domingo, 18 de outubro de 2009

Breve História De Amor Eterno



Conheceram-se no baile e, poucos sábados depois, já agendavam a fuga. O pai de Loretta, homem metódico, rígido e disciplinado, jamais admitiria que a filha desposasse um profissional da noite. Não importava que fosse um músico pouco dado aos hedonismos da boemia, Herculano era de fato persona non grata aos olhos daquele contador turrão e autoritário.
Na noite que antecedeu a fuga, trocaram olhares no baile, ele no palco, ela na mesa com parentes. Tiveram por único elemento de contato a rosa beijada e posta sobre a mesa num momento de distração familiar. Ela jurou que estaria no coreto da praça pontualmente às oito da manhã, nem um minuto a mais, nem a menos. Que ao chegar em casa naquela madrugada, nem dormiria, ficando alerta ao horário contando as badaladas do carrilhão que o próprio pai cuidava com extraordinário zelo, envernizando-o semanalmente para exibi-lo garboso na sala de jantar.
Herculano, às oito em ponto, estava lá. Nem um minuto a mais, nem a menos. Mas Loretta não havia chegado ainda. Cinco minutos depois e ele já estava intrigado com a promessa quebrada. Dez minutos e ele já não entendia aquele aparente desleixo com um compromisso crucial para suas vidas, principalmente por sua amada o avisar que ninguém a impediria de estar na praça naquele horário. Meia hora depois e a desilusão o apunhalava nos pensamentos esperançosos, convencendo-o daqueles temores mais íntimos e cruéis: de que Loretta não abandonaria a vida confortável e segura de seu lar para seguir sem rumo com um homem que o pai afirmava ser um desajustado.
Pegou sua mochila e tomou um taxi rumo à cidade onde morava o primo, primeiro ponto de parada programado em sua fuga. Lá chegando, pôs-se a chorar sem dizer palavra. Como uma criança, apenas balbuciou a frustração de seu plano e pediu uma cama na qual pudesse repousar. E assim o fez, mas não por um dia, demorou-se lá por semanas. Dois meses. Apenas caía em prantos e lançava suas economias nas mãos do primo para que lhe comprasse bebida. Queria matar-se com álcool, ócio e choro. Sobreviveu. Mudou-se então para uma cidade distante, conseguindo emprego facilmente pelos seus talentos com a partitura. Desligou-se completamente de seus familiares e amigos, abrindo mão de todo e qualquer elo direto ou indireto com Loretta. E assim passaram-se os anos, ele distante, esquecendo-a cada vez mais, mesmo tendo um dia acreditado ser isso impossível.
Correram mais de 50 anos, os dois se encontraram casualmente em um novo baile. Só que desta vez em homenagem às bodas de Loretta. Ele tocando seu instrumento no palco, ela celebrando com o marido, os filhos e os netos no salão de baile. Ambos constrangidos com tamanha coincidência infeliz.
Em dado momento, conseguiram se encontrar a sós em um dos corredores do clube. Ele a parabenizou e, em meio ao embaraço do momento, não teve como não indagar sobre o que havia acontecido naquela manhã do (des)encontro. A resposta o perturbou ainda mais, pois ela afirmou ter ido, sim, até a praça, e que ficara lá por cinco, dez minutos, continuando esperançosa até vencer meia hora de aguardo obstinado. Ambos não entenderam como puderam estar no mesmo local, no mesmo horário e não ter se encontrado. A praça era pequena, o coreto minúsculo, fazia dia claro e descobriram que ambos haviam até se sentado na mesma banqueta. Como dois corpos ansiosos um pelo outro não puderam se ver e se tocar estando exatamente no mesmo espaço físico e, de acordo com o relógio, ao mesmo tempo?... Foi então que se deram conta dos estragos que podem ser causados pelo início do horário de verão.


Mario Lopes

2 comentários:

Karime disse...

Depois eu que sou romântica! hahahaha

Anônimo disse...

Ah, deixa eu, vai. rs ;-)
Beijo.

Mario