domingo, 28 de março de 2010

Sashimi Móvel


Há muito tempo, nossos ancestrais distantes se viam frente a um rio cheio de pedras, peixes e, é claro, água. Com um peixe na mão e um pedregulho na outra, alternavam as batidas do peixe na pedra ou pedra no peixe até que ele estivesse morto e pronto para degustação.
Hum, degustação nem tanto, nutrição!
Ontem passei por uma experiência que suplantou todos os limites da criatividade humana: Sashimi Móvel.
Vá ao supermercado às quatro da manhã. Gentilmente, peça ao peixeiro para que limpe dois kg de salmão não congelado. E atenção! Não deixe que ele estrague corte os filés, para não estragar a brincadeira e também, por simples estética.
Agora caminhe lentamente pelos corredores vazios cantando uma canção da sua preferência, deixando claro que cantar uma canção não significa que todos são obrigados a aguentar você, desafinado. Interprete a bela canção e, por favor, gesticule com as mãos para alcançar as escalas que tua voz não alcança. Retome a compostura se por ventura tiver uma viva alma no supermercado às 4 da manhã. Procure o shoyu. E hashi.
No corredor de utensílios domésticos, você vai encontrar uma infinidade de facas. Compre uma básica, daquelas compridas de R$3.90, sabe?
Logo ao lado, escolha três pratos de sua preferência (cor, tamanho, preço) e dirija-se ao caixa, onde há um mini-freezer. Isso é um conselho, compre muita bebida e um garrafão de água.
Agora começa a parte mais delicada do processo. Entre no banco da frente do carro e peça a um colega para que sente ao seu lado. Com as sacolas plásticas poluentes do mercado, forre um caminho do motorista até o co-piloto. Coloque os pratos justapostos nesse caminho. Deixe o outro prato em cima do painel para servir.
Pegue o peixe inteiro, dê uma boa olhada, dependendo da sua empolgação, saia do carro, segure o peixe e tire uma foto.
Em cima dos dois pratinhos, coloque o peixe deitado. Corte-lhe a cabeça e o rabo. Jogue os restos mortais da criatura dentro de uma sacola. De maneira nenhuma jogue na rua, embora seja tentador posicionar a cabeça bem no meio da via e ver algum carro causar uma explosão de miolos... De peixe.
Divida-o ao meio. Agora, com muita delicadeza segure a escama, e, com as mãos mesmo, vá puxando o filé. Pode puxar, não tenha medo não. Puxar não é apertar, salmão não é massinha. Tcharam! Agora você tem dois filézões de salmão.
Corte em fatias, em cubos, em forma de lagosta, dinossauro, estrela, o que você quiser, o céu é o limite! Ressaltando também, que, se você está numa situação como a narrada até então, você só pode estar louco. Aproveite e use a criatividade.
Divida igualmente com seus colegas, taque shoyu e bom apetite. Ou, como se diz em japonês, 食欲 .
Depois de se fartar de comer, use o garrafão de água para limpar os pratos (faça isso numa grama ou num bueiro), mãos, faca e o que mais estiver sujo. Sabe aquela flanela laranja de limpar o vidro? Então, ela vai entrar na dança também. Limpe bem as mãos.
Ao entrar novamente no carro, um cheiro característico de peixe estará impregnado no ambiente causando certo desconforto ou náuseas.
Acenda um cigarro. Dentro do carro.
Talvez seja a primeira vez que um não-fumante irá te implorar para acender um cigarro dentro do carro. E também talvez você não consiga fumar o cigarro inteiro pela proximidade da mão podre perto das narinas.
Já deve ter passado das cinco há muito tempo. Volte pra casa, caro amigo. Tome um chá de boldo e durma com os anjos.



Larissa Santin

3 comentários:

Anônimo disse...

Lari, juro que se eu não fosse vegetariano topava a brincadeira. :-)
Beijo.

Mario

Rodriane DL disse...

Isso é muito bom, Larissa. Esses cronistas tarimbados por aí teriam dado um dedo p ter escrito esse texto...

Karime disse...

Muito bom, Larissa! Adorei a brincadeira e o texto. Fora que ADORO sashimi! Meu namorado costuma ter uns faniquitos assim e inventar moda no supermercado!
hahahaha
Beijos