domingo, 24 de maio de 2009

O hai kai ippon


Pouca gente sabe, mas a Palestina e Israel encontraram um momento de paz verdadeira em meados dos anos 70. Um sopro de ternura entre os líderes dos dois povos se fez presente em um dos períodos mais críticos do conflito, mas esta história começa sete anos antes.
Milena Albuquerque (nome fictício) havia manifestado muito cedo um poder de escrever poemas com tanta sensibilidade que seus textos geravam incômodo e comoção nos leitores. Professoras desistiam de castigar alunos, colegas de classe paravam com suas rusgas e até o prefeito da cidade atendeu a um pedido da comunidade por conta de um poema seu colocando às claras uma ferida social incômoda.
Cresceu com seus poemas sendo premiados e adquirindo até mesmo contornos utilitários. Sempre que preciso, ela interferia na história de amigos: escrevia poemas para namorados em crise, pais que não se davam com os filhos, líderes relapsos com seus liderados. As palavras no papel atigiam seu objetivo logo nas primeiras linhas, fazendo mesmo os avessos ao lirismo se entregarem mediante argumentos tão delicadamente burilados. Até os corações mais rudes sucumbiam a seu talendo. Passou a ser olhada com admiração, quase cultuada. Foi quando ela própria, ao ver o noticiário, teve a idéia de escrever um poema para dois líderes que se degladiavam em conflito que parecia interminável.
Depois de conseguir traduzir seus poemas (convencendo os tradutores a ajudá-la mediante cartas também de tom poético), obteve apoio em uma corrente de relacionamentos que fez suas cartas chegarem aos dois representantes. Depois de minuciosamente inspecionadas, as cartas (que não continham vírus ou vestígios de armas químicas) foram abertas e lidas. Em ambos os lados do conflito houve uma reação aturdida por parte dos companheiros mais próximos daquelas figuras máximas de poder. Ninguém sabia o que havia ocorrido, mas agendaram um encontro no qual declararam que estavam dispostos a fazer as pazes e resolver todos aqueles conflitos que geravam mortes diárias. Pela primeira vez, palestinos e israelenses perceberam que o campo das intenções era realmente sincero, e de ambas as partes.
Dois dias depois, os dois líderes foram temporariamente afastados de seus cargos e passaram por algumas semanas de "tratamento", distantes de suas funções. Retomaram seus postos remodelando o discurso anterior, e Milena então viu que mesmo suas palavras inspiradoras tinham poder limitado. De todo modo, suas correspondências causaram furor em líderes estrategistas, ela foi interceptada pela CIA, e passou a prestar seus serviços para tentar aplacar a ira de líderes considerados altamente perigosos e subversivos. Sempre conseguia algum êxito ao enviar mensagens para a Coréia do Norte, Cuba e Rússia. Mas percebeu que suas ações não davam certo a médio e longo prazo, porque era preciso antes de tudo que cada um criasse sua poesia anterior. E essa dificilmente brotava espontaneamente.
Hoje, ela escreve em um projeto de criação do hai kai perfeito. Aquele que em apenas três linhas dará um ippon na maldade, e será dito nos noticiários do mundo todo quando realmente chegar o armagedon. Um poema para um caso máximo de caos e emergência da humanidade. Por enquanto, o nome provisório é "Hai Kai do Remorso".


Mario Lopes

4 comentários:

Anônimo disse...

Mario infelismente, diante de tantos dados eh impossivel eu acreditar que qualquer perfeicao metrica, de versos e de rimas, seja capaz de reverter o caos que tomou conta desses povos...
Se nem a vontade da maioria deles conseguem apontar uma luz no fim do tunel...(Tres quartos de Palestinos e Isrraelenses, segundo que li, sao a favor de uma solucao para que se resolva todo o conflito, segundo ainda a mesma pesquisa, para ser mais especifica 78% dos Isrraelenses e 74% dos Palestinos aceitam viver lado a lado em dois paises)...Infelismente o Hai Kai que esta sendo lido la, eh o do HaiKai do egoismo, onde mts pagam por um, onde uma crianca morre sem saber pq, sem idologia, nao tem tempo de tomar partido, so vira estatistica. Por o lider deles, escolhidos pela minoria, defende um posicao, que nao se chega a lugar alguem, e so para quando alguem chora, cantando o Hai kaii da dor e da saudade.

Bjos, Maria.

Anônimo disse...

Boa - tarde !
Parabéns !
Excelente texto !
Fala do esforço da Literatura em mudar o mundo .
Tenha uma excelente semana !
Com carinho ,
Luciana do Rocio .

Anônimo disse...

Não sabia dessas estatísticas, Maria. Bom seria se realmente houvesse uma solução mágica, mas, de fato, o problema é complexo demais. E deveria ser simples demais, exigindo apenas boa vontade e disposição real para se solucionar o caso. Quem sabe um dia o tal hai kai nasça de dentro para fora.
Beijo, Maria.

Mario

Anônimo disse...

Obrigado pelas palavras, Luciana. Achei mesmo que você como poetisa iria se identificar.
Beijo e excelente semana pra você também.

Mario