sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A História de uma Apadrinhada


Durante o feriado passado, eu ganhei uma máquina de lavar-louças do meu sogro. Ninguém pode imaginar o que isso significou pra mim, menina de 19 anos ex-mimada e agora casada. Na mesma hora, bolei mentalmente um texto sobre minhas aflições como “dona-de-casa” – e principalmente minha cisma com louças para lavar – e hoje, quinta-feira, às 10h00 da manhã, quando ia começar a transcrever meu conto, mudei de idéia. A máquina de lavar-louças fica pra semana que vem, porque hoje é dia de falar sobre o Desaforadas.
Eu sempre soube que queria ser escritora, porque sempre gostei muito de ler. Toda criança aficionada por alguma coisa, seja um cantor, um filme, ou um livro, sonha em um dia, poder fazer algo parecido e encantar outras pessoas. Comigo não foi diferente.
Duas vezes por semana, podia-se ver uma menina de menos de um metro e meio entrando pela porta da biblioteca do Colégio Dom Bosco, equilibrando entre os braços as obras lidas nos últimos dias. Nunca vou me esquecer do dia em que eu estava escolhendo outro livro para ler, e nenhum daquele lado da biblioteca me pareceu bom o bastante para satisfazer minha ânsia por bons enredos. Eram todos livros juvenis, para crianças e adolescentes que ainda tinham que pegar gosto pela leitura. Lembro-me como se fosse ontem. Indecisa, sem saber o que fazer e que livro pegar, eu olhei para o outro lado da sala, e vi uma enorme prateleira que cobria toda a parede repleta de livros grossos, antigos e recheados de conteúdo adulto. Eu tinha 13 anos.
Fui até lá, olhei vários títulos, e decidida, escolhi três. Eu havia, oficialmente mudado de estante.
Minha mãe ficou louca, e passou a revistar minha mochila pra ver se os livros eram inapropriados para mim. Mas, como qualquer pré-adolescente teimosa, eu não a escutava e pegava livros cada vez mais complexos. Quando me proibiam de ler algo, eu pegava escondido na biblioteca e lia de madrugada em meu quarto. Ninguém notava, e eu me achava a maior arteira do universo. Acho que essa foi uma das maiores traquinagens da minha infância.
Quando criança, eu gostava de escrever poesias, e confesso que elas eram daquele tipo de “rima pobre”. Verbo rimando com verbo, adjetivo com adjetivo. Em datas especiais, como aniversário, Natal, dia das mães e dos pais eu presenteava meus familiares com poemas feitos baseados em seus nomes, os famosos acrósticos. Para cada letra, uma estrofe.
O último que fiz para a minha mãe deixou-a chorando por cinco minutos. Até hoje, quando ela lê aquele poema, chora emocionada.
Já naquela época eu dizia que era escritora, e que meu maior sonho, era ser cronista. O tempo foi passando, e eu lia cada vez mais e mais. Como meu pai não me deixava sair, eu passava o fim de semana inteiro, deitada em minha cama, lendo fervorosamente o que aparecesse pela frente.
Com 15 anos, eu lia Doistoiévski, Platão, Saramago, Cammus... Todo livro lido era anotado em uma lista, e aquele ano, acho que 2006, terminou com um saldo de 70 obras. Ainda mantenho o costume de registrar o que leio, e já nem sei a quantas anda essa contagem.
Pode parecer clichê, mas os livros sempre foram os meus melhores amigos, e a minha ponte para uma boa escrita. Eu sempre tirei as melhores notas em redação e português, e tinha tanto orgulho de minhas criações em sala, que por mais banais que parecessem, como uma dissertação sobre a questão do aborto, por exemplo, foram guardadas e até hoje eu as conservo em uma caixa.
Aliás, tenho que confessar um segredo. Já postei aqui no blog um texto meu feito durante as aulas de redação na 8º série. Acho que ninguém notou nada, né?
