quarta-feira, 17 de março de 2010

Charlise e os Monstros


Era uma vez uma menina chamada Charlise que morava num planeta chamado Mundo Perigoso, numa cidade batizada de Agora. Seu pai, Charles, era um ex-seminarista que transformou-se em pintor de paredes e a sua mãe, Lise, era uma ex-garota de programa que virou costureira. Charlise era ingênua, disciplinada, religiosa e seu maior sonho era ser santa. Ela foi criada com muito rigor por Abigail, sua rígida avó paterna. Aos quatro anos de idade a menina viu sua vovó retirando-se do oratório e exclamando:
- Quanto mais eu rezo, mais assombração aparece!
Naquele instante a criança pensou:
- Vovó reza tanto para ter a proteção de Deus...
- Então, por que ela vê tantas assombrações?
- Já sei: um dia serei santa para descobrir tudo isto!
A partir daquele instante o objetivo de alcançar a santidade nunca mais saiu da cabeça da garota. Ela assistia as missas todos os domingos, ia às novenas todas as quartas, participava das festas religiosas, procissões e ajudava na limpeza da igreja. Aos sete anos ingressou na catequese e não via a hora de fazer a primeira comunhão. Nesta idade ela passou a rezar seis vezes por dia: ao acordar de manhã, ao tomar café, no momento do almoço, na hora da ave-maria, no jantar e antes de dormir. Um certo dia, Charlise estava voltando da escola e viu um quadro colocado bem na lixeira da sua casa. Assim ela pensou:
- Quem deixou este quadro tão bonito no lixo?!
A mocinha pegou a gravura nas mãos e refletiu:
- Bem, como esta obra de arte encontrava-se na lixeira da minha residência é porque alguém não quis mais e deixou o objeto neste lugar. Portanto: se eu levar esta gravura para minha casa, este ato não pode ser considerado roubo.
- Deste jeito acho que posso levar esta pintura de menino chorando para meu quarto.
A menina colocou o retrato, num prego de parede, que estava ao lado de sua cama. Com o passar do tempo ela notou que a cada dia o garoto do quadro estava com uma fisionomia diferente: um dia ele estava mais gordo, na manhã seguinte o menino voltava a emagrecer e de noite ele estava mais pálido. Três meses depois Charlise voltou do colégio, olhou para a obra de arte e viu que o menino da gravura estava com fios vermelhos no rosto, como se estivesse sangrando. Então a garota exclamou:
- Meu Deus, por favor, retire todo o mal que há neste quadro!
- Para isto, agora farei várias orações!
A garota passou a rezar vários Pai-Nossos e muitas Ave-Marias. Deste jeito conforme as orações iam aumentando o quadro voltava ao normal. A menina ficou com medo de contar sobre esta experiência sobrenatural aos seus parentes. Mas decidiu ir até a casa da catequista falar com ela. Ao chegar na casa da professora, Charlise gritou:
- Dona Tereza!
A mulher abriu a porta e perguntou:
- O que houve?
A pequena explicou:
- Eu tinha um quadro de criança chorando...
A professora interrompeu:
- Você tinha este retrato?!
- Jogue fora porque este quadro é maldito!
- Reza a lenda que na Europa existia um pintor muito talentoso, mas que não conseguia vender quadro nenhum. Então para melhorar de vida ele entrou numa seita satânica e fez pacto com o diabo que prometeu transformar o moço num pintor muito rico. Porém para isto o artista deveria matar crianças e retrata-las nas obras de arte depois. Infelizmente, foi isto mesmo que o pintor fez.
Charlise gritou:
- Por favor, Dona Tereza me ajude a livrar-me deste quadro!
A catequista explicou:
- Eu ajudarei você, minha doce criança!
- Para isto chamarei meus dois filhos adolescentes: Pedro e Paulo.
- Rapazes, venham!
Os jovens foram até o quarto de Charlise, lá eles colocaram a pintura para fora e após vários chutes, quebraram a obra de arte maldita. Após isto jogaram os pedaços do retrato em água corrente, num rio.
Quando anoiteceu a avó de Charlise chegou em casa e a neta indagou:
- Vovó, lembra daquele dia que a senhora falou que quanto mais rezava mais assombração aparecia?!
- O que a senhora queria dizer com aquilo?
Abigail explicou:
- Sim, eu lembro.
