quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Para Maristela



Bom, que eu lembro começou assim: ela abriu a porta e riu muito, de se acabar mesmo. Eu fiquei me olhando no espelho que tinha logo ali na saída do elevador e não entendi nada. Foi aí que eu caí em si: a gente estava com camisas diferentes. É que eu não entendo nada de futebol, não entendo bosta nenhuma pra ser franco. Ela vivia falando “ai, o meu tricolor”, e eu pensei que só tinha um tricolor. Daí, comprei justo a camisa do time que ia jogar contra o dela. Cheguei na loja e pedi: “quero uma camisa do tricolor”. O corno do vendedor daí perguntou: “qual tricolor?”; e eu respondi: “o que vai ganhar no jogo de domingo agora”. Então ele vendeu essa camisa: a do time inimigo da Maristela. Eu bem que achei feia mesmo. Mas aí é que me deu uma coisa estranha: ela começou a brigar comigo e sabe que foi aí que eu passei a gostar dela? Verdade. Ela falou que a gente não ia poder ficar junto, que era proibido. Proibido por quê? Eu não entendi.
Bom, ela saiu e disse que no estádio a gente tinha que se separar, “espirra longe”, ela disse. Eu fiquei atentado. Só por que minha camisa não era igual à dela isso não era motivo, achei muito temperamental da parte dela. A Maristela estava toda faceira vestida do clube dela dos pés à cabeça, enrolada numa bandeira, com o rosto pintadinho nas bochechas, shortinho, corneta. Conjunto completo. E eu cada vez mais reparando que ela era completinha mesmo. A gente foi andando e o povo mexendo, buzinando, e eu me enciumando daquilo tudo, nem sei por que, eu nunca tinha arrastado asa pra Maristela, achava magra, sem graça, não sei. Ela andando requebrante na frente.
Chegamos e não é que ela cumpriu com a promessa: apontou pra uma entrada que era pra onde eu tinha que ir. Fui. Olhando pra trás. E ela já se misturou com os tricolores dela, sumindo da minha vista. Fui pras tais arquibancadas e juntei com uns que tinham camisa igual que eu. Quando o jogo começou, eu já tinha tirado do bolso o meu binóculo comprado numa banquinha da Rui Barbosa. Enquanto aquele povo torcia, eu só ali, procurando a Maristela. Até que achei a danada. No meio de uns grandalhões lá, pulando e saracoteando de braço pra cima. Fiquei tão feliz que nem reparei que o meu tricolor tinha marcado gol. Aquela gente toda ao meu redor começou a pular, me abraçando, gritando e derramando cerveja no meu calção, quase perdi meu binóculo. Quando coloquei na cara, fiquei muito fora de si: a Maristela estava toda variada, de cabeça baixa, tristinha por causa do gol. Daí comecei a torcer contra o meu tricolor. E não é que deu certo a minha figa?! Pronto, deu uma ida e duas voltas do time e lá estava o tricolor da Maristela empatando com um gol gostoso. Mas levei muito cascudo quando festejei. Mandaram eu sentar, xingaram, daí me aquietei. Fiquei vendo de longe a Maristela na maior alegria, só que abraçando os braçudos do lado dela, o que não me fez gosto.
Veio o intervalo e eu tentei ir no lado onde ela estava, mas um segurança chamado Raul, gordão de óculos escuros e walkman na cabeça, não me deixou passar. A torcida de lá também não me queria pelo jeito. Peguei uma pipoca e voltei. O jogo recomeçou e aquela gente cantava umas musiquinhas de xingamento. Que nem do lado da Maristela, ela xingava muito o time mas acho que isso era da diversão mesmo, cada um tem seu jeito, né. A única coisa boa de ficar lá na arquibancada era ver a Maristela dançandinho, parecia até que era pra mim. Quando menos notei, pimba, o tricolor dela marcou mais um, já pensou? Daí fiz a maior festa. Quer dizer, enquanto deu porque me tiraram de lá debaixo de soco e chute. O tal do Raul segurança me levou pra fora do estádio chamando de louco e tudo. Eu nem me importei, não gosto de futebol mesmo. Só que fiquei sem minha pipoca.
Quando acabou o jogo, aquele povo todo saindo, e pra eu achar a Maristela! Como ela estava muito festiva não foi tão difícil. Mas acredita que ela não aceitou quando eu fui cumprimentar? Abracei dando parabéns mas ela não quis nem saber, nem me apresentou pros amigos, só falava baixinho “vaza, vaza”. Parecia que estava proibida de falar comigo. Daí que bateu aquela coisa esquisita de novo, eu comecei a querer ainda mais a Maristela. Nisso é que aconteceu o mais engraçado: tinha a torcida de um outro time aqui da capital que me puxou dali, me chamando de louco do mesmo jeito que o tal do Raul segurança. E o mais esquisito: eles estavam torcendo contra o tricolor da Maristela. Não me pergunte por quê. Estavam em cinco e me convidaram pra beber umas na sede da torcida organizada. Eu aceitei pra não fazer desfeita. E também porque eram todos meio grandinhos, fiquei com medo, confesso.
