sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Sem sal e sem gozo



Frígida. Assim a chamavam, qualquer um que a conhecesse. Homem ou mulher, tendo ou não mantido algum tipo de relação, sabiam pelo seu jeito o quanto era frígida. O olhar, o falar, o modo de andar. Tudo nela cheirava a frigidez. Se esbarrava com alguém na rua? Frígida. Sem explicação. Mas era assim, sem mais nem menos.
Talvez sua frigidez se devesse ao fato de pensar demais. De tanto pensar, se tornava alheia ao mundo que a rodeava, pois só o que lhe importava era ou o seu mundo interno, ou o mundo que ninguém era capaz de ver, apesar de ser tão visível quanto um elefante em uma avenida.
Mas o fato é que não deixaria de ser mulher, mesmo parecendo um anjo assexuado e desinteressado. É claro que era um tanto quanto anti-social também, devido ao seu extremo interesse interno, sendo dela ou não, mas ainda assim tinha um par de amigas-colegas. Tinha pouquíssima paciência com elas, e elas também. Vida de Frígida não é fácil.
Ela era formada em um curso qualquer, chamado Filosofia, do qual ela pouco se vangloriava. Se arrependia ao extremo de ter passado quatro anos ao lado de burros e sendo ensinada por burros ensinados por burros. No mundo de frígida, todos eram assim, menos ela: Frígida.
Terminado o curso, ela dedicou-se ao que mais gostava e passou a refletir sobre as coisas mais banais. Adorava achar erros nas atitudes e pensamento dos outros, e, baseando-se nessas reflexões, criou sua própria ideologia social/política/filosófica. No fim de todas as suas linhas de raciocínio, lá estava ela, frígida, posando no topo como primeiro-motor e dando pontapés em Aristóteles.
Com as teses formadas, bastava arranjar um jeito de provar aos outros que era o que sabia que era. Não que se importasse com o que os outros pensavam, mas sabia que isso era necessário para desmascarar os falsos sábios. Assim, ela iniciou uma série de vivências leigas, cujo intuito era experimentar as sensações e emoções que seus ignorantes viviam.
Na primeira experiência, ela esforçou-se para criar uma relação mais afetuosa com uma de suas amigas-colegas - agora suas cobaias - e no momento em que achava ter alcançado seu intuito, bolou uma série de atitudes que, desencadeando uma decepção na amiga, ocasionaria seu arrependimento. A primeira parte do plano correu bem, mas a segunda, como já era de se esperar, fracassou.
Frígida decepcionava, mas não se arrependia.
Aproveitou a situação para tentar sentir saudades da ex-cobaia, mas ela considerava esse sentimento tão ridículo que nem sua vontade de entendê-lo ajudou. Resultado: Saudade? Só dela mesma, enquanto dormia.
Ainda lhe restavam outras duas cobaias. Aproveitou uma delas para conhecê-la melhor, mas só o que conseguia sentir era repulsa, pois ela era, além de humanamente clichê, cheia de histórias de vida repletas de derrotas e perdas, das quais ela pouco se importava. Frígida sempre considerou a solidão como o maior tesouro que alguém poderia ter, mas que ninguém sabia dar valor.
Tristeza ou compaixão? Zero, por nada nem ninguém. Absolutamente.
Com sua última cobaia ela quis ser mais cautelosa. Até poderia seguir em frente realizando vivências com outras pessoas, mas isso lhe gastaria um tempo e esforço desnecessários. Por isso dedicou-se à “amiga” com tanta determinação que quem as olhasse caminhando pela calçada, pensaria que Frígida, finalmente, tinha uma amiga.
Ela vivia e esforçava-se para isso, e por pouco, quase engana a si mesma acreditando ter realmente criado um relacionamento. Nessas horas de cumplicidade, ela se dava ao prazer de ter a companhia solitária de si só, e lembrava que experiências como aquela só poderiam ser provadas caso saísse ilesa. E realmente, quase saiu. Quase.
Levando uma vida comum, pelo bem da experiência, ela se entregou aos prazeres efêmeros de uma vida normal. Passou a sair à noite, a beber até perder a sanidade, a conhecer outras possíveis cobaias, enfim... apenas atitudes, sem sentimentos, tristezas, emoções... nada. Apenas agia.
E, noite vai, noite vem, conversando bobagens com a “amiga”, entraram em um assunto que pouquíssimo a interessava, mas que faria parte do seu projeto “ignorância humana”.
É claro que Frígida já havia transado antes, mas o fato é que, como o ato pouco lhe agradava, não pensava nisso. Admitia que era até bom, mas lhe custava um tempo que ela preferia perder em algo mais útil. E lá estava ela, conversando sob um dos assuntos mais adorados pela humanidade. Tratou de guardar cada informação e lamentou não ter tido um gravador naquele instante. Tudo era valiosíssimo. Achava incrível como os outros seres aparentemente semelhantes a ela pudessem gostar tanto de algo que lhe dava um prazer de no máximo dez segundos.
Ela ria por dentro.
Quanto mais ouvia a “amiga” falar, mais tinha certeza de que o mundo perfeito teria apenas um habitante. Ela.
Admirava o entusiasmo daquela mulher, gabando-se por ter atingido o ápice do ápice, o tal do orgasmo múltiplo. Não é o fato de ter aumentado em 50 segundos que faz da explosão um deus a ser venerado. Um prazer tão efêmero, tão rápido, tão dependente de outra pessoa, não deveria ser um dos cinco assuntos mais discutidos pela humanidade. Chegava a ser animalesco, irracional.
Bem, ainda bem que ela era exceção, e pelo bem de sua tese, provaria isso.
Dentre as cobaias que conheceu recentemente, escolheu a dedo aquele que mais se encaixava na execução prática de sua última experiência.
Ligou, marcou, chegou, deitou...
E, deitada nos braços do escolhido, conjeturou os três segundos de sempre. O que era realidade? Os seus três segundos, ou o tal do orgasmo múltiplo?
Olhando pela janela, Frígida chegou à conclusão de que orgasmo múltiplo era só mesmo o que ela conseguia imaginar: milhões de pessoas gozando ao mesmo tempo, em todos os cantos do mundo.
E Frígida era assim, frígida... até gozando.


