou faz muito tempo. E sem os computadores.

A. L.
Com esse seu talento nunca foi convidado para ser assessor de políticos?

N. P.
Sim, fui, mas prefiro enganar alguém para que compre um disco do que privar a população toda de um sistema de saúde decente.

A. L.
Você até que fala pouco.

N. P.
Mesmo? Pensei que estava me estendendo demais.

A. L.
Pensei que você falava muito.

N. P.
Mas já tem material suficiente, espero?

A. L.
Sim, tenho.

N. P.
Ótimo.

A. L.
Uma última.

N. P.
Diga.

A. L.
Por que aceitou dar essa entrevista?

N. P.
Porque sei que ninguém vai acreditar que é verdadeira.



Mario Lopes

3 comentários:

Anônimo disse...

Marião,
Bacana essa entrevista... confesso que por ser um interessado em tentar descobrir as formas pelas quais somos de alguma maneira manipulados ela não me choca totalmente... O que é feito com a música pop, também o é no cinema, na política e para quem tem estômago até nos relacionamentos, não é?
Desde sempre. Taí Ana Bolena que não nos deixa mentir, que ao não "dar" de prima, para o rei da Inglaterra, consegue fazê-lo brigar com a Igreja Católica, abandondar a ex-rainha da Inglaterra e dividir um país... poder, dinheiro, cobiça, culto a coisas banais que podem tornar-se referências inclusive para pessoas relativamente esclarecidas (sim eu já adorei aquela frase " hay que endurecer-se pero sin perder la ternura jamas"). Dita por uma pessoa que de um lado parecia um humanista (vide filme do Walter Salles) e de outro um carrasco com requintes de crueldade com as pessoas que discordavam dos seus pontos de vista na revolução.

Fecho com o Drummond:
"Oh mundo, vasto mundo. Se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não uma solução".

W.Allen

PS: Quero dizer que nunca vi esse sujeito naquele bar em NY. rsrsrsrsrs

Anônimo disse...

Rodolfo, concordo. Você nem vai gostar da comparação, mas como o mensalão, que todo mundo sabia da existência, mas que só virou escândalo depois que alguém resolveu abrir a boca. Eu só estranhei na entrevista de nem se comentar sobre o George Martin, porque acho que ele fez um trabalho de assessoria saudável, não me parece ter causado interferências artificias no "produto" (e que produto!).
Abraço.

Charlie

Anônimo disse...

Marião,
Tô de acordo contigo e a comparação não me incomoda hoje de forma alguma. Até porque todos sabemos que dar dinheiro para políticos para que eles apoiem um governo é tão antigo quanto o tempo de existência das prostitutas que, by the way, tem muitas vezes um trabalho mais digno que os primeiros.(Ao menos não prejudicam diretamente ninguém e se viram como podem para ganhar a vida...).

Sobre não ter comentado sobre o George Martin, acho que não fazia parte da jurisdição dele... rsrsrs. Mas dando um modesto palpite acho que nem eles (os Beatles) sabiam a exata dimensão do que estavam produzindo e que se tornariam a maior banda de todos os tempos, na minha opinião.

Para finalizar my name is Allen. W.Allen.

Abs