- Minha neta, tem coisas nesta vida que não têm explicação lógica. Pois os momentos místicos a gente precisa sentir com as emoções. Os santos faziam jejum e rezavam muito. Mas o demônio sempre tentava apavora-los para testar a fé deles. Portanto, ás vezes, quanto mais orações eles faziam mais monstros eles precisavam enfrentar. Porém como os santos tinham fé e esperanças sempre acabavam vencendo. Por exemplo: São Miguel Arcanjo lutou contra o tinhoso e São Jorge lutou, na Lua, contra o Dragão.
A criança comentou:
- Então, para ser santo é preciso lutar contra as assombrações do mal?
A avó respondeu:
- Sim, é isto mesmo!
A menina deu pulos de alegria e exclamou:
- Oba!
- Lutei contra o quadro amaldiçoado, isto significa que um dia serei santa de verdade!
Alguns anos se passaram, Charlise estava com dez anos de idade e já tinha feito a primeira comunhão, porém ainda mantinha sempre a fé nas suas orações diárias. Um certo dia ela estava voltando da escola. Quando, de repente, avistou um palhaço com uma bailarina parados em frente a uma “Kombi”. O rapaz perguntou à garota:
- Menina, quer um pacote de balas?
Charlise respondeu:
- Quero sim!
A dançarina deu os doces para a garota que colocou as guloseimas na boca e desmaiou. Desta maneira os bandidos colocaram o corpo de Charlise dentro do automóvel.
Quando a criança acordou, ela estava deitada no chão de uma casa estranha, com o palhaço tentando sufoca-la. Naquele instante ela pensou em seu anjo da guarda, olhou para a esquerda e viu um abajur de vidro. De repente ela pegou a luminária e quebrou na cabeça do palhaço que desmaiou.
A pequena saiu correndo gritando por socorro e no meio do caminho avistou um posto policial. Deste jeito ela contou a história para os guardas que chamaram uma ambulância para levar a menina e depois foram verificar o que havia no endereço suspeito.
Charlise passou por exames e foi constatado que estava tudo bem com o seu físico. Dona Abigail chegou após os exames e abraçou a neta. Naquele instante um dos guardas chegou e falou em voz alta:
- Achamos o bandido que estava vestido de palhaço. Ele é o principal suspeito de matar trinta crianças para o tráfico de órgãos.
- Mas quando chegamos lá o marginal já estava morto.
Ao ouvir aquilo a garota gritou:
- Nãoooooo!
- Eu matei um homem!
- Por isto não vou para o céu!
- Justamente eu, que sempre sonhei em ser santa!
Após isto a criança saiu correndo, foi até ao almoxarifado e pegou uma gilete. Porém no momento em que iria cortar os pulsos, o policial chegou, tomou o objeto da mão da mocinha e explicou:
- Pare com isto!
- O meliante não morreu por causa do lustre que você jogou na cabeça dele. Ele faleceu porque teve um ataque do coração.
Após destas palavras, a menina abraçou o guarda e disse:
- Pois, é...
- Quanto mais eu rezo, mais assombração aparece.
Algum tempo se passou, Charlise completou quinze anos e, nesta idade onde as tentações são mais fortes, a sua fé aumentava cada vez mais. Numa linda tarde de verão, esta donzela foi à igreja para se confessar. Então ela sentou-se no tradicional confessionário de madeira. De uma forma suave ela falou:
- Bom dia, padre!
- Estou aqui para confessar os meus...
De repente um barulho tomou conta do templo e Charlise caiu ensangüentada no chão. O sacerdote abriu a porta do confessionário e reparou que o corpo da adolescente estava manchado de sangue. Desta forma o vigário telefonou para a ambulância, explicou a situação com os detalhes e os socorristas chegaram logo. Uma enfermeira examinou a moça e explicou:
- Infelizmente, ela faleceu. Provavelmente por causa de uma bala perdida.
Desta maneira o padre comentou:
- Quanto mais eu rezo mais monstros aparecerem!
- A bala perdida é a assombração que causa medo em todas as cidades.
A partir daquele dias, algumas pessoas afirmaram que viram o fantasma de Charlise andando de madrugada na porta da igreja. Já outros seres pediram graças ao espírito desta menina e foram atendidos.





Luciana do Rocio Mallon

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