Letícia Mueller

4 comentários:

Anônimo disse...

Esse desfecho me fez lembrar uma cena de "O Fabuloso Destino De Amelie Poulain", no qual ela imagina quantas pessoas estão gozando ao mesmo tempo.
Uma bela leitura de "orgasmo múltiplo".
Beijo, Letícia.

Mario

Anônimo disse...

Orgasmo Multiplo = milhões de pessoas gozando ao mesmo tempo, em todos os cantos do mundo.

Essa definição foi ótima, ahhahaha
então segue um dado do guia dos curiosos:

Acontecem 114 milhoes de relações sexuais todos os dias ao redor do planeta. Imaginando que todos gozessem, teríamos 2638 orgasmos por segundo.

Isso é o que eu chamaria de Orgasmos Multiplos, hahahhahahah

Bjs
Manu

Anônimo disse...

Orgasmo Multiplo = varia pessoas gozando ao mesmo tempo

Leticia, adorei essa definição da Frigida, hahahahahha

Aproveitando o embalo, segue um dado do Guia dos Curiosos - Sexo
Acontecem 114 milhoes de relações sexuais todos os dias ao redor do planeta. Imaginando que todos gozessem, teríamos 2638 orgasmos por segundo.
Eita, isso é que é orgasmo multiplo !!! hahahhaah
bjs
manu

Karime disse...

Nossa, neste texto reconheci várias pessoas assim: frígidas, em relação à vida.
Adorei as estatísticas também.
Bjos