segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Displasia e relógio biológico


Estava com frio e de pernas abertas. Ouvia ele reclamar: ”Porra, assim não dá! Se eles não pagarem esse mês eu vou denunciar, que absurdo é esse?! Como eu vou trabalhar assim? Liga lá e fala pra eles... Você viu quantos eu atendi hoje? Isso é um piada!”


Ele vinha perto de mim com um gel melequento: “Vou fazer as mamas primeiro, tá? Depois a gente faz o transvaginal”. Circulou o aparelho que escaneava meio seio: “Você tem displasia... Você sabe, né?”. Ele mostrava na tela do ultra som enquanto deslizava o aparelho no outro lado das minhas mamas melecadas. ”Sei”, eu disse. Ainda com um tom imperativo, prosseguiu o homem: “É uma doença. Displasia é uma doença e ninguém se preocupa, só fazem esse exame pra detectar câncer. Tá dolorido?", “Tá”, respondi. “Existe uma forma de evitar ou de melhorar a dor?”, perguntei timidamente. “Posso te dar uns remédios. Você tem filhos?”, eu disse "Não". “Então, quando você tiver, vai melhorar”.

Ele me deu algumas toalhas de papel, tirei a papa de gel dos seios com o eco do que acabara de dizer e, com um preservativo e um gel lubrificante nas mãos, disse o medico com pouco caso: ”Vou colocar o preservativo, é procedimento, se sentir alguma dor ou desconforto me avise”. “Tá, beleza”. “Ta doendo?”, indagava enquanto introduzia o fálico aparelho vagina adentro. ”Não, tudo bem”. "Seu útero tá ótimo, você tá com que idade?”, olhou minha ficha, antes que eu pudesse responder, e disse: “34... Não vai fazer que nem eu que tive filhos com 38, é muito tarde. Olha, você tem um... mioma mas ele não impede que o feto se desenvolva, pode engravidar tranquila. Você quer ter filhos?”, "Quero”, respondi no ápice do meu constrangimento. “Então, não espere muito”. Ele me deu mais papéis para limpar a meleca, retirou o aparelho da minha vagina e voltou a reclamar para a enfermeira: “Você não ligou, ai, meu Deus, liga lá, fala pra eles que não vou esperar mais nem um dia! Pode se trocar, querida”.

Saí de lá arrasada. Eu me senti uma puta de ultra-som. Nem tanto pelo fetiche da putaria mas pela realidade do descaso. Já não é agradável ficar tendo que abrir a perna no inverno pra cada teste ginecológico, agora... ficar semi-nua numa sala que tem uma enfermeira com cara de louca e um médico de saco cheio do seu emprego, ninguém merece. Beleza, eu não apoio injustiças mas poupe este ser do sexo feminino de sentir-se uma “Vagina Abierta de la America Latina”, naquele lugar inóspito.

A agressão-invasão não era só pelo fato de introduzir um aparelho no meu corpo falando mal da situação empregatícia, mas por invadir minha intimidade de pensar na maternidade com privacidade. Não abri a conversa para discussão, não perguntei pra ele se ele era broxa, se ele fora um mal aluno de medicina, se a calvície precoce incomodava, se ele tinha mais tesão no cu ou na orelha ou se ele tinha noção de que havia uma paciente em frente a sua impaciência. A impaciência pela maternidade e pelo casamento não nos pertence (falo por mulheres da minha idade pra cima) mas sim ao mercado de consumo. Nossas vaginas são parte do grande mistério do universo, do nosso mundo secreto e sagrado, e nenhum médico debilóide de convênio (talvez os de hospitais públicos sejam muito melhores neste aspecto) tem o direito de ser grosso ou invasivo.

O ideal seria uma consulta individual privada-delivery, onde a médica viesse tranquila, entrasse muda, saísse calada e pudéssemos ficar com o silêncio de informações precisas que sairiam depois do exame, avaliadas por um médico ou médica que valha o título.

Oremos pelas mulheres sem voz, pelas invasões diárias, pelos maridos que abusam, pelos médicos imbecis.

Um beijo a todas.




Patrícia Ermel

5 comentários:

Anônimo disse...

Texto inquietante e corajoso, Patrícia. Parabéns.
Beijo.

Mario

Anônimo disse...

HAHA, puta de ultra-som foi boa!
vou orar junto por todas!


Beijos,
Bianca Silva

;*

Unknown disse...

Eu que o diga, o que há de "profissionais" da saúde inconvenientes e incompetentes... prefiro nem comentar pra não passar raiva. rs
Beijos, e parabéns.

Patricia Ermel disse...

Obrigada Bianca e Camila prazer em conversar com vocês!!! espero conhecê-las ao vivo !!!
bjos
Patricia .

Anônimo disse...

Prazer é meu. Espero que possamos nos interagir mais, via msn ou real.

Beijão


Bia