sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Sexta-feira com Desaforadas em dobro. Rubia Carneiro fazendo uma homenagem ao menestrel da geração pós-punk no Brasil, e Letícia Mueller mostrando que tem talento com as palavras até debaixo d'água. Eis os posts.

És parte ainda do que me faz forte



No dia 11 de outubro de 1996, eu tinha 19 anos. Estava indo para o trabalho quando um amigo me disse, com cara de quem iria contar uma tragédia: Você viu o jornal? Sabe quem morreu? O Renato.
Capaz! Você ouviu errado, argumentei.
Eu era apenas mais uma adolescente apaixonada pela Legião. Daquelas que faziam do Renato um mito a ser idolatrado, ouvido, celebrado, devotado. Nem sei quando e como tudo isso começou. Aliás, um montão de gente, de várias faixas etárias, agia exatamente como eu. A primeira coisa que fiz, quando comecei a trabalhar, foi comprar todos os CDs lançados até então. Ouvia todo dia. Sabia todas as letras de cor. Todas. Comecei organizar uma pasta com uns recortes – claro, do que eu tinha acesso em cidade de interior. Sentia-me meio menininha colecionando coisas, mas não me importava muito. Tenho a pasta até hoje, guardada num cantinho especial. Meu tesouro da adolescência. Daria até para colocar numa cápsula do tempo...
Eu era telefonista em uma empresa. Seria cômico, se não fosse trágico (pra mim, claro): chorei a tarde inteira – é bem verdade que sou daquelas piscianas que choram até com comercial de margarina, mas naquele dia as lágrimas não paravam de verter. E meus amigos e conhecidos ligaram, a tarde inteira, como se um parente muito próximo meu tivesse falecido.
- Oi... Você já soube? Tá tudo bem?
E a cada ligação, mais lágrimas, incontidas e sinceras. Não sei como não fui demitida naquele dia. Mas tudo bem, eu sei que meus colegas se divertiram com a choradeira.
Na adolescência, tudo é muito intenso. A cada fase me recordo de uma música, de uma estrofe. Fez e faz parte do que sou. Peço desculpas se estou sendo piegas, mas me dei conta de que o tempo passa muito rápido. A vida humana é um cisco no olho da eternidade. E como disse Renato: “É tão estranho, os bons morrem jovens. Assim parece ser, quando me lembro de você, que acabou indo embora cedo demais.” Suas músicas são sempre atuais, mesmo as da época do Aborto Elétrico: “Ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro na Nação.”
Depois da morte do Renato, eu fiquei um tempão sem ouvir música. Sem me importar com o que eu estava ouvindo. Sem ouvir Legião. Os CDs ficaram lá, guardados num canto triste. Mas “tudo passa, tudo sempre passará”...
Abaixo, selecionei alguns trechos de músicas do Manfredini. Como toda seleção, esta é muito subjetiva. Espero que gostem, embora muitas músicas tenham ficado de fora – como, por exemplo, Faroeste Caboclo, (aquela supercomprida que todo mundo canta em acampamento). Senti um ímpeto de colocar um pouco de cada música. Mas me contive...
- Não vou me deixar embrutecer, eu acredito nos meus ideais. Podem até maltratar meu coração, que meu espírito ninguém vai conseguir quebrar.
- É a verdade o que assombra, o descaso o que condena, a estupidez o que destrói.
- O sândalo perfuma o machado que o feriu.
- Se a sorte foi um dia alheia a meu sustento não houve harmonia entre ação e pensamento.
- É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã. Porque se você parar pra pensar, na verdade não há.
- São só palavras: teço, ensaio e cena.
- Quem me dera ao menos uma vez, como a mais bela tribo dos mais belos índios, não ser atacado por ser inocente.
- Quando tudo está perdido, sempre existe um caminho.
- Hoje a tristeza não é passageira.
- Consegui meu equilíbrio cortejando a insanidade.
- Só nos sobrou do amor a falta que ficou.
- Nas favelas, no senado, sujeira pra todo lado.
- E ao transformar em dor o que é vaidade e ao ter amor, se este é só orgulho – eu faço da mentira, liberdade.
- Se você quiser alguém para ser só seu é só não se esquecer: estarei aqui.
- Quero ouvir uma canção de amor, que fale da minha situação, de quem deixou a segurança do seu mundo, por amor.
- Quero ter alguém com quem conversar, alguém que depois não use o que eu disse, contra mim. - Este é o nosso mundo: o que é demais nunca é o bastante e a primeira vez é sempre a última chance.
- Sou um animal sentimental: me apego facilmente ao que desperta o meu desejo.
- A ignorância é vizinha da maldade.
- Vamos celebrar Eros e Thanatos, Persephone e Hades.Vamos celebrar nossa tristeza. Vamos celebrar nossa vaidade.
- Aonde está você agora além de aqui, dentro de mim?
- Quando o sol bater na janela do teu quarto, lembra e vê que o caminho é um só.
- Somos os filhos da revolução. Somos burgueses sem religião. Nós somos o futuro da Nação. Geração Coca-Cola.
- Não basta o compromisso, vale mais o coração. Já que não me entendes, não me julgue, não me tente.
- Todo mundo sabe e ninguém quer mais saber. Afinal, amar ao próximo é tão démodé.
- Mas nada vai conseguir mudar o que ficou. Quando penso em alguém, só penso em você.
- Quando você deixou de me amar aprendi a perdoar e a pedir perdão.
- Vamos festejar a violência e esquecer a nossa gente que trabalhou honestamente a vida inteira e agora não tem mais direito a nada.
- Só por hoje eu espero conseguir aceitar o que passou e o que virá.
- Quando não estás aqui, sinto falta de mim mesmo.
- Veja o sol dessa manhã tão cinza: a tempestade que chega é da cor dos teus olhos castanhos.
- Deve haver algum lugar onde o mais forte não consegue escravizar quem não tem chance.
- Será que eu sou capaz de enfrentar o teu amor que me traz insegurança e verdade demais?
- Há tempos nem os santos tem ao certo a medida da maldade.
- E quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer que não existe razão?


Rubia Carneiro

2 comentários:

Anônimo disse...

Rubia, vou complementar seu post com informações curiosas que constam nos encartes dos discos da Legião:
* Tem sempre a frase "Ouça no volume máxio", o que vale também para o seu texto: tem de ser lido no volume máximo, seja lá como for.
* Também tem sempre a inscrição "Urbana Legio Omnia Vincit", sendo que "Omnia Vincit" é uma sentença latina de Virgílio, o maior de todos os poetas romanos, que significa "o amor vence tudo".
* E, em um dos discos (agora não recordo qual), há a ilustração de um carrinho e a frase: "Quando eu queria mudar o mundo, meu carro vivia cheio de gente". Passado o tempo, fico feliz em perceber que, quando meu carro não está batido (e eu não estou com a carteira confiscada pelo Detran), ele continua cheio de gente.
Confesso que procurando fotos do Renato na web eu chorei.
Obrigado, obrigado, obrigado, Rubia.
Beijo.

Mario

Anônimo disse...

Eu pensei em colocar mais algumas informações, mas não queria ficar chata (pq se deixar eu falo, falo, falo sobre o Renato)...
Gostei muito da foto. Gosto tbem de uma em q ele está segurando rosas vermelhas...
E obrigada vc, por ter me incentivado a escrever.
Quando vier para Castro, eu te mostro a pasta da Legião, para chorarmos juntos... ;-)
Beijos,
Rubia.