sexta-feira, 12 de março de 2010

Caiu Do Céu


Caiu do céu, literalmente. Distraída, divagando tranquila pela rua, sem compromisso algum, uma idéia arrebatadora bateu em alta velocidade na cabeça de Geórgia. Caiu, acertou, doeu.
Ela olhou para cima, tentando achar o engraçadinho que havia feito a traquinagem, mas ele foi mais rápido que ela. Todas as janelas dos prédios ao redor estavam, ou fechadas, ou totalmente desabitadas.
Geórgia foi obrigada a parar para se recuperar do baque. Sua cabeça doía e ela mal conseguia olhar para a idéia caída no chão, inteira, sem um arranhão. Os olhos ameaçavam embaçar, as pernas desfaleciam, a respiração ficou difícil, mas, a curiosidade falou mais alto. Com muito esforço, ela conseguiu chegar perto do objeto celeste, afinal ela tinha que saber quanto pesava aquela idéia que quase a matara.
Passado o susto, Geórgia até que se animou com o acidente. No outro dia, ligaria para a patroa explicando tudo TIM-tim por TIM-tim, pedindo desculpas por não poder ir trabalhar e servir couverts na reunião de trabalho do patrão, realizada todas as sextas-feiras. Que pena.
Ah, sem contar que teria assunto para tricotar por até uma semana. Infelizmente, passados esses 7 dias, ficaria chato contar a história pois outra notícia já a teria substituído. Que pena.
Pensando bem, até que Geórgia ficou feliz com o acidente, considerando-se super sortuda. Poxa, não é toda quinta que uma idéia cai do céu justo na sua cabeça. Bem na sua cabeça! Dentre bilhões de cabeças espalhadas pelo mundo, caiu justamente na sua, véspera de sexta-feira, dia de sair. Ela estava indignada com sua sorte. Olhava para o céu e agradecia ao que quer que fosse que tivesse lhe dado esse magnífico presente: uma folga de sexta e babadoscalientesprazodevalidade7dias.
Resolveu até parar numa lotérica no caminho para casa. Apostou no coelho. Amanhã é sexta-feira.
Ainda pensando no que ocorrera, Geórgia começou a refletir se esse acaso não tinha alguma ligação com os astros, o alinhamento dos planetas, a lua, um eclipse, algo assim... Então, passou na banquinha e comprou uma revistinha que lia de vez em quando no salão.
O horóscopo estava simplesmente impressionante. Parecia que alguém passara uma semana ao seu lado e escrevera o artigo somente para ela, dizendo frases como:
“Fase produtiva.Aproveite o tempo livre para cuidar de assuntos mal resolvidos. Fique atenta a pequenos acidentes do cotidiano e tome cuidado com os novos amores”.
Incrível. Tudo a ver. Provavelmente a mulher que escreveu o artigo é uma vidente e visualizou meu rosto em uma bola de cristal. Estupefata com as semelhanças, Geórgia refletia também sobre a junção de todas as frases, tentando mostrar algum esquema que a guiasse durante o restante do mês. Primeiro, concluiu que deveria estar sempre alerta na rua, para evitar que mais idéias caíssem sobre sua cabeça e fizessem algum estrago maior.
Pequenos acidentes do cotidiano, ok.
Segundo, assistir mais televisão, anotar todas as boas receitas (sem preguiça) e testá-las uma a uma. Impreterivelmente.
Fase produtiva, ok.
Terceiro, ir amanhã à “Black House” com as suas amigas, e no fim de semana, se sobrar dinheiro, experimentar todas as boas baladas que ainda não teve a oportunidade de conhecer, o que era vergonhoso. Porém, tentar não se envolver seriamente com os caras que ficasse. Levar para casa, dormir com ele, tudo bem, mas sem trocas de telefone, MSN e Orkut. E ai do cara se adicioná-la mesmo sem ela ter passado o endereço ou nome do seu perfil. Isso seria um caso sério de perseguição, de polícia. Melhor prevenir.
Aproveitar tempo livre para cuidar de assuntos mal resolvidos e cuidar com novos amores, ok,ok.
Com tudo planejado, Geórgia estava quase chegando em casa, quando lembrou que deixara a idéia do céu na rua, inteirinha e sem nenhum arranhão.
Como havia sido burra! Não sabia como andavam as chuvas de idéias, mas tinha certeza que uma assim tão grande e resistente não caía há algum tempo, aproximadamente uns 150 anos. Ouvira isso no rádio. Um locutor com uma belíssima voz grossa falando que não se faz mais arte como antigamente, na época dos grandes clássicos e coisas do gênero. Aí ele falou alguma coisa sobre arte e idéia, mas Geórgia não vai saber explicar direito.
Enfim, tendo consciência da idiotice que fez em deixar a idéia lá, de ter chego a pegá-la na mão, ter reparado que ainda estava intacta mesmo com a queda, ela voltou a passos largos e rápidos para o local do “acidente”.
Para sua surpresa, a idéia continuava ali, exatamente no mesmo lugar, estirada na calçada, intacta e perfeita. Os pedestres que passavam por ela pareciam nem notá-la, não fosse o fato de desviarem-na, ainda que indiferentes.
Geórgia estranhou a cena e até mesmo encontrar a idéia ainda ali. Na verdade, pensando bem, ela tinha voltado não pela idéia em si, mas sim para adquirir a “prova do crime”, caso alguém não acreditasse nela.
Será que a levava para a casa? Depois de uma semana, ela já não teria valor algum, a não ser que soubesse tirar algum proveito da idéia como idéia, propriamente dita. Mas, ela não ia saber fazer isso. Deixaria-a guardada na estante, ocupando espaço, e seria como todas as outras idéias que teve durante a vida (obviamente que essas não caíram do céu).
Não sabia o que fazer. E ainda tinha mais a preguiça, a falta de tempo, a falta de vontade. Será? Poderia ao menos tentar durante essa semana que ela seria realmente usada.
Isso! Levaria a idéia para a casa.
Geórgia, saindo de seus pensamentos e voltando à realidade, virou-se para pegar a idéia, no mesmo instante em que um homem, já nos seus 50 anos, trajando um suéter e calças de veludo, óculos e cabelos levemente desgrenhados, passou pela idéia e, sem hesitar, levou-a consigo. Contente e entusiasmado. Até parecia andar mais rápido, de tão ansioso.
E Geórgia ficou ali, paralisada, vendo sua idéia ir embora nos braços de outra pessoa que talvez a concretizasse.
Se ela ficou triste?
É claro que ficou, mas não é porque esse tal de objeto celeste caiu justo na sua cabeça que a idéia lhe pertence, certo?
É... certo.


Letícia Mueller

5 comentários:

Anônimo disse...

Mais um para a terceira edição do livro, Letícia. :-)
Beijo do padrinho. ;-)

Mario

Anônimo disse...

Owm, que padrinho fofo..
haha
Beijo da afilhada

Leticia

Karime disse...

Livro ??? Eba!!! Quero ir no lançamento!
Le, show de bola! Super bem escrito, inteligente e divertido!
ADORO!

Karime disse...

Livro ??? Eba!!! Quero ir no lançamento!
Le, show de bola! Super bem escrito, inteligente e divertido!
ADORO!

Karime disse...

Le, soube pelo post da Angelica que tu lançastes um livro. Querida, PARABÉNS! Tenho certeza que será um sucesso! Uma lástima não ter tido conhecimento do evento antes e não ter podido te prestigiar pessoalmente.

Beijão com muito carinho!