sexta-feira, 22 de maio de 2009

Síndrome de Peter Pan


Toni é um homem já com seus 50 anos, charmoso, alto, de cabelos negros com mechas grisalhas e grandes olhos pretos expressivos. Quando jovem, pensava em se formar em algo sério, como Medicina ou Direito, mas por obra do acaso sua carreira decolou para uma vertente totalmente oposta.
O circo “Le Grand Cirque” havia chegado à sua cidade repleto de espetáculos extraordinários, como malabarismos, domadores de leões, contorcionistas e mágicos misteriosos. As apresentações eram semanais e os ingressos se esgotavam logo no primeiro dia. Por sorte, Toni havia chegado cedo na fila, e já estava com sua entrada garantida...
- Respeitável público! Damos início ao nosso grandioso espetáculo! Bom divertimento!
O rapaz observava com olhar vidrado o apresentador, trajado com seu fraque impecável, sair do palco para dar lugar à primeira atração: Jean Paul e seus poodles adestrados. As atrações continuaram desfilando pelo picadeiro sob os aplausos entusiasmados do público. Vieram: “Ethienné e os malabares incríveis”, os palhaços “Claude e Claudine”, “Napoleon e suas feras” e outros números incríveis.
O apresentador volta para anunciar a última grande atração. Envolto em grande suspense, o mestre de cerimônia chama ao palco MR. H. As luzes vão se tornando mais fracas e o silêncio é quase total.
Coberto com um manto negro, sem erguer a cabeça, ele entra, arrancando suspiros temerosos da platéia. Apresenta-se sob centenas de olhares atentos que mal ousam piscar. A expectativa é grande. Os truques, um mais sensacional que o outro, surpreendem cada vez mais. A apresentação chega ao fim.
Os espectadores, em pé, aplaudem com vibração a performance de MR H. As luzes se acendem totalmente, e o público, encantado, começa a se retirar. Toni é o único que permanece imóvel em seu lugar. Extasiado, ele passa e repassa em sua mente todos os truques, procurando explicações plausíveis para as mágicas. Ele vai para casa e, movido pela curiosidade, sai em busca de um curso de mágica. Toni acaba de escolher o rumo de sua vida.
Após alguns meses tendo aula de mágica, ele percebe que possui um dom natural tão inacreditável que seus professores, pasmos com sua habilidade, o dispensaram do curso.
Assim, usando coisas simples que tinha em casa, passou a fazer pequenas apresentações remuneradas em festas de crianças, que se tornaram tão bem faladas, que o levaram para eventos em sua cidade, depois pelo país, e finalmente, ao redor do mundo.
Contratado por uma grande rede de hotéis, com unidades espalhadas pelo mundo, fez apresentações nas mais diversas cidades. Todos o conheciam como “Toni, o Incrível“, o Mágico Misterioso, de talento nato que se tornou mundialmente famoso em pouquíssimo tempo. Com o sucesso alcançado com seus espetáculos, cresceu também a aura de mistério envolto em sua pessoa. Todos, principalmente os outros mágicos, queriam descobrir quais eram os segredos usados na perfeita execução de seus truques.
Em uma de suas apresentações, mais voltada para o público infantil, Toni se preparava para dar início ao show, enquanto as crianças se espalhavam pela sala e os adultos aguardavam sem expectativa.
Abriram-se as cortinas e o mágico apareceu. Entre palmas e gritos das crianças, teve início o show. O primeiro truque foi relativamente simples. Toni tirava uma série de objetos de dentro da cartola, inclusive um coelho branco de grandes orelhas. Dois homens que assistiam ao espetáculo, sussurravam entre risos:
- Você viu isso? O cara ficou famoso com esse truque furrepa?
- Pois é... ha ha. A cartola com fundo falso. Quase comprei uma dessa outro dia.
As crianças estavam encantadas. Atentas, observavam tudo aplaudindo com entusiasmo. Para os números seguintes, com cartas, cordas, lenços, flores, dinheiro, jornal, as reações não foram diferentes. Os dois adultos lá atrás, ao fim de cada truque sempre tinham algum comentário mordaz:
- Como ninguém percebeu que a corda estava dentro da manga...
- A carta tem uma marcação especial, por isso ele sabe qual é...
- Aquela flor é acionada por um botão na bengala...
Com o fim da apresentação, Toni, ovacionado pelo público, sai apressado, pois em meia hora sairia o vôo para seu próximo destino. Pega o celular para chamar um táxi e percebe que está sem bateria. Vê-se na obrigação de apelar para outros meios. Abre sua mochila de mão, tateando em busca de algo. Tira a cartola, a bengala, um vestido, uma pomba, uma cadeira, uma bola, e nada do que realmente procurava. Até que finalmente acha. No pote, escrito em grandes letras vermelhas: pó de pirlimpimpim.
Toni, sem se preocupar se havia alguém observando, pega uma porção do pó brilhante e atira para cima.
Uma das crianças que assistira ao seu show, o vê desaparecer. Chama seu pai, um dos dois incrédulos presentes, e desesperada, fala:
- Paaaai, o mágico sumiu! Eu vi pai! Lá fora, agora. Ele tava lá inteirinho, e num passe de mágica, ele sumiu...não tava mais lá! Desapareceu.
O pai, indignado, olha pra seu amigo, o outro cético, e diz:
- Esses mágicos de hoje... que vergonha. Ao invés de se aprimorarem, acabam investindo em tecnologias.
O outro, de pronto, responde:
- Holograma né cara... quase comprei um desse outro dia.



Letícia Mueller

2 comentários:

Anônimo disse...

hehehe Letícia, muito boa a sequência narrativa, bem legal o personagem e o par de pais rabujentos. Agora é minha vez de usar meu pó de pirlimpipim porque é hora de ir para o reino de Morfeu. ;-)
Beijo

Mario

Anônimo disse...

O Nosso ceticismo nossa condição adulta e "intelectual" de dúvida permanente nos faz cegos para mts verdades...
Divinas sao as criancas que conseguem ver tudo com absoluta transparencia, e com um toque de ilucidez...

Grandes tolos nos, adulto, que desiludidos com as mentiras, viramos as costas para as outras que estao acima de nos...

Bjos, adorei seu texto...

Maria