Fomos todo mundo espremido dentro dum Chevette. Mas deu pra chegar lá. Um barracão todo sujo, com bandeiras do time deles e um bar na frente, lá é que pegaram um engradadinho de cerveja. Quente. Ficamos tudo sentados numa mesa que tinha o símbolo do clube no meio. Ah, tudo tinha símbolo do clube, até os copinhos das cervejas e uns desenhos no corpo. Eu não tinha muita conversa com eles, porque falavam do zagueirão não sei das quantas, do meio-campo sei lá quem. E eu só fazendo que sim com a cabeça pra não passar por desentendido. Eles tinham pouco gosto pelo tricolor da Maristela, xingavam o técnico, o goleiro, todo mundo. Parece que o time deles foi desclassificado pelo dela numas quintas de final. E eu ali, quietinho, só ouvindo os xingamentos. Mas daí me descobriram: um deles acho que percebeu que eu não era muito boleiro e me pediu pra cantar o hino do meu tricolor. Ih, foi aquela gaguejada, eu disse que estava rouco mas eles não engoliram. Como estava todo mundo me olhando de cara feia, eu resolvi confessar. Expliquei que comprei a camisa errada, que só fui no estádio pra acompanhar a Maristela, que não sabia nem o que era um impedimento e que volante pra mim era coisa de carro, que nunca gostei muito dessa coisa de futebol. Confessei até que passei a gostar da Maristela só porque a gente ficou proibido de ficar junto. Mas não é que eles foram gente fina da melhor qualidade comigo. Um deles foi no fundo do galpão e trouxe um embrulho de papelão meio retangular, disse que era uma caixa de bombom pra eu levar pra Maristela. Fiquei todo agradecido, só que eles me fizeram um monte de recomendações. Disseram que eu tinha de levar com cuidado, que não podia nem pegar ônibus porque senão chacoalhava. “E o que tem de mais?”, eu perguntei, e eles responderam que eram bombons muito finos, que qualquer coisinha quebrava a casca e vazava o licor. Eu estranhei porque a caixa era muito pesada pros bombons serem assim tão frageizinhos, né. Como entendo de chocolate tanto quanto entendo de futebol, aceitei os conselhos do amigo. “Não abra de jeito nenhum!”, disse um deles lá. Imagine se eu ia fazer isso! Queria é ver a Maristela desatando o nozinho e abrindo por conta, sorrindo bonito como ela sempre faz. Nem de carona no Chevette eu podia voltar, porque tem a tal da Lei Seca e também ia chacoalhar, eles disseram.
Vim a pé atravessando o centro, e olha que é longe. E carregando com cuidado a caixinha. Quando cheguei na Maristela já era de noite. Só que a mãe dela me atendeu. Disse que a Maristela estava comemorando com os amigos num bar do lado do estádio. Eu dei pra ela a caixa de bombons. Só que, quando eu já estava dando as costas pra velha, me deu nas idéias que ela poderia comer tudo. Voltei atrás e peguei a caixa, dizendo que eu mesmo ia entregar pessoalmente no bar. Saí caminhando pela rua imaginando a cena: eu, no meio daquela gente toda, fazendo aquela surpresa pra Maristela. Imagina a cara da Maristela na hora que abrisse o pacote. Imagina a cara dos amigos dela na hora. Hein, hein, hein.
Só que no meio do caminho uns dois desocupados perto do estádio ficaram me fazendo “psiu” e me seguindo. Eu vi que era assalto, mas não queria perder a caixa de jeito nenhum. Também não podia correr porque senão quebrava as casquinhas dos bombons. Então eles chegaram em mim rapidinho, um deles logo pedindo a caixa. Eu segurei contra o peito, não queria dar. Mas daí, o outro apontou pra caixinha e gritou “bomba! Bomba”, os dois saíram correndo e eu expliquei que não, que não eram bombas, que era bombons. Não adiantou. Não sei que mal ia fazer em ser bomba ao invés de bombom, mas fizeram aquele escândalo e logo saiu gente das casas pra ver o que era. E daí é que vocês chegaram do nada. Mas agora, depois de toda essa confusão de futebol, eu nem quero saber. Quero mais é que tudo se exploda. Então, só peço por gentileza pros senhores abaixarem as armas e me abrirem o cerco que eu quero sair. Aceita um bombom, seu guarda?



Mario Lopes

3 comentários:

Anônimo disse...

Ah Mário, adorei, ainda mais em se tratando de futebol... rs ;-)
Bj. Cá * * *

Anônimo disse...

Mila, no próximo eu boto uma final do Coxa contra o Timão, orra meu. ;-)
Beijo, garota.

Charlie

Anônimo disse...

Isso, de preferência c/uma goleada do Corinthians sobre o "Coxa", claro! hehehe
Cá * * *