Aos 17 anos, eu havia escrito poucas histórias, todas para propostas de redação da escola. Naquela época, apesar de eu adorar escrever, ainda sentia uma dificuldade e uma insegurança imensa com o papel e o lápis. O meu maior medo era descobrir que, na verdade, eu não tinha dom nenhum para a escrita. Eu conhecia o poder da borracha, mas não acreditava nela. Palavra escrita era palavra escrita, e não tinha volta.
Lembro bem do meu primeiro texto literário oficial (desvinculado da escola) e de como foi escrevê-lo. No trabalho da minha mãe, já no finzinho da tarde, tive um insight que me fez imediatamente pegar a primeira folha que eu visse e começar a escrever. Demorei uma hora para acabar o “Prazer, Letícia”, minha primeira crônica de apenas uma página e também, já postada aqui no Desaforadas.
Meu primeiro conto foi escrito alguns meses depois, e o processo de criação foi muito semelhante. No trabalho da minha mãe, eu fui fumar um cigarro na escada de incêndio, e olhando para os 13 andares abaixo de mim, tive outro insight e criei “O Recado”. Sabe aquela coisa de sorte de principiante? De que o universo conspira ao seu favor? Foi o que aconteceu comigo. A experiência mágica de sentir que minhas mãos eram guiadas por meus pensamentos, de cada linha escrita, das palavras fluírem como vento... Foi maravilhoso e inesquecível.
Roteirizei o “O Recado” como exercício para as aulas de roteiro do Centro Europeu e foi assim que entrei pro Desaforadas. Ao mostrar minha idéia para o professor e lhe explicar que a história era a adaptação de um conto, fui convidada para escrever no blog. Isso já faz mais de dois anos.
O Mario nem imagina, mas ele foi um anjo em minha vida. Naquele dia, ele realizou um sonho e me empurrou para o primeiro passo que me livraria dos demônios da insegurança. Eu tinha um sonho de ser escritora, mas tinha medo de me frustrar descobrindo que talvez não levasse jeito para a coisa, e então, evitava escrever.
Com o blog, fui “obrigada” a, semanalmente, criar um novo conto e afiar os meus dons com a escrita. Antes, eu tinha de reservar a semana para escrever algo, hoje, separo apenas uma manhã. Antes, eu achava que ter um livro escrito por mim era só pra depois dos 30 anos. Hoje, mais de 50 pessoas têm meu livro “Pura Artista, Mal lhe Pintei, Encantei-me com Outra Obra”em suas prateleiras, ao lado de outros já autores consagrados.
O Desaforadas significa pra mim, atualmente, o caminho para escrever um romance, meu próximo objetivo. E como o blog nunca me desapontou, sei que vou conseguir.
Não é a toa que convidei o Mário para ser meu padrinho de casamento, e ele aceitou.
Um sincero obrigado e um grande beijo no coração do Mario Lopes.

De sua sempre agradecida afilhada,

Leticia Mueller

Um comentário:

Anônimo disse...

Letícia, é engraçado que a gente que está acostumado a escrever de repente se depara com situações para as quais não encontra palavras. Esta é uma delas. Realmente não sei o que dizer. E por dois motivos: primeiramente pela minha negligência com o blog e, principalmente, com você, pois estou há duas semanas acessando-o o mínimo possível devido à falta de tempo; o outro motivo é o fato de que suas palavras me tocaram profundamente, isso porque procuro manter o idealismo na função de professor, e é num momento como este que vejo que vale a pena manter a chama acesa. Ser um anjo (que, você sabe, é um arquétipo poderosíssimo) me deixa enormemente feliz. Você é protagonista da própria história e sabe que essa é a principal saga. Então, o que mais desejo a você é que, mais do que escrever grandes livros (e disso você é imensamente capacitada) você escreva uma preciosa, única e maravilhosa história pessoal. Beijo e eu é que agradeço por você fazer valer a pena este ofício que levo tão a sério. Obrigado, Letícia.

Mario